Da Ação de Improbidade Administrativa

AutorCalil Simão
Ocupação do AutorDoutorando em Direito pela Universidade de Coimbra (PT). Mestre em Direito
Páginas337-353

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22 Ação de Improbidade Administrativa, Ação Popular e Ação Civil Pública: objetos distintos

A probidade administrativa foi inicialmente tutelada com a chamada actio popularis. Tal ação, originária do Direito romano, tinha a finalidade pública de tutelar inúmeros interesses, entre eles, como observado, o de albo corrupto387, até que a evolução dos direitos, bem como da sociedade, levou à criação de ações específicas para determinadas situações. É o que aconteceu, no Brasil, com a improbidade administrativa, bem como com os demais interesses difusos e coletivos.

Foram criadas a ação civil pública, a ação popular e a ação de improbidade administrativa. Essas denominações são empregadas com a finalidade de identificar a tutela processual correspondente ao objeto e ao procedimento especialmente reservado a cada uma delas.

Mas, como se deve denominar a ação que busca a responsabilidade por actus improbus? Há distinção com relação à ação civil pública e a ação popular?

Estas são algumas perguntas que a doutrina procura responder. Na verdade, o que distingue cada uma dessas ações é seu objeto. O nome, de nada serve para distingui-las. É a função de cada uma delas, consoante dito, que constituiu a sua distinção.

A ação popular, por exemplo, visa anular ato lesivo e ressarcir o patrimônio público. Não pode ir além disso. Não pode, portanto, pretender uma pretensão meramente declaratória. De igual forma, não serve para tutelar apenas um pedido de obrigação de fazer ou não fazer. Sobre o tema, Teori Albino Zavascki registra que a tutela via ação popular pode pretender a reparação in natura ou o resultado prático equivalente (cf. CPC, art. 497)388. Já a ação civil pública visa à proteção do patrimônio público em um sentido muito amplo. Segundo a esmagadora doutrina (cf. Fredie

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Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr., José Marcelo Menezes Vigliar, Rodolfo Camargo Mancuso, Hugo Nigro Mazzilli, entre outros), admitem-se, nesta ação, todos os pedidos (anulatório, declaratório, condenatório, mandamental, p. ex.).

Por fim, a ação de improbidade administrativa tem a função principal de punir o corrupto na Administração Pública e uma função secundária, de ressarcimento do erário. Esse desiderato a distingue da ação popular e da ação civil pública. Impossível o autor de uma ação popular cumular pedido de natureza punitiva, tal como suspensão dos direitos políticos. O procedimento é incorreto e falta a ele legitimidade para o pedido. De igual forma, não pode o Poder Judiciário apreciar pedido de natureza punitiva nos moldes da Lei da Ação Civil Pública. Embora o Ministério Público seja legitimado extraordinário (Lei nº 8.429/92, art. 17), as sanções só podem ser aplicadas mediante procedimento especial rígido.

Aliás, o adjetivo público foi empregado para diferenciá-las das ações de caráter particular, ou seja: entre particulares. Público, portanto, é o interesse envolvido, ou, melhor dizendo, por ela tutelado.

A ação de improbidade administrativa é pública, pois é dirigida ao Estado: ao detentor do poder de tutela. Por outro lado, não é nem poderia ser civil, pois essa é uma classificação do direito material. Pública, toda ação é. José Marcelo Menezes Vigliar389nos alerta, inclusive, que o anteprojeto elaborado pelos juristas Cândido Rangel Dinamarco, Ada Pellegrini Grinover, kazuo Watanabe e Waldemar Mariz de Oliveira Júnior, denominado Projeto Bierrenbach, não continha a expressão ação civil pública. Contudo, tramitava paralelamente outra proposta advinda, do Ministério Público de São Paulo, que acabou sendo aprovada mais rapidamente. Essa proposta denominava o instrumento processual de tutela dos direitos transindividuais de ação civil pública.

Segundo a doutrina, razões históricas autorizariam a utilização da expressão. Em outras palavras, como a prática forense já tinha arraigado a expressão ação penal pública, nada mais justo do que chamar a ação não penal de ação civil pública.

Entendemos as razões, mas ousamos divergir dos motivos. Realmente a falta de técnica perdura há muito tempo. O erro, portanto, já vinha sendo cometido com a ação penal pública (como se pudesse existir, também, ação penal privada), isto é, utilizar classificações do direito material para identificar as demandas dela decorrentes. Ação é ação do mesmo tipo, seja tendo como fundamento normas de direito material civil ou penal. O mesmo equívoco se deu com a divisão da jurisdição em civil e penal.

Mas, como chamar essa ação?

Não há qualquer necessidade, a não ser acadêmica, de se encontrar um nome para uma tutela, pois a sua natureza é expressa pelo pedido. É por meio dele que constatamos qual o tipo de tutela que se busca da prestação jurisdicional.

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Podemos, portanto, definir o objeto da ação de improbidade administrativa como tendo, em primeiro plano, o objetivo de punir o corrupto na Administração Pública, e, em segundo plano, o de ressarcir eventual prejuízo material decorrente da conduta ímproba. As ações previstas pelas Leis nº 7.347/85 e nº 4.717/65 apenas se assemelham porque têm entre seus objetos a tutela de ressarcimento, contudo, não se mostram aptas para tutelar a pretensão punitiva do Estado. A punição por ato de improbidade administrativa deve ser implementada segundo as regras estabelecidas pela Lei nº 8.429/92. Se se quer intitular a ação de ação civil pública (quando proposta pelo Ministério Público), desde que se empreguem as regras especiais acima referidas, não há problema algum. Problemas surgem quando, além de denominá-la assim, empregam-se as regras previstas na Lei nº 7.347/85. Aí, temos a persecução do jus puniendi com base em regras que ofendem as garantias constitucionais respectivas.

Segundo Alexandre de Moraes:

A Lei Federal n.º 7.347/85 é norma processual geral para a tutela de interesses supra-individuais, aplicando-se a todas as outras leis destinadas a defesa desses interesses, como a Lei Federal n.º 8.429/92, conforme artigos 17 e 21.

Assim, não se pode negar que a Ação Civil Pública se trata da via processual adequada para a proteção do patrimônio público, dos princípios constitucionais da administração pública e para repressão de atos de improbidade administrativa, ou simplesmente atos lesivos, ilegais ou imorais, conforme expressa previsão no art. 12 da Lei n.º 8.429/92 (de acordo com o art. 37, § 4.º, da Constituição Federal) e art. 3.º da Lei Federal n.º 7.347/85.390Nossa posição é contrária à do autor, pois entendemos ser impossível estender regras de pretensão reparatória às pretensões punitivas. A normas punitivas são mais cuidadosas, ou seja, levam em conta um grau maior de segurança jurídica, atingem a pessoa do demandado de forma mais agressiva, possuem regime constitucional específico, entre outras diferenças.

Quando o Ministério Público propõe ação nos moldes da Lei nº 7.347/85, buscando as sanções previstas na Lei nº 8.429/92, qual deve ser a postura do magistrado?

Quando essa situação de fato se concretiza, temos uma tutela que só pode ser prestada mediante um procedimento específico (LIA); contudo, o autor busca por meio de outro (LACP). Procura, desse modo, empregar regras referentes a liminares, medidas cautelares e coisa julgada, por exemplo, próprias do procedimento escolhido.

Nessas situações, o magistrado, no antigo regime deveria se atentar para o disposto no inc. V do art. 295 do CPC/1973: “quando o tipo de procedimento, escolhido pelo autor, não corresponder à natureza da causa, ou ao valor da ação; caso em que só não será indeferida, se puder adaptar-se ao tipo de procedimento legal”. Já no atual regime do CPC, segundo o art. 327, § 2º, é possível inclusive a cumulação de

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pedidos que sigam procedimento diverso, desde que empregados o procedimento comum, sem prejuízo do emprego das técnicas processuais diferenciadas previstas nos procedimentos especiais.

É possível o magistrado determinar que a demanda siga o procedimento previsto pela LIA?

Claro! Nesses casos deve o magistrado, quando da conclusão dos autos, examinar se a inicial está em devida forma, determinando as anotações necessárias sobre a alteração do procedimento, anulando os atos que não possam ser aproveitados (os incompatíveis e os que causem prejuízo para a defesa), devendo praticar os que forem necessários, a fim de se observarem as prescrições legais específicas da LIA (CPC, art. 283). Ou seja, deverá em seguida, convencido da regularidade formal, ordenar a notificação do requerido, para oferecer manifestação por escrito, no prazo de 15 (quinze) dias (LIA, art. 17, § 7º). Havendo cumulação de pedidos, deverá o magistrado verificar se a conversão do procedimento afetou algum pedido (CPC, art. 327, § 1º), ou seja, se o novo procedimento é adequado para análise de todos os pedidos constantes na inicial. Há pedidos que só podem ser processados por procedimentos especiais, como é o caso daqueles referentes às sanções previstas na LIA.

Temos, ainda, a possibilidade de conversão do procedimento especial em ordinário, mas isso só é possível se o autor renunciar aos seus benefícios (CPC, art. 327, § 2º) e se não houver prejuízo para o requerido, já que o autor não poderia dispor de um benefício que não lhe pertence. Tratando-se de direitos indisponíveis, não há possibilidade de renúncia pelo autor, como, por exemplo, com relação à tutela coletiva, já que, obviamente, deles não é titular material (infra, nº 32.7.3).

É, portanto, dever do magistrado impedir que uma demanda...

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