Cultura e criminalização: um estudo de caso sobre o funk na cidade de porto alegre / Culture and criminalization: a case study of funk in porto alegre

AutorAugusto Jobim do Amaral, Ana Luiza Teixeira Nazário
CargoProfessor do Programa de Pós-Graduação em Ciências Criminais (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Doutor em Altos Estudos Contemporâneos (Ciência Política, História Contemporânea e Estudos Internacionais Comparativos) pela Universidade de Coimbra (Portugal). Doutor em Ciências Criminais pela PUC...
Páginas50-77
Revista de Direito da Cidade vol. 09, nº 1. ISSN 2317-7721
DOI: 10.12957/rdc.2017.25590
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Revista de Direito da Cidade, vol. 09, nº 1. ISSN 2317-7721 pp. 50-77 50
CUL TU RA E CR IM IN AL IZ ÃO : UM ES TUDO DE CA SO SOB RE O FU NK NA CID AD E D E
POR TO A LEG RE
CU LT UR E AND C RI MI NALI ZA TI ON : A C ASE STU DY O F FU NK I N PO RT O AL EG RE
Aug us to J obim d o Am ar al 1
Ana L uiz a T eix ei ra N azá ri o 2
Resumo
O estudo visa a perquirir os processos de criminalização que recaem sobre as manifestações
culturais do funk, mormente no contexto da cidade de Porto Alegre/RS, desde a sua mais
expressiva representação que é o chamado Baile Funk da Tuka. Para tanto, debruça-se, numa
reflexão histórico-política acerca da memória da criminalidade atrelada à perseguição samba-funk
até a atual formação de um ethos ààààààà
Assim, pode-se chegar ao palco gaúcho, através de entrevistas semiestruturadas com os
frequentadores dos bailes, MC´s que conduzem os encontros, bem como com os policias militares
responsáveis pelo policiamento ostensivo na região. A crítica co nstruída é resultado da análise de
discurso destes atores sociais, focado no produto de diálogos de intervenção participante, os quais
dotam o trabalho de contornos únicos na perspectiva de surpreender o poder punitivo em sua
dinâmica contundente de desigualdade, sempre propenso a ativar o preconceito e a
estigmatização como produtos naturalizados de violência e exclusão sociais.
Palavras-chave: Poder Punitivo; Criminologia; Processo de Criminalização; Funk; Estigmatização.
Abstract
The study aims to discuss the criminalization processes of the cultural manifestations of brazilian
funk, especially in the context of the city of Porto Alegre / RS, from its more expressive
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about crime linked to a hunt of the samba-funk to current formation of refractory punitive ethos of
"proibidões" as cultural manifestation. Thus, one can reach the local stage, through semi-
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with the military police responsible for the ostensible policing in the region. The criticism built is
the result of discourse analysis of these social actors, focused on participant intervention dialogues,
which endows the work only outlines the perspective of getting the punitive power by suprise in its
forceful dynamics of inequality, often prone to turn prejudice and stigmatization as naturalized
products of violence and social exclusion.
Keywords: Punitive Power; Criminology; Process Criminalization; Funk; Stigmatization.
1 Professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências Criminais (mestrado/doutorado) da Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Doutor em Altos Estudos Contemporâneos (Ciência
Política, História Contemporânea e Estudos Internacionais Comparativos) pela Universidade de Coimbra
(Portugal). Doutor em Ciências Criminais pela PUCRS. Pesquisador-convidado do Ius Genitum Conimbrigae
(Centro de Direitos Humanos) da Universidade de Coimbra (Portugal). E-mail: guto_jobim@hotmail.com
2 Graduada em Direito e Especialista em Ciências Penais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande
do Sul (PUCRS). E-mail: teixeiranazario@gmail.com
Revista de Direito da Cidade vol. 09, nº 1. ISSN 2317-7721
DOI: 10.12957/rdc.2017.25590
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Revista de Direito da Cidade, vol. 09, nº 1. ISSN 2317-7721 pp. 50-77 51
Eu sou o samba
A voz do morro sou eu mesmo sim senhor
Quero mostrar ao mundo que tenho valor
Eu sou o rei do terreiro
Eu sou o samba
Sou natural daqui do Rio de Janeiro
Sou eu quem levo a alegria
Pra milhões de corações brasileiros
(CARTOLA, A Voz do Morro)
PRI ME IR OS T ONS
A reflexão sobre a questão criminal, sobretudo como genuína expressão cultural, jamais foi
desprezada pelo pensamento político-criminológico. Ao menos por aquele digno, responsável e
preocupado em ser convocado assim.3 Se as diversas configurações do poder punitivo podem ser
identificadas como a forma pela qual certos modos de existência foram perseguidos, suprimidos e
apagados da história, assim, precisamente, são e foram estes restos culturais que preenche (ra) m
e se amontoa (ra) m progressivamente sob o horizonte como uma torrente de aniquilação que
formam aquilo que eufemisticamente chama-se de sistema penal. Vulnerabilidades sociais
marginalizadas (marginais ao menos desde o pont o de vista da decisão acerca da exceção ditada
pelos soberanos do capital, m as centrais e extremamente funcionais para a sua própria
manutenção) desde processos de estigmatização (imagens projetadas dos medos, não raro
cristalizados em ódio) e especializadas ainda em direção à cri minalização (orientada ao pânico
social na busca desenfreada pela figura do inimigo) todos estes fluxos apenas são operadores
capazes de representar o radical ímpeto de guerra à diferença a partir da supressão daquilo que é
a força da sua estranheidade (unheimlichkeit): a pluralidade (radical e precária) que não cessa de
colocar em xeque o conjunto bem acabado das maquinarias identitárias (entendidas aqui com o
blocos unívocos de sentido, muito bem enc ontradas nas engrenagens do sistema penal sob seu
ààà àIàà ààentemente calados penalmente,
todavia que, aos interesses pontuais deste trabalho, ecoam suas memórias como pré-texto. Para
que não se perca o feixe entrelaçado aqui, desde já, deve-se dizer diretamente: expressões
culturais, nos seus precisos nuances, sempre puderam ser o combustível do inflamável movimento
do poder punitivo.
3 Em bom resumo, entre outros, cf. FERRELL; HAYWARD; MORRISON; PRESDEE, 2004.

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