Os Critérios e Limites para a Quantificação dos Danos Extrapatrimoniais

AutorCarolina Tupinambá
Ocupação do AutorPós-doutora no Programa de Pós-Doutoramento em Democracia e Direitos Humanos - Direito, Política, História e Comunicação da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
Páginas162-196

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6.1. As referências legislativas pretéritas à Lei n 13.467/2017

A tarifação dos danos morais pretendida na seara trabalhista pela Lei n. 13.467/2017 não é exatamente uma novidade no sistema brasileiro.

Algumas experiências legislativas merecem referência, neste particular.

O art. 1.553 do Código Civil640 anterior previa genericamente critério para arbitramento da indenização.

No Código atual, vale citar os arts. 944641, 945642 e 948643, que trazem parâmetros para a ixação da indenização, bem como os dispositivos 953644 e 954645, que adotam o critério da equidade, o primeiro versando sobre a indenização devida em razão de atentado à honra do sujeito de direito, o segundo, por sua vez, referindo-se ao dano moral decorrente de violação à liberdade pessoal, cujo montante também deve ser alcançado equitativamente pelo juiz da causa.

O Projeto de Lei n. 6.960/2002, de autoria do Deputado Ricardo Fiúza, propôs a transformação do atual parágrafo único do art. 944, em § 1º, com inserção de um § 2º que consagraria a chamada teoria do desestímulo, nova roupagem do caráter punitivo, nos seguintes termos: “§2º. A reparação do dano moral deve constituir-se em compensação ao lesado e adequado desestímulo ao lesante646”.

Em verdade, já houve, inclusive, projeto de lei abrangente sobre o tema da quantificação n. 150/1999, que chegou a ser aprovado no Senado Federal. O relator do projeto na Câmara, Deputado Regis de Oliveira, em 2008, sustentou sua inconstitucionalidade nos seguintes termos:

Entretanto, s.m.j., os Projetos de Leis ns. 7.124/2002 e 1.443/2003, pela forma que foram concebidos, indiretamente, tolhem o direito à manifestação do pensamento. De fato, na hipótese de aprovação dos projetos

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epigrafados, em razão das suas excessivas regras de responsabilização por danos morais, as pessoas se sentirão pressionadas por tais preceitos, restringindo, assim, o direito à liberdade de expressão, assegurado pelos incisos IV e IX, do art. 5º, da Constituição Federal.

[...]

Entretanto, com a devida vênia, defendo opinião que o projeto de lei n. 7.124/2002, do Senado Federal, não pode prosperar, porque tenta conceituar o dano moral e estabelecer os bens juridicamente tutelados, trabalho impossível, que o legislador não deve se arriscar.

[...]

Da mesma forma, defendo posição contrária à aprovação do projeto de lei n. 7.124/2002, porque busca indevidamente ixar valores para a recomposição do dano moral. De fato, não entendo justo estabelecer valores para cada ofensa cometida, antes da ocorrência da lesão.

[...]

O correto seria deixar a ixação do quantum para a apreciação de cada caso, não sendo coerente criar parâmetros legais, com valores preestabelecidos647.

O parecer foi aprovado por unanimidade em 2010, quando então o PLS n. 150/1999 foi deinitivamente arquivado. A iniciativa histórica visava propor tarifar danos extrapatrimoniais, a depender do grau da ofensa. Para ofensas leves, arbitrava-se indenização no valor de até cinco mil e duzentos reais; para a ofensa média, previa-se de cinco mil, duzentos e um reais a quarenta mil reais. A ofensa grave oscilava entre quarenta mil e um reais a cem mil reais, enquanto as ofensas gravíssimas seriam reparadas com valores acima de cem mil reais. Registre-se, ainda, que, de acordo com o referido projeto de lei, havia possibilidade de o juiz elevar ao triplo o valor de indenização em caso de reincidência ou “indiferença do ofensor”648.

Ao lado de previsões genéricas, algumas referências legislativas específicas ganharam destaque.

O Código Brasileiro de Telecomunicações, Lei Federal n. 4.117, de 27 de agosto de 1962, em seu art. 84, § 1º ao 3o649, parcialmente revogado pelo Decreto-lei n. 236, de 28 de fevereiro de 1967, previa tarifação do dano moral estipulando como limites máximo e mínimo, respectivamente, as quantias correspondentes a cinco e cem vezes o maior salário mínimo vigente no país. Admitia-se, ademais, a duplicação do valor da indenização quando o ofensor fosse reincidente em ilícito contra a honra. O Código Brasileiro de Telecomunicações sofreu revogação pela Lei Federal n. 9.472, de 16 de junho de 1997650, remanescendo apenas a disciplina penal não tratada na lei nova, bem como os preceitos relativos à radiodifusão.

O Código Eleitoral, Lei Federal n. 4.737, de 15 de julho de 1965, em seu art. 243, § 2o651, dispositivo introduzido pela Lei Federal n. 4.961, de 4 de maio de 1966, ao regular a propaganda partidária, determinava que, nos casos de

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calúnia, injúria ou difamação, o ofendido pudesse buscar a reparação civil do dano moral, nos moldes disciplinados pelos arts. 81 a 88 do Código Brasileiro de Telecomunicações652. Nesse contexto, inoperante a tarifação do dano moral no pleito eleitoral, já que, conforme alinhado acima, os aludidos dispositivos foram revogados pelo Decreto-lei n. 236, de 28 de fevereiro de 1967.

O Código Brasileiro de Aeronáutica, Lei Federal n. 7.565, de 19 de dezembro de 1986, ao disciplinar a responsabilidade civil do transportador aéreo, ixava no art. 257653 o valor máximo da indenização devida por dano extrapatrimonial. Dessa forma, em razão de morte ou lesão de consumidor ou tripulante motivada por acidente verificado na execução do serviço, seja a bordo de aeronave ou no curso das operações de embarque e desembarque, o valor máximo da indenização previsto para a reparação do dano deveria corresponder a três mil e quinhentas Obrigações do Tesouro Nacional (OTN), enquanto, no caso de atraso do transporte aéreo, o valor máximo estipulado foi ixado em cento e cinquenta Obrigações do Tesouro Nacional (OTN). O Supremo Tribunal Federal afastou a tarifação do dano moral, consoante voto do Ministro Marco Aurélio Mello, relator por ocasião do julgamento do RE n. 172.720. Conira-se:

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INDENIZAÇÃO – DANO MORAL — EXTRAVIO DE MALA EM VIAGEM AÉREA — CONVENÇÃO DE VARSÓVIA — OBSERVAÇÃO MITIGADA — CONSTITUIÇÃO FEDERAL — SUPREMACIA. O fato de a Convenção de Varsóvia revelar, como regra, a indenização tarifada por danos materiais não exclui a relativa aos danos morais. Conigurados esses pelo sentimento de desconforto, de constrangimento, aborrecimento e humilhação decorrentes do extravio de mala, cumpre observar a Carta Política da República – incisos V e X do art. 5º, no que se sobrepõe a tratados e convenções ratificados pelo Brasil654.

A Lei de Imprensa, Lei Federal n. 5.250, de 9 de fevereiro de 1967, no art. 49, dispunha sobre a responsabilidade civil, tanto moral quanto material, daquele que, no exercício da liberdade de manifestação de pensamento e de informação, mediante dolo ou culpa, viole direito ou cause prejuízo a outrem. A referida legislação indicava casuisticamente os suportes fáticos considerados como dano moral indenizável. Em seu art. 51 impunha limites ao valor de toda espécie de dano, inclusive o dano moral (ou extrapatrimonial), enquanto no art. 52 estabelecia que a responsabilidade civil da empresa exploradora do meio de informação ou divulgação estaria limitada a dez vezes o valor máximo estabelecido no art. 51 da Lei.

Conforme já diversas vezes referido, a responsabilidade tarifada tal qual prevista na Lei de Imprensa não foi recepcionada pela CF/1988, uma vez que o valor de indenização por danos morais não se sujeita aos limites ali previstos. Além do STF, o Superior Tribunal de Justiça no REsp n. 513.057-SP também se pronunciou; conira-se:

RESPONSABILIDADE CIVIL. LEI DE IMPRENSA. NOTÍCIA JORNALÍSTICA. REVISTA VEJA. ABUSO DO DIREITO DE NARRAR. ASSERTIVA CONSTANTE DO ARESTO RECORRIDO. IMPOSSIBILIDADE DE REEXAME NESTA INSTÂNCIA. MATÉRIA PROBATÓRIA. ENUNCIADO
N. 7 DA SÚMULA/STJ. DANO MORAL. RESPONSABILIDADE TARIFADA. INAPLICABILIDADE. NAO-RECEPÇAO PELA CONSTITUIÇÃO DE 1988. PRECEDENTES. QUANTUM. EXAGERO. REDUÇAO. RECURSO PROVIDO PARCIALMENTE.

I – Tendo constado do aresto que o jornal que publicou a matéria ofensiva à honra da vítima abusou do direito de narrar os fatos, não há como reexaminar a hipótese nesta instância, por envolver análise das provas, vedada nos termos do enunciado
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