Da aplicação da Lei Penal

AutorFrancisco Dirceu Barros - Antônio Fernando Cintra
Ocupação do AutorMestre em Direito, Promotor de Justiça Criminal e Eleitoral, Doutrinador e especialista em Direito Penal e Processo Penal - Advogado criminalista há vinte e nove anos. Procurador do Estado, pós-graduado em Direito Público, escritor com sete o livros lançados
Páginas27-61

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Anterioridade da lei

Art. 1º Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal.

· Vide art. 5º, XXXIX e XL, CF.

· Vide art. 1º, Dec.-Lei 3.914/1941 (Lei de Introdução ao Código Penal e à Lei das Contravenções Penais).

· Vide arts. e , CPP.

· Vide art. 61, Lei 9.099/1995 (Juizados Especiais).

1. Explicação didática

A Constituição Federal tem a mesma redação do art. 1º do Código Penal; veja o art. 5º, XXXIX: "não há crime sem lei que o defina; não há pena sem cominação legal".

Há grande dissenso doutrinário quando indagamos se o princípio da legalidade e reserva legal são terminologias equivalentes.

Posição 1: Heleno Cláudio Fragoso, referindo-se ao disposto no art. 1º do Código Penal, afirma:

Essa regra básica denomina-se princípio da legali-dade dos delitos e das penas ou princípio da reserva legal e representa importante conquista de índole política, inscrita nas Constituições de todos os regimes democráticos e liberais.1Posição 2: Diversa é a orientação do professor Damásio de Jesus, que afirma:

(...) pensamos que o princípio da legalidade é gênero que compreende duas espécies: reserva legal e ante-rioridade da lei penal. Com efeito, o princípio da legali-dade corresponde aos enunciados dos arts. 5º, XXXIX da Constituição Federal e 1º do Código Penal ("não há crime sem lei anterior que o defina, nem a pena sem prévia cominação legal") e contém, nele embutidos, dois princípios diferentes: o da reserva legal, reservando para o estrito campo da lei a existência do crime e sua correspondente pena (não há crime sem lei que o defina, nem pena sem cominação legal) e o da anterioridade, exigindo que a lei esteja em vigor no momento da prática da infração penal (lei anterior e prévia cominação). Assim, a regra do art. 1º, denominada princípio da legalidade, compreende os princípios da reserva legal e da anterioridade. É também a posição de Capez e Luiz Flávio Gomes.

Nossa posição: entendemos que o artigo 1º do Código Penal define dois princípios, a saber:

a) Princípio da anterioridade da lei penal

Define-se: "Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal".

b) Princípio da reserva legal (ou legalidade em sentido estrito)

Define-se: "Não há crime sem lei que o defina. Não há pena sem cominação legal".

Com proeminência, Roxin2destaca duas importantes funções do princípio da anterioridade da lei penal (princípio da vedação das leis penais materiais ex post facto) e do princípio da reserva legal (princípio que proíbe a criação de leis "ad hoc"):

É o princípio da vedação das leis penais materiais ex post facto, ou o princípio que proíbe a criação de leis ad hoc, feitas de acordo com o caso concreto, para acalmar estados de ânimos e excitações politicamente indesejáveis, isto é, leis elaboradas devido a emoção do momento, e, por isso, inadequadas no seu conteúdo e indesejáveis pelo Estado de Direito.

Nucci3também define o princípio da reserva legal como legalidade em sentido estrito, in verbis:

No conceito de legalidade há três significados: a) político (garantia constitucional dos direitos humanos fundamentais; b) jurídico em sentido lato (ninguém está obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei, conforme art. 5. º, II, CF);

  1. jurídico em sentido estrito ou penal (fixador do conteúdo das normas penais incriminadoras). Neste último prisma, é também conhecido como princípio da reserva legal, ou seja, os tipos penais incriminadores somente podem ser criados por lei em sentido estrito, emanada do Legislativo, de acordo com o processo previsto na Constituição Federal. Há, ainda, o que se chama de reserva legal qualificada, que é a reserva de lei, dependendo das especificações feitas pela Constituição Federal. Assim, não basta editar uma lei para disciplinar determinado assunto, sendo imprescindível que se respeite o âmbito estabelecido pelo constituinte. Exemplos: a) para violar o sigilo das comunicações telefônicas é necessária a edição de uma lei, que está limitada aos fins de

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    investigação criminal ou instrução processual penal (art. 5. º, XII, CF); b) "com efeito, o próprio parágrafo 1.º, do mesmo artigo 220 [da CF], autoriza o legislador a disciplinar o exercício da liberdade de imprensa, tendo em vista, sobretudo, a proibição do anonimato, a outorga do direito de resposta e a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas. Trata-se, verdadeiramente, de uma reserva legal qualificada, que permite o estabelecimento de restrição à liberdade de imprensa com vistas a preservar outros direitos individuais, não menos significativos, como os direitos da personalidade em geral (cf. ANTONIO HENRIQUE GRACIANO SUXBERGER, Responsabilidade penal sucessiva nos crimes de imprensa, p. 37)".

    STF: "O princípio da reserva legal atua como expres-siva limitação constitucional ao aplicador judicial da lei, cuja competência jurisdicional, por tal razão, não se reveste de idoneidade suficiente para lhe permita a ordem jurídica ao ponto de conceder benefícios proibidos pela norma vigente, sob pena de incidir em domínio reservado ao âmbito de atuação do Poder Legislativo" (STJ: HC 92.010/ES, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, 5ª Turma, j. 21.02.2008).

    STJ: "Não cabe ao Julgador aplicar uma norma, por assemelhação, em substituição a outra validamente existente, simplesmente por entender que o legislador deveria ter regulado a situação de forma diversa da que adotou; não se pode, por analogia, criar sanção que o sistema legal não haja determinado, sob pena de violação do princípio da reserva legal" (STJ: REsp 956.876/RS, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, 5ª Turma, j. 23.08.2007). No mesmo sentido: STJ - REsp 956.876/RS, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, 5ª Turma, j. 23.08.2007.

    2. Exposição doutrinária

  2. Os princípios em estudo e as contravenções penais

    Nota-se que o artigo 1º do Código Penal usa a palavra "crime", exclui aparentemente as Contravenções Penais, mas é posição tranquila na doutrina e jurisprudência que a leitura deve ser extensiva; portanto, os princípios também abrangem as Contravenções Penais, devendo a leitura ser realizada da seguinte forma:

    - Anterioridade: não há crime ou Contravenção sem lei anterior (...)

    - Legalidade: não há crime ou Contravenção sem lei que os defina (...)

    b) A necessidade de lei escrita

    A doutrina majoritária entende que o princípio da legalidade pressupõe a existência da lei escrita, o que significa que ninguém poderá ser punido ou ter sua situação criminalmente agravada com base nos costumes, na analogia in malam partem ou na moral do povo, vigente em determinado momento histórico.

    Por isso, o princípio da legalidade impõe uma garantia: nullum crimen, nulla poena sine lege scripta.

    c) A necessidade da lei penal certa

    O princípio da legalidade completa-se com a garantia de que a Lei Penal deve ser clara e objetiva, quanto ao conteúdo da proibição contida em seu texto normativo. Como fonte formal exclusiva do Direito Penal, torna-se exigência democrática que a lei repressiva seja formulada com toda a clareza e objetividade, quanto às hipóteses em abstrato e genéricas, por ela alcançadas. A Lei Penal não pode ser vaga e imprecisa em sua função de definir os tipos penais incriminadores, sob pena de não os definir e, em assim procedendo, afrontar o princípio da legalidade.

    É como relatam Aníbal Bruno, Mirabete, Cernicchiaro, Damásio Noronha e Soler:

    A imprecisão e a incerteza na linguagem jurídico--penal incriminadora ferem a regra da taxatividade ou da certeza da Lei Penal, cuja observância é consequência do compromisso político-jurídico com o princípio geral da legalidade nullum crimen, nulla poena lege certa.

    d) As normas penais em branco e o princípio da legalidade

    As normas penais em branco não ferem o princípio da legalidade. Normas penais em branco são aquelas que exigem complementação por outras Normas, de igual nível (Leis) ou de nível diverso (Decretos, Regulamentos etc.). Na primeira hipótese (complemento de igual nível), existe a chamada norma penal em branco em sentido amplo (ou lato).

    e) Fundamento da irretroatividade das normas incriminadoras

    É necessário que o tipo penal tenha sido definido antes da prática delituosa. Daí falar-se em anterioridade da lei penal incriminadora.

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    A irretroatividade das normas incriminadoras decorre do princípio da anterioridade. A lei incriminadora não pode retroagir para alcançar um fato cometido antes de sua vigência.

    É lícita, pois, qualquer conduta que não se encontre definida em lei penal incriminadora.

    Por causa do princípio da legalidade, podemos dizer que o conjunto de normas incriminadoras é taxativo, e é por isso que não se pode usar a analogia para prejudicar o acusado.

    O princípio da legalidade assegura que ninguém seja punido por fato atípico. Típico é o fato que se amolda à conduta descrita na lei penal. Daí decorre que o conjunto de normas penais incriminadoras é taxativo e não, exemplificativo. Nullum crimen nulla poena sine praevia lege (nulo crime, nula pena sem previsão legal).

    Só a lei sancionada anterior ao fato pode determinar o que é crime e prever a sanção cabível.

    f) Os princípios em estudo e a medida de segurança:

    Tanto a Constituição quanto o Código Penal referem-se à pena, omitindo-se no tocante à Medida de Segurança, que é um tipo de sanção com finali-dade essencialmente terapêutica.

    Entretanto, a maioria dos autores admite que, após a Reforma Penal de 1984, essas medidas também estão sujeitas ao princípio da reserva legal e anterioridade; essa é a nossa posição.

    g) A pena e medida provisória

    Existe divergência doutrinária sobre a hipótese de uma Medida Provisória poder criar um crime. Entendemos que, hoje, a discussão é meramente acadêmica, pois a própria Constituição Federal veda expressamente a edição de medidas provisórias sobre Direito Penal; veja o art. 62, § 1º, inciso I, alínea "b", in verbis: Em caso de relevância e...

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