Cumprimento da sentença relativa à obrigação por quantia certa

AutorHumberto theodoro júnior
Ocupação do Autordesembargador aposentado do tribunal de justiça de minas gerais. professor titular aposentado da faculdade de direito da ufmg. doutor em direito
Páginas871-918

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566. Noção de obrigação por quantia certa

Obrigação por quantia certa é aquela que se cumpre por meio de dação de uma soma de dinheiro. O débito pode provir de obrigação originariamente contraída em torno de dívida de dinheiro (v.g., um mútuo, uma compra e venda, em relação ao preço da coisa, uma locação, em relação ao aluguel, uma prestação de serviço, no tocante à remuneração convencionada, etc.); ou pode resultar da conversão de obrigação de outra natureza no equivalente econômico (indenização por descumprimento de obrigação de entrega de coisa, ou de prestação de fato, reparação de ato ilícito etc.).

567. Cumprimento de sentença que reconhece o dever de pagar quantia certa

O art. 513 do NCPC, em seu § 1º, fala em cumprimento da sentença que reconhece o dever de pagar quantia, para deixar claro que não são apenas aos débitos oriundos das obrigações civis que se aplicam as normas enunciadas nos seus diversos parágrafos. O cumprimento da sentença observará a mesma sistemática quando a condenação referir-se a qualquer dever de cumprir prestação em dinheiro, mesmo aquelas oriundas de imposição ou sanção legal, sejam de direito privado ou de direito público.

Todas as regras dos cinco parágrafos do art. 513 aplicam-se indistintamente ao cumprimento de sentença definitivo e provisório. Há, porém, em outros dispositivos o detalhamento das medidas que regulam, com maior especificidade, o procedimento

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de uma e outra dessas modalidades executivas (arts. 520-522 e 523-527, respectivamente).

O novo Código enuncia disposições gerais aplicáveis ao cumprimento de todas as sentenças, qualquer que seja a natureza da obrigação reconhecida no provimento judicial. Prestações derivadas de obrigações de fazer, não fazer, entregar coisa ou pagar quantia, todas são exequíveis segundo os preceitos dos arts. 513 a 519. Apenas as regras dos parágrafos do art. 513 é que são voltadas mais diretamente para o cumprimento do dever de pagar quantia certa.

E ainda há a menção expressa quanto à aplicabilidade subsidiária das normas traçadas no Livro II da Parte Especial, "no que couber", ao cumprimento das sentenças (art. 513, caput). Da mesma forma, o art. 771 deixa claro que "o procedimento da execução fundada em título extrajudicial" se aplica, "no que couber", "aos atos executivos realizados no procedimento de cumprimento da sentença, bem como aos efeitos de atos ou fatos processuais que a lei atribuir força executiva". Exemplo desse intercâmbio é o que se passa com as disposições relativas à penhora e à expropriação de bens (arts. 831 e segs.), situadas no Livro do Processo de Execução, que haverão de prevalecer no incidente de cumprimento da sentença de obrigação por quantia certa.

O juiz para satisfazê-la, após a condenação, terá de obter a transformação de bens do executado em dinheiro, para em seguida utilizá-lo no pagamento forçado da prestação inadimplida. Não se trata, obviamente, de conservar a ação de execução de sentença, mas apenas de utilizar os meios processuais executivos necessários para consumar o fim visado pelo cumprimento da sentença, em face do objeto específico da dívida. Há, pois, cumprimento de sentença que reconhece o dever de pagar quantia certa, mas não ação de execução por quantia certa, sempre que o título executivo for sentença.

O procedimento da execução por quantia certa consiste numa atividade jurisdicional expropriatória. A justiça se apropria de bens do patrimônio do devedor e os transforma em dinheiro, para afinal dar satisfação ao crédito do exequente. Eventualmente, os próprios bens expropriados podem ser utilizados na solução do crédito exequendo por meio de adjudicação. É nesse amplo sentido, que o art. 8241 afirma que "a execução por quantia certa realiza-se pela expropriação de bens do executado, ressalvadas as execuções especiais".

Se o credor dispõe de título executivo extrajudicial (art. 784),2não necessita de utilizar o processo de conhecimento. Ingressa em juízo, diante do inadimplemento, diretamente no processo de execução, por meio do exercício da ação executiva autônoma. À falta de tal título, terá de obter, em processo de conhecimento, a sentença condenatória, para em seguida atingir o patrimônio do devedor. Não terá, porém, de passar pelo ajuizamento de ação executiva separada para chegar aos atos

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expropriatórios. Por meio de requerimento do exequente, o devedor, após a sentença, será intimado para pagar o débito, no prazo de quinze dias, acrescido de custas, se houver. Não efetuado tempestivamente o pagamento, será expedido desde logo, mandado de penhora e avaliação, seguindo-se os atos de expropriação (art. 513, §§ 1º e 2º e art. 523).3Caberá ao credor requerer a medida, em simples petição formulada no processo em que a condenação foi proferida, a qual será instruída com o demonstrativo discriminado e atualizado do crédito (art. 524, caput), e, se for o caso, com o comprovante de que já ocorreu a condição ou o termo, se tais elementos foram previstos na sentença, ensejando-se o contraditório, acerca da documentação exibida (art. 7º).

Não se trata, é bom ressaltar, de uma petição inicial, mas de petição simples, que o art. 524 qualifica de mero "requerimento" sem maiores solenidades ou exigências de conteúdo, de modo que a ele não se aplicam os requisitos do art. 319.4Basta que o credor requeira singelamente o início do procedimento de cumprimento de sentença, com a intimação do executado. Exige-se, porém tal requerimento porquanto não tem o juiz poder de iniciativa em matéria de execução forçada. Só a parte pode promove-la. Não há execução judicial ex officio, seja o título judicial ou extrajudicial.

568. Multa legal e honorários de advogado

I - Cabimento

O montante da condenação será acrescido de multa de 10% (dez por cento), e honorários também de 10% (dez por cento), sempre que o executado não proceder ao pagamento voluntário nos quinze dias subsequentes à sua intimação (NCPC, art. 523, § 1º).5

II - Multa no cumprimento provisório da sentença

O NCPC, tomando posição acerca de discussão doutrinária travada a respeito do tema à época do Código anterior, previu, expressamente, o cabimento da aplicação da multa de dez por cento e dos honorários advocatícios também de dez por cento ao cumprimento provisório de sentença (art. 520, § 2º).6Assim, não tem mais aplicação a jurisprudência do STJ adotada no Código anterior.7

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Muito se discutiu, ao tempo do CPC/73, sobre o cabimento, ou não, da multa de 10% para o cumprimento de sentença relativa a obrigações de quantia certa, no caso de execução provisória, o que agora se acha expressamente autorizado pelo NCPC.

Da mesma forma, muita controvérsia também se estabeleceu sobre a possibilidade, ou não, de o exequente exigir nova verba advocatícia pela circunstância da instauração da execução provisória de sentença. A controvérsia, esclareça-se, não se relacionava com a condenação dos honorários impostos pela sentença, mas daqueles decorrentes da própria execução forçada. O NCPC tomou posição sobre a matéria, deixando claro que incide nova verba advocatícia na fase de cumprimento provisório da sentença (art. 520, § 3º).

Como a execução provisória, por expressa dicção legal, corre por iniciativa, conta e responsabilidade do exequente (NCPC, art. 520, I), sendo provido o recurso manejado contra a sentença exequenda, ficarão prejudicados a multa e os honorários impostos ao executado. A este, pois, incumbirá a reposição dos respectivos valores, se já levantados durante o cumprimento provisório. Esse reembolso faz parte da reparação dos prejuízos acarretados ao executado em razão da execução provisória, cujo cabimento é determinado pelo art. 520, II.

Contudo, insta admitir que a nova regra do Código de 2015 põe fim a enorme discussão doutrinária e pretoriana. A execução provisória, para ganhar efetividade, deve ter a mesma eficiência que a execução definitiva. Resguardam-se, porém, meios ao executado para pagar a dívida sem a incidência de multa e honorários de advogado, bem como para evitar que o exequente venha a exigi-los. Nesse sentido é a novidade introduzida no § 3º do art. 520, que dispõe que "se o executado comparecer tempestivamente e depositar o valor, com a finalidade de isentar-se da multa, o ato não será havido como incompatível com o recurso por ele interposto". Para resguardar-se da multa, como é óbvio, o executado terá de efetuar depósito que cubra todo o valor da execução (principal e acessórios) (art. 523, c/c arts. 831 e 835, § 2º).

Assim, a imposição efetiva da multa somente poderá ocorrer depois do julgamento do recurso, e desde que este seja improvido e o levantamento pelo exequente seja obstaculizado, no todo ou em parte, por manobras processuais do executado. Obviamente, se for facultado...

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