A culpa concorrente do consumidor pela negligência ao chamado no recall de automóveis

AutorWatson Andrade de Melo Lira - Fabrício Germano Alves
CargoAcadêmico do curso de Direito na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, UFRN - Professor de Direito das Relações de Consumo na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, UFRN
Páginas97-112
A CULPA CONCORRENTE DO CONSUMIDOR PELA NEGLIGÊNCIA AO CHAMADO NO
RECALL DE AUTOMÓVEIS
CONSUMER’S GUILT COMPETITOR BY NEGLECT TO CALL IN VEHICLE RECALL
Watson Andrade de Melo Lira
1
Fabrício Germano Alves
2
Sumário: Considerações iniciais. 1 A proteção jurídica do consumidor no Brasil. 1.1
Evolução história. 1.2 Princípios gerais da proteção consumerista no Código de Defesa do
Consumidor (CDC). 2 O Direito do consumidor à informação. 3 Responsabilidade do fornecedor
pelo fato (dano) do produto. 4 O Recall. 4.1 Finalidade, sanções penais e administrativas. 4.2
Regulamentação específica do recall. 5 Configuração da culpa concorrente do consumidor pelo
não atendimento do recall. 6 Projetos d e Lei nº 6.624/2009 e nº 500/2011. Considerações finais.
Referências.
Resumo: O presente trabalho analisa a evolução histórica do Direito das Relações de
Consumo desde a Revolução Industrial e o liberalismo contratual com o pacta sunt servanda
chegando aos dias atuais de reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor na relação
consumerista. Ressalta a importância da proteção estatal em p rol do consumidor, como parte
vulnerável na sociedade de consumo, com intuito de diminuir a assimetria existente entre este e o
fornecedor. Reafirma o caráter constitucional da p roteção do consumidor no Brasil, pautada na
dignidade da pessoa humana. Analisa o direito do consumidor à informação clara, eficaz e
adequada, bem como as sansões aplicáveis em razão de seu descumprimento. Expõe a
responsabilidade do fornecedor pelo fato (dano) do produto. Aborda o instituto do recall
detalhadamente, estudando significado, finalidade, sanções e regulamentações específicas.
Conclui pela configuração da culpa concorrente do consumidor pela negligência ao recall do seu
veículo. Avalia os Projetos de Lei nº 6.624/2009 e nº 500/2011, que versam sobre a obrigatoriedade
do recall estar expresso no Código de Defesa do Consumidor.
Palavras-chave: Direito do Consumidor. Fato do produto. Recall. Negligência. Culpa
concorrente.
Abstract: This work analyzes the historical evolution of the Consumer’s Law since the
Industrial Revolution and the contractual liberalism with the pacta sunt servanda until nowadays
when there is the recognition of consumer’s vulnerability in a consumption relationship.
Emphasizes the importance of State protection in support of the consumer, as a vulnerable part in
the consumption society, in order to reduce the asymmetry between the consumer and the supplier.
Reaffirms the constitutional character of consumer’s protection in Brazil, guided by the human
person dignity. Analyzes t he consumer’s law of clear, effective and appropriate information, as
well as penalties for disrespecting this right. Expose the supplier's liability for the damage caused
by the product. Describes the recall institute in detail, studying its meaning, purpose, penalties and
specific regulations. It concludes for the comparative fault configuration caused by consumer’s
negligence in relation his vehicle recall. Evaluates the Law projects nº 6.624/2009 and nº
500/2011, which discuss the mandatory presence of recall expressed in the Consumer’s Protection
Code.
Keywords: Consumer’s Law. Product fact. Recall. Negligence. Competitor fault.
Considerações iniciais
O mercado de consumo so freu um incremento surpreendente de produtos e técnicas de produção
a partir do período histórico conhecido como Revolução Industrial. A utilização de técnicas de produção
em série trouxe uma agilidade e fluidez na cadeia produtiva que proporcionou um aumento na capacidad e
de produção e consequentemente nos lucros. Junto a tudo isso, muitas dessas técnicas passaram a oferecer
riscos à saúde e à integridade física dos consumidores.
Não raras vezes es ses riscos passam a concretizar aci dentes de consumo, decorrentes até mesmo
do uso normal dos produtos. Dado o reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor frente ao
fornecedor, todo o ordenamento jurídico das relações d e consumo deve ser interpretado de modo a
proporcionar maior proteção ao consumidor, como forma de concretizar o princípio constitucional de defesa
1
Acadêmico do curso de Direito na Universidade Federal do Rio Grande do Norte UFRN. E-mail: watson.lira@gmail.com
2
Professor de Direito das Relações de Consumo na Universidade Federal do Rio Grande do Norte UFRN. Mestre em Direito pela
UFRN. Membro do Grupo de Pesquisa Direitos dos Recursos Naturais e da Energia. Autor do Livro Proteção Constitucional do
Consumidor no âmbito da Regulação Publicitária. E-mail: fabriciogermano@hotmail.co.uk
do co nsumidor (art . 5º, inc. XXXII, Constituição da República Federativa do Brasil de 1988), além do
princípio da dignidade da pessoa humana.
É regra que, na ocorrência de evento danoso, proveniente de vícios ou defeitos do produto ou
serviço, deve o fornecedor ser responsabilizado por todos os prejuízos causados ao consumidor (artigos 18
e 20, Código de Defesa do Consumidor). Por isso, para uma análise da responsabilidade civil do fornecedor
no CDC mostra-se imprescindível um estudo dos princípio s e direitos fundamentais do consumidor, como
forma de salvaguardar a parte mais frágil da relação consumerista. Dentre eles destaca-se o direito à
informação, que é ponto de partida para muitos outros direitos do consumidor, tais como o direito à proteção
de sua vida, saúde e segurança em face da necessidade de ser cientificado de todas as carac terísticas e
nocividades dos produtos ou serviços que esteja adquirindo.
Como forma de garantir a segurança e a saúde do consumidor, existe a prática industrial chamada
recall, que vem ganhando notoriedade social, porém deixando muito a desejar no que tange à sua
efetivação. Trata-se de uma prática que constitui um meio simples de prevenção de danos potenciais ao
próprio consumidor, em razão disso se mostra absolutamente importante estudar co mo ela pode se inserir
no microssistema consumerista, seja no próprio Código de Defesa do Consumidor ou em outras disposições
normativas que tratem deste instituto.
Nesse contexto das campanhas recall, a partir da análise da legislação e pesquisa bibliográfica,
será discutida a possibilidade de responsabilizar também o consumidor sobre os prejuízos do acidente de
consumo, em caso de negligência ao chamado do retorno como uma forma preventiva aos acidentes de
consumo.
1 A proteção jurídica do consumidor no Brasil
A proteção do consumidor assume hoje um patamar constitucional de direito fundamental, pautada
na dignidade da pessoa humana. Todavia, o consumidor nem sempre gozou desta proteção. Por isso, faz-se
necessário um breve escorço histórico acerca da proteção consumerista desde os primórdios até chegar ao
ponto em que hoje se encontra o Direito brasileiro.
1.1 Evolução histórica
Antigamente, a autonomia da vontade e a liberdade de contratar se sobrep unham à própria lei no
acordo de um contrato, vigorando o princípio do pacta sunt servanda, onde o que fora pactuado em contrato
deveria ser seguido em sua plenitude, sem a liberalidade para questionar cláusulas abusivas ou não. Nesse
contexto, a lei adotava um patamar secundário, nem mesmo podendo prever os efeitos do contrato no
mundo jurídico-fático.
Com o advento da Revolução Industrial, atin giu-se o estágio da estandardização dos contratos.
Com i sso, os fornecedores, utilizando-se da tecnologia em crescimento, desenvolveram a produção em
série, atingindo, co nsequentemente, a distribuição e comercialização em massa. Esse fator permitiu a
redução dos custos produtivos e favoreceu a utilização de métodos de contratação mais evoluídos, em
destaque para o chamado Contrato de Adesão .
3
Assim, os contratos paritários que antes eram a regra,
passaram a ser exceção e se tornaram um número mínimo dos contratos de consumo, notadamente
utilizados para relações entre particulares.
Neste ponto, as condições econômicas ou sociais dos contratantes no liberalismo eram irrelevantes
diante da consideração de igualdade abstrata das partes. Desta forma, relegava-se qualquer proteção
especial para a parte mais fraca da relação, ou seja, o consumidor.
4
Atualmente, o que se percebe é um r econhecimento do indivíduo como um ser dependente das
prestações estatais. Sendo assim, é necessário que o Estado preste assistência ao cidadão de modo a manter
3
Definição do Código de Defesa do Consumidor: Art. 54. Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela
autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir
ou modificar substancialmente seu conteúdo.
4
NASHIYAMA, Adolfo Mamoru. A proteção constitucional do consumidor. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 22.

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT