Critica das dimensoes modernas: a historicidade dos direitos humanos desde o giro descolonial nuestroamericano/Criticism of modern dimensions: the historicity of human rights since the our nuestroamericano decolonial turn.

AutorLoch, Andriw de Souza

Introducao

O presente trabalho dedica-se a refletir sobre a questao da historicidade moderna dos Direitos Humanos, que possui uma versao com intuito de homogeneizar o conhecimento sobre o tema, em especial com a sua perspectiva dimensional. A partir dessa compreensao, tornou-se importante explorar o fenomeno da historicidade dos Direitos Humanos e analisar as suas manifestacoes no periodo compreendido como modernidade, em especial considerando a questao da colonialidade nas suas diversas facetas socio-historicas e contemporaneas.

A tematica dos Direitos Humanos atravessa a historicidade no formato das denominadas dimensoes, em que e costumeiro encontrar nas doutrinas a classificacao em no minimo tres momentos (1), todos relacionados com os acontecimentos historicos da modernidade. Logo, na compreensao moderna sobre os Direitos Humanos, sao recortadas apenas as experiencias Euro-USA-centricas (2), invisibilizando as praticas dos povos na realidade de luta anticolonial. Ou seja, as perspectivas das lutas anticoloniais, na melhor das hipoteses, sao classificadas como meros antecedentes dos Direitos Humanos e por conta disso acabam sendo encobertas e nao consideradas na historicidade moderna do tema.

Frente a esta problematica, o pensamento critico descolonial (WALSH, 2005b) (3) oportuniza um redimensionamento nessa narrativa hegemonica dos Direitos Humanos, transcendendo o recorte moderno e ampliando as possibilidades reflexivas para alem do tradicional. Tal perspectiva recupera outras experiencias relacionadas a realidade dos povos que outrora colonizados (ROSILLO, 2011, p. 17) (4) e que ainda suportam os resquicios e as transmutacoes da diferenca colonial (5). Por estes motivos a proposta e entendida como problematizadora do vies socio-historico dos Direitos Humanos.

Inicialmente o texto busca explorar as contribuicoes do marco de analise denominado giro descolonial, verificando as suas potencialidades como pensamento critico para a reflexao da historicidade moderna, em especial considerando a realidade Nuestramericana (MARTI, 2005).

No segundo momento, trata-se de analisar o discurso da historicidade juridica moderna (dominante) (ANDRADE, 1993) (6), considerando as estruturas das dimensoes e as manifestacoes da colonialidade. Em especial, sera explorada a questao da contribuicao descolonial e o vies dimensional de Direitos Humanos como narrativa hegemonica de uma evolucao historica unilinear. Por fim, no terceiro item, sera demonstrado de que forma o giro descolonial, desde a realidade periferica latinoamericana, oportuniza um redimensionamento e reposicionamento da historicidade moderna dos Direitos Humanos.

Para que se possa chegar as conclusoes preliminares e, tambem, para que se tenha uma compreensao embasada da abordagem sobre a historicidade dos direitos humanos, este trabalho utilizou o metodo dedutivo, baseado em pesquisas bibliograficas.

Finalmente, cabe antecipar que nao se trata de negar a historicidade moderna dos Direitos Humanos, mas sim de demonstrar a sua incompletude e o papel encobridor que desempenha quando nao refletido e problematizado desde a diferenca colonial.

1 O giro descolonial e sua potencialidade critica para a reflexao da historicidade moderna dos Direitos Humanos

A hipotese central do estudo e a de que a historicidade ocidental encobre as experiencias de lutas anticoloniais por Direitos Humanos e, em especial, difunde uma concepcao historica parcial elevando-a ao nivel universal. Logo, faz-se necessaria uma historicidade critica como elemento para a recuperacao das experiencias desde as outras realidades concretas (7); um pensamento que possa refletir criticamente o fenomeno dos Direitos Humanos, expandido a sua concepcao para alem do recorte moderno das doutrinas tradicionais.

Nesse sentido, a descolonialidade ocupa lugar central nos objetivos do presente estudo, pois este pensamento possibilita narrar a modernidade desde a sua outra cara (a colonialidade) evidenciando que a racionalidade moderna tem seu inicio antes dos movimentos revolucionarios burgueses europeu e estadunidenses.

Assim sendo, nessa etapa sera estudado o pensamento descolonial, valendo-se das categorias que Catherine Walsh (2018) denomina de Insurgencia Descolonial. Tratase, mais do que um giro epistemico, mas de uma guinada de posturas, processos, transgressoes e mobilizacoes provocativas. E um meio de construir a descolonialidade a partir de uma perspectiva significativa e insurgente, ou seja, mudancas que sao ao mesmo tempo politicas, epistemicas e desde as visoes, pensamentos e subjetividades que venham da margem. Mais do que ressignificacoes ou restauracoes, a insurgencia e construcao e criacao.

Seguindo essa perspectiva critica e insurgente, uma das analises eficientes na proposta da critica a modernidade e a concepcao de Immanuel Wallerstein (2005) sobre o sistema-mundo (WALLERSTEIN, 2005, pp. 64-86), uma leitura que localiza o nascimento da modernidade a partir da abertura do oceano Atlantico (8) como rota para o transito economico em nivel mundializado, dando o sustentaculo para a emergencia do capitalismo mundial.

Na mesma linha de entendimento, so que com enfoque filosofico, Enrique Dussel (1993) compreende que a modernidade tem como data de nascimento 1492, com um periodo de gestacao no processo de expulsao dos Mouros do sul da peninsula Iberica a partir do fortalecimento dos reinos catolicos com o matrimonio dos respectivos reis Fernando de Aragao e Isabel de Castela, os quais tinham em comum o interesse na expulsao dos "infieis" arabes da peninsula. Essa forma historicizada dusseliana considera a Espanha como o primeiro Estado-nacao moderno, criando um poder militar nacional ao conquistar Granada e com a edicao da Gramatica castelhana em Nebrija no mesmo ano de 1492 com a dominacao da igreja pelo Estado, abrindo a primeira etapa moderna.

Walter Mignolo (2005) fortalece as teses socioeconomica e historico-filosofica ao destacar o impacto que a emergencia comercial pelo Atlantico no seculo XVI teve na formacao da modernidade colonial, uma vez que a partir deste periodo iniciou a concepcao de conhecimento baseado na hermeneutica unilateral do dominador (9). Assim, mesmo que houvesse outras manifestacoes, como foi o caso das diversas rebelioes amerindias, estas foram ocultadas pelo processo de formacao do conhecimento moderno.

Para Mignolo:

O imaginario do mundo moderno/colonial surgiu da complexa articulacao de forcas, de vozes escutadas ou apagadas, de memorias compactas ou fraturadas, de historias contadas de um so lado, que suprimiram outras memorias, e de historias que se contaram e se contam levando-se em conta a duplicidade de consciencia que a consciencia colonial gera. No seculo XVI, Sepulveda e Las Casas contribuiram, de maneira distinta e em distintas posicoes politicas, para construir a diferenca colonial. Guaman Poma ou Ixtlixochitl pensaram e escreveram da diferenca colonial em que foram colocados pela colonialidade do poder (MIGNOLO, 2005, p. 36). De imediato percebe-se que a modernidade nao representa apenas um periodo de progressos. Tal perspectiva da-se justamente pela sua logica homogeneizadora com a negacao da face do outro, criando uma historia univoca. Isso leva a considerar o colonialismo nao como um mero acaso, mas em realidade um projeto de dominacao, exclusao e ocultacao dos outros sujeitos na mesma forma que a hermeneutica de um Hernan Cortez (10).

Trata-se do que Dussel (2005) afirma ao compreender a modernidade como a logica que coloca a Europa no "centro" da Historia Mundial, constituindo todas as demais realidades como periferia. E o que se percebe como um etnocentrismo diferente de todos os outros, pois transforma a sua realidade local em universal. Nas palavras do autor, "o 'eurocentrismo' da Modernidade e exatamente a confusao entre a universalidade abstrata com a mundialidade concreta hegemonizada pela Europa como 'centro'".

Esta visao eurocentrica tornou-se hegemonica e operou reposicionando o "centro do mundo" e, por consequencia, catalogando as experiencias validas e quais eram as formas corretas de interpretar os acontecimentos historicos, inviabilizando os efeitos da dominacao intelectual que se iam produzindo nesse processo, ao mesmo tempo em que potencializava sua concepcao de mundo.

Sendo assim, o projeto de construcao da modernidade foi uma violencia operada de forma direta nos corpos e indireta na epistemologia, ou seja, nao aconteceu somente por meio de exploracao fisica. Explica Frantz Fanon (1968) que o dominio colonial--total e simplificador--rapidamente fez desarticular a existencia dos povos subjugados e das suas experiencias. A negacao das realidades alheias, os novos sistemas juridicos introduzidos pelo sistema dominante, a marginalizacao e a escravidao sistematica foram fundamentais para a possibilidade de negacao cultural dos outros sujeitos.

Ressalta-se que o interesse do colonizador nao era aniquilar a existencia dos oprimidos, mas conduzi-los a confessar a inferioridade das suas culturas para que fosse possivel o processo de dominacao, uma vez que a partir desta perspectiva o colonizado estaria colocado, tambem, em um processo de servidao mental (11).

Apos a etapa da conquista e da dominacao fisica dos corpos, iniciou-se o processo de colonizacao das sociedades nas quais habitavam, o que se conhece por America Latina, conformando uma ordem mundial que culminou em um poder global organizado e hegemonico. Este processo significou o controle das diversas fontes dos recursos mundiais sob as maos das elites europeias e classes dominantes dentro da organizacao do poder na forma dos Estados-nacoes.

Apesar de cada caso ter sido marcado por diferentes caracteristicas, e possivel afirmar que os dominados (da Africa e da America) foram as principais vitimas dos europeus no processo da invasao e da exploracao social, politica, economica e cultural (vitimas das duas primeiras hecatombes (DUSSEL, 1993) de violacao dos direitos humanos), a...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT