Da Audiência Trabalhista

AutorMauro Schiavi
Ocupação do AutorJuiz Titular da 19a Vara do Trabalho de São Paulo
Páginas562-612

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1. Conceito

Ensinam Márcio Túlio Viana e Luiz Otávio Linhares Renault1:

“A palavra ‘audiência’ vem de audire, e literalmente significa ‘coisas (que são) ouvidas’. De um modo geral, serve para que as autoridades possam ouvir os que querem lhes falar. Em Roma, as audiências tinham regras variadas, segundo o status das pessoas. Com o tempo se tornaram cada vez mais solenes e minuciosas, com porteiros, criados de câmara, nomenclatores para identificar os presentes e velarli para correr as cortinas.”2Segundo Athos Gusmão Carneiro3:

“Na audiência, segundo a definição de Eliézer, se instrui, discute e decide a causa. Sem dúvida, em audiência se instrui a causa, no caso de recepção de prova oralmente produzida, sob os princípios da imediação e concentração; já nem sempre se discute a causa em audiência, em face da permissão da substituição do debate oral pelas razões finais escritas; e a prolação de sentença, o comando decisório, poderá ser realizada após o encerramento da audiência. Em audiência, igualmente, a segunda tentativa de conciliação, de autocomposição da lide, atuando o julgador como qualificado mediador entre os litigantes.”

Manoel Antonio Teixeira Filho4 conceitua a audiência trabalhista da seguinte forma: “é o ato público, em princípio indispensável, no qual o réu pode apresentar a sua resposta à petição inicial, e o juiz procede a instrução, formula propostas destinadas à solução consensual do litígio, concede prazo para razões finais e profere sentença.”

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A audiência trabalhista é um ato formal, solene, que conta com o compare-cimento das partes, advogados, funcionários da Justiça e do Juiz do Trabalho, em que são realizadas as tentativas de conciliação, o reclamado poderá apresentar sua resposta (contestação, exceção e reconvenção), se ouvem as partes e testemunhas e se profere a decisão.

O Processo do Trabalho, na expressão popular, é um processo de audiência, pois os atos principais da fase de conhecimento se desenvolvem neste ato. Além disso, a lei determina que todos os atores principais do processo estejam presentes na audiência. De outro lado, o Juiz do Trabalho, como regra geral, toma contato com a inicial pela primeira vez na audiência e também com a defesa, que é apresentada em audiência (escrita ou verbal), tenta a conciliação, instrui e julga a causa.

Na audiência, quase todos os atos da fase de conhecimento são praticados, quais sejam:

  1. o juiz toma contado com o processo (inicial, defesa e documentos);

  2. são realizadas as tentativas de conciliação;

  3. o processo é saneado, suprindo-se eventuais nulidades;

  4. a causa é discutida pelas partes, juízes e advogados;

  5. são fixados os pontos controvertidos e as provas a serem produzidas;

  6. posteriormente, haverá a instrução da causa com oitiva de partes e testemunhas;

  7. as partes, após a prova, poderão aduzir as razões finais;

  8. finalmente, o processo será sentenciado.

    Apesar de algumas vicissitudes que o procedimento de audiência pode causar, como atrasos constantes, desgaste das partes e do magistrado, grande deslocamento de partes e advogado nos fóruns, os benefícios da audiência trabalhista são visíveis e contudentes, quais sejam:

  9. torna o processo do trabalho mais democrático e humanizado;

  10. economia dos atos processuais pela concentração deles na audiência una;

  11. maior potencialidade de obtenção da conciliação;

  12. maior publicidade do procedimento;

  13. participação mais ativa das partes e advogado, tornando o contraditório mais vísivel e efetivo;

  14. maior interação do juiz com as partes e advogados;

  15. melhor conhecimento da causa por todos que nela atuam;

  16. maior efetividade na colheita e valoração da prova.

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    Como nos traz Carlos Henrique da Silva Zangrando5, “no Brasil, o CPC de 1939 substituiu as antigas concepções, e organizou o Direito Processual brasileiro, fazendo da audiência um ato processual ordenado e importantíssimo. A CLT implementou enorme importância à audiência, pois que no Processo do Trabalho esse é um ato processual de suprema importância. De certo modo, pode-se afirmar que a audiência é uma das atividades mais antigas de toda a história do Direito Processual. Muito antes de se cogitar sobre actio, ‘processo’ ou ‘procedimento’, já havia se estabelecido como noção basilar a imperiosa necessidade recíproca de se permitir a todos os envolvidos no litígio, partes e julgadores, a possibilidade de falar e ouvir sobre as questões da causa. A audiência, no Estado Democrático de Direito, se constitui, assim, em uma das mais importantes garantias fundamentais, sendo parte integrante do devido processo legal.”

    Distingue-se a audiência da sessão. Sessão é a realização de várias audiências ou julgamentos, em que são decididos vários processos6.

    Como destaca Erotilde Ribeiro S. Minharro7:

    “Audiência é a sessão solene, a princípio pública, na qual o juiz ouvirá as partes, as testemunhas ou os peritos e praticará todos os atos destinados a solucionar o feito, solução esta que pode ser negociada — conciliação — ou imposta — julgamento do feito.”

2. Princípios da audiência trabalhista

A audiência trabalhista tem princípios próprios. São eles:

a) Presença obrigatória das partes:

Já é frequente na doutrina se dizer que o Processo do Trabalho é um processo de partes, diante da importância do comparecimento destas para o Processo.

A CLT exige o comparecimento pessoal das partes em audiência (arts. 843 e 844 da CLT), somente admitindo a ausência em casos específicos e justificados. Além disso, se o empregador for se fazer substituir por preposto, este deve ter conhecimento dos fatos (art. 843, § 1º, da CLT).

Com a presença das partes em audiência, a potencialidade da conciliação é mais elevada, há possibilidade de ampla discussão da causa de forma democrática, depoimentos pessoais e maior possibilidade de compreensão da causa pelo Juiz do Trabalho. Além disso, ninguém melhor que as próprias partes para esclarecer os fatos controvertidos em juízo.

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b) Concentração dos atos processuais numa única audiência (audiência una):

Como destaca José Augusto Rodrigues Pinto8:

“A audiência, por seu lado, é o ato unitário e contínuo determinado pelo Juízo processante para conhecer, instruir e julgar dissídio individual de sua competência. Logo, uma vez aberta, não se interrompe, devendo prosseguir até o desfecho do processo, ocupando tantas datas sucessivas quantas sejam necessárias. É possível suspendê-la, diante da ocorrência de fatores diversos, como a falta material de tempo para concluí-la, a realização de diligências, a realizar fora de seu recinto, a exemplo da prova técnica etc. Mas, diante da ideia de unidade que lhe é adequada, a audiência só tem dois extremos, de abertura e de encerramento, o que subtrai seu fracionamento de qualquer significado de pluralidade em relação a um mesmo dissídio.”

Pela sistemática da CLT, a audiência é una ou única, na qual o Juiz do Trabalho toma conhecimento da inicial, faz a proposta de conciliação, o reclamado apresenta a defesa, são produzidas as provas e, em seguida, é prolatada a sentença.

Não obstante, se não for possível concluir a audiência no mesmo dia, a CLT possibilita que ela seja adiada para data posterior. Nesse sentido, o art. 849 da CLT, in verbis:

“A audiência de julgamento será contínua; mas, se não for possível, por motivo de força maior, concluí-la no mesmo dia, o juiz ou presidente marcará a sua continuação para a primeira desimpedida, independentemente de nova notificação.”

Embora o referido dispositivo se refira à força maior, a jurisprudência e a praxe trabalhista têm fiexibilizado a interpretação do art. 849 consolidado para possibilitar que o juiz adie as audiências ou até as fracione em inicial, instrução e julgamento, quando o número de processos na Vara impeça a realização de audiências unas ou até mesmo quando a matéria for complexa e exija um estudo mais apurado do Processo.

O Juiz do Trabalho, como diretor do Processo (art. 765 da CLT), deve avaliar o custo-benefício e, discricionariamente, decidir pela unicidade ou fracionamento das audiências, embora seja conveniente, sempre que possível, adotar a audiência una.

Como bem advertem Francisco Ferreria Jorge Neto e Jouberto de Quadros Pessoa Cavalcante9: “O legislador consolidado adota a audiência una, com três fases, inicial, instrução e julgamento, como forma de valorização do procedimento oral, além do respeito ao princípio da concentração. Contudo, a prática indica que nem todos os órgãos realizam a audiência una. O que se tem é a cisão da audiência em várias

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distintas: a inicial, a instrução e o julgamento. A cisão da audiência não viola o texto legal, logo, a sua ocorrência não é motivo de nulidade processual. Isso, porque: (a) o adiamento permite ao reclamante a análise da resposta e dos documentos, o que viabiliza, com maior objetividade, a ocorrência...

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