Crítica ao chamado corte metodológico e a necessidade de uma ciência prática no direito tributário

AutorArthur Maria Ferreira Neto
CargoProfessor e Coordenador do Curso de Especialização em Direito Tributário da PUCRS-IET e Coordenador do Departamento de Propedêutica, Direito Público e Social da PUCRS (Porto Alegre, RS, Brasil). Doutor em Direito (UFRGS). Doutor em Filosofia (PUCRS). Mestre em Direito (UFRGS). Mestre em Filosofia (PUCRS). Advogado. aferreiraneto@yahoo.com.br.
Páginas57-120
Rev. Direito Econ. Socioambiental, Curitiba, v. 8, n. 1, p. 57-120, jan./abr. 2017
ISSN 2179-8214
Licenciado sob uma Licença Creative Commons
Revista de
Direito Econômico e
Socioambiental
doi: 10.7213/rev.dir.econ.soc.v8i1.9690
Crítica ao chamado corte metodológico e a
necessidade de uma ciência prática no direito
tributário
Criticism to the methodological cutting and the need for a
practical science in tax law
Arthur M. Ferreira Neto*
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (Brasil)
aferreiraneto@yahoo.com.br
Recebido: 20/03/2017 Aprovado: 13/04/2017
Received: 03/20/2017 Approved: 04/13/2017
Resumo
Pretende-se neste estudo analisar a concepção de ciência tributária prevalecente no direito
brasileiro, de modo a analisar, criticamente, os seus pressupostos teóricos, buscando, com
isso, demonstrar a insuficiência do modelo teórico fo rmalista e normativista dominante,
principalmente em razão do seu reducionismo explicativo. Como alternativa, propõe-se a
* Professor e Coordenador do Curso de Especialização em Direito Tributário da PUCRS-IET e
Coordenador do Departamento de Propedêutica, Direito Público e Social da PUCRS (Porto
Alegre RS, Brasil). Doutor em Direito (UFRGS). Doutor em Filosofia (PUCRS). Mestre em
Direito (UFRGS). Mestre em Filosofia (PUCRS). Advogado. aferreiraneto@yahoo.com.br.
Como citar este artigo/How to cite this article: FERREIRA NETO, Arthur M. Crítica ao
chamado corte metodológico e a necessidade de uma ciência prática no Direito
tributário. Revista de Direito Econômico e Socioambiental, Curitiba, v. 8, n. 1, p. 57-
120, jan./abr. 2017. doi: 10.7213/rev.dir.econ.soc.v8i1.9690
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FERREIRA NETO, A. M.
Rev. Direito Econ. Socioambiental, Curitiba, v. 8, n. 1, p. 57-120, jan./abr. 2017
adoção de concepção mais abrangente e complexa de ciência jurídica pautada na
concepção de ciência prática (scientia practica) desenvolvida pela tradição filosófica
aristotélico-tomista a q ual teria pretensões de, não apenas descrever o direito positivo,
mas também de explicar, esclarecer e tornar mais inteligível as diferentes dimensões do
fenômeno tributário, não apenas no que se refere ao momento da positivação das normas
jurídicas, mas também no que se refere aos momentos anteriores e posteriores a esse
processo, ou seja, que também se dedique a analisar os motivos, causas, efeitos,
consequências e fins das normas de tributação
Palavras-chave: Ciência do Direito Tributário; formalismo-normativista; corte metodológico;
ciência jurídica; tributação.
Abstract
This paper intends to define the conception of legal science applicable to Brazilian Tax Law in
order to, critically, analyze its theoretical assumptions, seeking to demonstrate the
inadequacy of these theoretical models, marked by formalism and normativism, especially
because of their explanatory reductionism. As an alternative, it will be p roposed a more
comprehensive and complex notion of legal science, based on the conception of practical
science (scientia practica) based on the philosophical tradition of Aristotle and Aquinas
which would h ave claims, not only describe the positive law , but also to explain, clarify and
make more intelligible the different dimensions of the taxation phenomenon, not only
regarding the procedure that creates legal norms, but also that pays attention to the
moments that come before and after this process, namely, that also focuses on analyzing the
motives, causes, effects, consequences and ends of taxation.
Keywords: science of tax law; formalism and normativism; methodological section; legal
science; taxation.
1. Introdução
Nas últimas décadas, prevaleceu no direito brasileiro escola
doutrinária que pressupõe que o objeto científico do Direito Tributário
representa algo que poderia ser metricamente delimitado por decisão
unilateral do teórico do direito, sendo que a este estaria, livremente,
disponível a matéria que seria pertinente (ou não) à ciência tributária.
Assumindo tal postura, entendem os defensores dessa linha de
pensamento que, uma fez promovido o seccionamento no material que é
relevante ao seu escopo de análise, estariam afastadas, automaticamente,
do campo de interesse do jurista todas as demais questões que não se
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enquadram na moldura epistemológica que foi por eles próprios
desenhada. A partir desse momento, passa a ser qualificado como
acientífico todo tipo de argumento que trilha raciocínio não compatível
com o material selecionado por aquela classe de teóricos. A essa estratégia
teórica atribuem esses autores o nome corte metodológico (CARVALHO,
2012, p. 33-34), secção epistemológica (SANTI, 2001, p. 26), seccionamento
conceitual (BORGES, 1999, p. 102), entre outros.
Uma vez posto nesses termos o suposto cenário em que se
desenvolve a ciência do direito tributário, restaria, supostamente, aos
teóricos do direito a tarefa de decompor, analisar e descrever com a
melhor precisão possível (ou, pragmaticamente, reconstituir, como
afirmam alguns, mais recentemente), os elementos empíricos e normativos
que estariam localizados dentro do quadrante científico por eles delineado.
No entanto, não obstante a controlabilidade científica e a aparente
segurança que tal escolha metodológica visa a proporcionar, não se pode
negar que tal postura contém traços nada científicos, os quais acabam
impedindo ou gravemente obstaculizando o próprio esforço dialógico que
se mostra indispensável para a evolução de uma determinada ciência,
principalmente em se tratando de uma ciência prática como é o direito
1
.
Isso porque a aceitação pacífica ou a imposição unilateral de que cabe ao
teórico, livremente, escolher quais elementos da realidade devem ser
dignos de sua análise científica acabam introduzindo, no respectivo campo
de debate, elementos arbitrários, i diossincrasias próprias do teórico que
sustenta tal visão, reducionismos explicativos, bem como lacunas
inescusáveis no âmbito de análise dessa área de conhecimento.
A escolha teórica promovida por meio do chamado corte
metodológico não apenas mascara tais defeitos cognoscitivos, como
impede o livre trânsito de i deias, na medida em que aqueles juristas que
1
Em perspectiva aristotélico-tomista, tanto o direito, quanto à moral são partes integrantes
da filosofia prática. Para ARISTÓTELES, o direito é fenômeno que é tratado tanto pela Ética,
quanto pela Política, já que faz parte da . Já para AQUINO,
o fenômeno jurídico é analisado na parte da sua Summa Theologiae que se dedica ao estudo
da auto-determinação dos seres humanos, mais especificamente nas questões q ue se
dedicam a analisar os variados sentidos da lei, como padrão que mede, regula e coordena a
ação humana (Suma Teológica, Questão 90 -7 da Parte I-II), bem como em questões que
tratam de direitos, adjudicação e justiça (Suma Teológica, Questões 57 -71 da Parte II-II). Nas
próximas citações, utilizaremos ST, q., a. para as referências a Summa Theologiae, suas
questões e seus artigos.

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