Cruzadas do gênero e gramática neoconservadora: cenários pós-eleições presidenciais de 2018

AutorLídia dos Santos Ferreira de Freitas/Eliane Gonçalves
CargoMestra em Sociologia e doutoranda em Antropologia Social pela Universidade Federal de Goiás, Brasil/Doutora em Ciências Sociais pela Universidade de Campinas, professora de Sociologia da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Federal de Goiás, Brasil
Páginas182-205
182 GÊNERO | Niterói | v. 21 | n. 2 | p. 182-205 | 1. sem 2021
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CRUZADAS DO GÊNERO E GRAM ÁTICA NEOCONSERVADORA:
CENÁRIOS PÓSELEIÇÕES PRESIDENCIAIS DE 2018
Lídia dos Santos Ferreira de Freitas1
Eliane Gonçalves2
Resumo: Este artigo é recorte de uma pesquisa mais ampla que analisou
repertórios de gênero nas eleições presidenciais brasileiras de 2018, a partir
dos textos-proposta disponibilizados no site do Tribunal Superior Eleitoral
(TSE). Focamos aqui na agenda ultraconservadora de gênero, sua política
paranoide e seu discurso excessivo. Concluímos que a disputa em torno dos
sentidos de gênero se tornou central no Brasil nos últimos anos, sobretudo no
último pleito, e tal centralidade, ainda que movida por um revés antifeminista,
acaba por carregar também o potencial de desestabilizar e incluir no debate
público noções antes naturalizadas, como as de feminino e masculino.
Palavras-chave: Gênero; Eleições; Repertórios discursivos; Conservadorismo
político.
Abstract: Our article is part of a bigger study that analyzed gender repertoires
in the 2018 presidential elections in Brazil, using the texts/proposals available
at the website of the Superior Electoral Court (TSE). We focus on the
ultraconservative agenda, its paranoid politics and excessive discourse.
We concluded that the dispute around the meanings of gender has become
central in Brazil, especially in the last elections, and this centrality, although
based on an anti-feminist bias, ends up showing a potential to destabilize the
public debate and include concepts until then naturalized, such as the concept
of feminine and masculine.
Keywords: Gender; Elections; Discursive repertoires; Political conservatism.
1 Mestra em Sociologia e doutoranda em Antropologia Social pela Universidade Federal de Goiás, Brasil.
E-mail: lidiaspes@gmail.com. Orcid: 0000-0003-0480-6725
2 Doutora em Ciências Sociais pela Universidade de Campinas, professora de Sociologia da Faculdade de Ciências
Sociais da Universidade Federal de Goiás, Brasil. E-mail: elianego@ufg.br Orcid: 00000002-7915-0591
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Introdução e aporte teórico
“O discurso não é simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os
sistemas de dominação, mas aquilo porque, pelo que se luta,
o poder do qual nos queremos apoderar”
Michel Foucault, A ordem do discurso
O acirramento do debate de gênero no Brasil tem se intensifi-
cado bastante desde o processo de impedimento da então presidenta
Dilma Rousse, em 2016, cujo afastamento se deu em uma conjuntura
discursiva profundamente sexista. Partindo do amplo potencial da cate-
goria analítica gênero e tendo ciência de como a concepção de gênero
afetou os processos políticos no Brasil contemporâneo, a pesquisa da qual
este artigo é um recorte teve como objetivo analisar os repertórios dis-
cursivos de gênero que se apresentaram nas propostas de governo dos
13 candidatos à presidência do Brasil nas eleições de 20183. Para este
artigo, selecionamos o bloco considerado mais conservador entre as treze
propostas oficialmente registradas, formado pelos textos das candidatu-
ras Jair Bolsonaro (PSL), Cabo Daciolo (Patriota) e José Eymael (DC).
Tendo em conta as peculiaridades textuais das plataformas políticas e de
seus candidatos, podemos concluir que, juntas, essas candidaturas repre-
sentam a face que mais ameaça as conquistas ainda recentes no âmbito da
igualdade de gênero, em sua interface com raça, classe e sexualidade.
Enquanto o texto é individual, o discurso é social, integra uma “forma-
ção discursiva”, ou seja, “um conjunto de temas e de figuras que materializa
uma dada visão de mundo” (FIORIN, 2012, p.32). Cada campo político de
ideias agrega em torno de si uma semântica discursiva própria, que constrói
sentidos particulares a partir de um determinado repertório. Para Spink
(2010), repertórios se relacionam a sentidos, sendo que “ao trabalhar com
3 A pesquisa mais ampla – pesquisa qualitativa de base documental e bibliográfica – foi realizada a partir dos
textos originais dos planos de governo de cada candidato, cadastrados no site do Tribunal Superior Eleitoral
do Brasil, na ocasião de registro oficial de cada candidatura. A partir de leituras transversais e comparadas das
propostas de governo, os repertórios foram agrupados e sobre eles foi construída a análise. Foram identificados
e classificados três grandes grupos de repertórios de gênero. O artigo aqui apresentado traz a discussão sobre
um dos três grupos.

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