Da abstração para o plano operacional

AutorDaniel Almeida de Oliveira
Ocupação do AutorProfessor do Master Business in Petroleum (MBP) da COPPE/UFRJ e da Pós-Graduação em Direito e Negócios do Petróleo
Páginas221-333
CAPÍTULO 3
DA ABSTRAÇÃO PARA O
PLANO OPERACIONAL
3.1. Introdução
A conclusão até este ponto é a seguinte: grandes teóricos do direito do
passado e do presente1 defendem o formalismo jurídico como sendo a
regra no direito2 e, por se preocuparem com eventual aplicação absurda
(por exemplo, Bentham, Hart) ou também com uma aplicação desatu-
alizada, descompassada ou injusta (mas não necessariamente absurda
ou extremamente injusta) do direito, defendem, como exceção, uma
interpretação não formalista. Essa interpretação não formalista seria
aquela que utiliza fontes externas ao texto legal. Ela iria desde uma
interpretação sistêmica do documento legal no qual o texto analisado
1. O marco temporal referido cinge-se à época e aos autores citados neste trabalho.
2. Adrian Vermeule (2006, p. 186), para citar um formalista, arma que todos os méto-
dos de interpretação jurídica concordam que o texto claro e especíco é a melhor fonte
individual de informação interpretativa. Em sentido semelhante, Jonatan R. Siegel (2001,
p. 335), para citar um não formalista, conclui que os diversos métodos interpretativos
chegam à mesma solução na maioria dos casos. Ainda cabe ressaltar que os cânones da
interpretação jurídica sugerem que, qualquer que seja a técnica usada, o processo de in-
terpretação da lei inicia-se com uma leitura muito próxima do texto, possivelmente suple-
mentada pela ajuda interpretativa, tal qual a fornecida por eles (cânones da interpretação)
(SCHAUER, 2009, loc. 2083).
222 • Direito Regulatório e Teoria da Interpretação
está inserido3 até todos os textos legais do ordenamento jurídico; desde
uma interpretação histórica dos conceitos e termos presentes no texto
legal até uma investigação das causas da própria norma, em que se (re)
discutiriam os motivos que levaram à sua edição e, a partir daí, (re)
denir-se-ia o sentido dessa norma. Essa interpretação não formalista
incluiria, por m e mais ousadamente, o emprego de princípios morais
expressamente previstos pelo Direito, e até mesmo não previstos, para
não só conferir sentido a esse dispositivo legal cuja aplicação é duvi-
dosa, mas, também, para conformá-lo e até eliminá-lo. De todo modo,
observou-se que este último tipo de interpretação foi defendida por te-
óricos como Habermas, Garapon, Dworkin, Alexy, Häberle, Atienza,
na verdade, para lastrear uma prática amplamente discricionária,4 sem
balizamento no direito, que era comum aos tribunais. Eles procuraram
identicar como, por que e qual seria a base de sua ação “discricioná-
ria” e, consequentemente, qual deveria ser a ação exigida (juridicamen-
te) dos tribunais nestas hipóteses de “discricionariedade” – geralmente
ocorridas nos chamados casos difíceis (hard cases). Logo, a defesa dos
princípios como sendo jurídicos (norma jurídica) ocorre para trazer essa
prática (discricionária) para dentro do padrão do Direito – que é a apli-
cação de uma decisão prévia de um agente por outro, ainda que este
discorde da decisão, evitando normas ex post facto e ad hoc.
Por isso, identicar o positivismo jurídico com o formalismo é
equivocado, embora seja verdade que o positivismo, em geral, como
regra prestigia e defende o formalismo.5 O positivismo foi acusado pelo
3. Observe-se que esse tipo de interpretação sistemática distingue-se da necessária veri-
cação de possível existência de norma que efetivamente limite ou excepcione a aplicação
da que está sob análise. A referida no texto é aquela em que, por exemplo, são procurados
e colhidos termos semelhantes ou idênticos ao usado pela norma sob análise em outras
normas do mesmo documento legal ou em vários outros, a m de lhe dar o sentido.
4. A discricionariedade é uma característica imanente aos poderes políticos, haja vista
que possibilita a ação com base em opções e tendências políticas, pelo que se venha a
entender, no momento, como sendo oportuno e conveniente – a denição destes conceitos
ca por conta desses atores políticos.
5. Cf., por exemplo, Kelsen (2007, p. 262-263), já citado. Ele defendia o respeito, pelo
juiz, à norma posta. Entretanto, reconhecia que a autoridade conferida ao juiz viabiliza
ao mesmo a “perigosa” usurpação da função legislativa: diante de uma norma mais
abstrata, como, por exemplo, um princípio (como “liberdade”, “igualdade”, “justiça”),
o juiz poderia perigosamente discutir, conformar e mesmo superar uma norma posta,
ainda que isso fosse “não previsto pela Constituição e altamente inoportuno”. Kelsen
Da Abstração para o Plano Operacional • 223
pós-positivismo de desrespeitar o padrão do Direito nas hipóteses de
caso difícil, porque a norma jurídica não conteria uma decisão prévia a
respeito de como os tribunais devem decidir, além de, em alguns casos,
não reconhecer que o direito posto é superado por princípios morais
básicos que informam o ordenamento jurídico.6
Portanto, os autores mais festejados desenvolveram suas teorias
do direito e da interpretação jurídica com base na ideia do respeito à
decisão política prévia do Parlamento e do Executivo, externada por
meio de texto, pelo aplicador do direito. Preocuparam-se, no entanto,
com os casos de hiperinclusão e hipoinclusão do texto normativo, que
poderiam gerar situação de aplicação absurda, injusta, descompassa-
da e/ou desatualizada do Direito. A partir dessa constatação, passam
a prever técnicas de superação dessa falha de caráter formalista e não
formalista, mas sempre pretensamente racionais. Entretanto, quando
olhamos o plano operacional, identicamos um problema dessas teo-
rias ou, melhor, no uso dessas teorias: “como identicar a exceção?” e
“como aplicar uma técnica racional não formal?”.
Se a identicação da exceção for passível de erro, pode ser que
o padrão do direito – aplicação por um agente da decisão de outro,
ainda que o primeiro discorde dela – seja quebrado, dependendo do
volume de erros. Após, se o modo de aplicação da técnica racional
não formalista não for corretamente seguido, ter-se-á uma aplicação
(2007, p. 125-126) também reconhecia, relembre-se, que em cada fase de aplicação do
direito há também criação do direito. Isso é uma constatação prática de Kelsen, de nível
operacional.
6. “O caso jurídico mais agudo entre a teoria jurídica deste livro e a teoria de Dworkin
é suscitado pela minha armação de que, em qualquer sistema jurídico, haverá sempre
certos casos juridicamente não regulados em que, relativamente a determinado ponto,
nenhuma decisão em qualquer dos sentidos é ditada pelo Direito e, nessa conformidade, o
Direito apresenta-se como parcialmente indeterminado ou incompleto. Se, em tais casos,
o juiz tiver de proferir uma decisão, em vez de, como Bentham chegou a advogar em tem-
pos, se declarar privado de jurisdição, ou remeter os pontos não regulados pelo Direito
existente para a decisão do órgão legislativo, então deve exercer o seu poder discricioná-
rio e criar Direito para o caso, em vez de aplicar meramente o Direito estabelecido pre-
existente. Assim, em tais casos juridicamente não previstos ou não regulados, o juiz cria
Direito novo e aplica o Direito estabelecido que não só confere, mas também restringe,
os seus poderes de criação do Direito.” (HART, 2007, p. 335). Cf, como complemento,
respectivamente, o debate já citado neste trabalho entre Dworkin e Hart, no pós-escrito
de Hart (2007, p. 335-339) e a análise do caso Riggs versus Palmer, por Dworkin (2003).

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT