Da locação de coisas

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18. 1 Apresentação

"Os contratos que envolvem hospedagem do tipo "flat" não se subordinam às leis do inquilinato, portanto a ação cabível para a retomada do imóvel é a de reintegração de posse" (in RT 805/296).

A nossa legislação, ao tratar das locações em geral, ordenou-as em três seções:

1) locação de coisas; 2) prestação de serviços; 3) locação de obra ou empreitada.

A prestação de serviços ou locação de serviços sofreu radical transformação com o aparecimento da Consolidação das Leis do Trabalho (C.L.T.), em 1.º de maio de 1943, quando, então, foi transferida, quase por completo, a regulamentação da matéria disciplinada pelo Direito Civil de 1.916 para o Direito do Trabalho. Hoje, todo contrato de prestação de serviços, que não estiver sujeito às leis trabalhistas ou às leis especiais que tratam do funcionário público, reger-se-á pela disposição do Código Civil, artigos 593 a 609. Analise o conteúdo do art. 593 do CC: "A prestação de serviço, que não estiver sujeita às leis trabalhistas ou a lei especial, reger-se-á pelas disposições deste Capítulo".

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Trataremos, aqui, apenas da locação de coisas. Em outros capítulos, separadamente, analisaremos das demais modalidades de locação.

18. 2 Conceito, elementos e natureza jurídica do contrato de locação de coisas

A locação de coisas é definida pelo Código Civil, no seu art. 565: "Na locação de coisas, uma das partes se obriga a ceder à outra, por tempo determinado ou não, o uso e gozo de coisa não fungível, mediante certa retribuição".

Esta definição abrange todas as coisas que podem ser objeto de locação, quer sejam móveis, desde que infungíveis, quer sejam imóveis. Coisas infungíveis são aquelas que não podem ser substituídas por outras, da mesma espécie, pois é da natureza do contrato que a coisa locada deve ser restituída, sem diminuição de sua substância. Além dessa particularidade, o objeto do contrato deve ser lícito, sob pena de nulidade absoluta do próprio contrato (CC, art. 166, II).

As partes, perante esse contrato, chamam-se: locador - aquele que cede o uso e gozo da coisa e, locatário - aquele que a usufrui mediante certa remuneração. O preço deve ser certo, nada impedindo que parte do preço seja pago em serviço (in RT 494/140).

Se no contrato não ficar expressamente determinada a remuneração, não há locação, mas sim comodato.

Como a locação é um contrato, o consentimento de agente capaz é outro requisito essencial para a sua validade e formação. Por exemplo, não podem contratar aqueles que sejam absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil (CC, art. 3.º). Os relativamente incapazes podem contratar pessoalmente, desde que assistidos pelo seu representante legal (CC, art. 4.º).

O consentimento válido refere-se à coisa locada e ao preço ajustado. Os elementos da locação são: consentimento do agente capaz, objeto lícito e preço do aluguel. Há, ainda, a duração do contrato, pois ele tem natureza temporária. O uso e o gozo da coisa dada em locação serão por tempo determinado ou indeterminado.

Ao expirar o prazo do contrato por tempo determinado, este cessa de pleno direito.

Nos contratos fixados sem prazo determinado, a locação cessará por deliberação de qualquer das partes, mediante notificação (in RT 495/145).

O contrato de locação de coisas é de natureza bilateral, oneroso, consensual e comutativo. Bilateral, porque cria obrigações para ambos os contratantes;

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oneroso, porque gera vantagem para as partes; consensual, porque fica válido com o consentimento das partes e comutativo, porque as prestações são equivalentes. O saudoso Prof. Orlando Gomes diz ser, ainda, impessoal: "nem para o locador, nem para o locatário". Por isso, a morte de qualquer dos contratantes não o extingue. "Morrendo o locador ou o locatário, - diz o art. 57 do CC - transfere-se aos seus herdeiros a locação por tempo determinado".

18. 3 Forma do contrato de locação

Estamos estudando as regras aplicáveis a todas as espécies de locações de coisa. O contrato de locação exige o consentimento válido e recíproco entre o locador e o locatário. É necessário, por conseguinte, o ato exteriorizador da manifestação da vontade: um propondo a locação e o outro, aceitando a proposta.

Não é necessário que a manifestação válida da vontade das partes, formadora do contrato, seja feita através de documento escrito, pois os contratos de locação, em regra, são de forma livre. O consentimento, no entanto, pode ser expresso ou tácito e até presumido. A locação tácita realiza-se pelo silêncio: alguém usa a coisa de outrem e este apenas passa a receber o aluguel. Aqui cabe a aplicação do provérbio: "quem cala consente".

Contudo, aconselhamos optar pela forma escrita, para evitar decepções ou desilusões futuras. Assim, a título de ilustração e de esclarecimento, apresentamos um caso que foi publicado pela Revista dos Tribunais, vol. 421, pág. 205. O locatário, após renovar o contrato e de forma onerosa, foi vítima de uma ação de despejo, unicamente porque não teve o cuidado de fazer inserir no contrato, cláusula de vigência em caso de alienação do imóvel, consoante determina o art. 576 do CC, in verbis: "Se a coisa for alienada durante a locação, o adquirente não ficará obrigado a respeitar o contrato, se nele não for consignada a cláusula da sua vigência no caso de alienação, e não constar de registro". A atual lei do inquilinato, art. 8.º, reprisa o mesmo princípio, verbis: "Se o imóvel for alienado durante a locação, o adquirente poderá denunciar o contrato, com o prazo de noventa dias para a desocupação, salvo se a locação for por tempo determinado e o contrato contiver cláusula de vigência em caso de alienação e estiver averbado junto à matrícula do imóvel".

A propósito, reza o acórdão que decidiu a situação acima apontada: "Embora de se lamentar a situação do apelante, acionado pouco depois de renovar em condições onerosas seu contrato de locação, a verdade é que o recurso não pode prosperar. O dispositivo do art. 576, que é contrário ao espírito que inspirou a edição da Lei de Luvas, foi expressamente reproduzido pelo decreto-lei n. 4, de 1.964", hoje o art. 8.º da Lei do Inquilinato, transcrito acima. Sobre o assunto, registra a ementa que segue: "A doação do imóvel locado autoriza o donatário a

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denunciar a locação, residencial ou comercial, ainda que na pendência de ação renovatória, salvo se for locação por prazo determinado e existir cláusula de vigência registrada, conforme disposto no art. 8.º da Lei 8.245/91" (in RT 751/309).

Há casos em que a lei exige que o consentimento do locador seja prévio e feito por escrito. É a hipótese, por exemplo, da sublocação que exige a forma escrita, sob pena de rescisão do contrato. Veja o conteúdo do art. 13 da Lei do Inquilinato: "A cessão da locação, a sublocação e o empréstimo do imóvel, total ou parcialmente, dependem do consentimento prévio e escrito do locador". Esse é, também, o caso das locações destinadas ao comércio, quando o locatário tiver direito à renovação do contrato. O contrato a renovar terá que ser realizado por escrito (Lei 8.245/91, art. 51).

18. 4 Obrigações fundamentais do locador e do locatário no sistema do código civil

"O locador que entrega imóvel destinado a uso residencial sem condições de habitabilidade, praticando diversas infrações contratuais e legais, enseja ao locatário pleitear a rescisão da locação, na forma prevista nos arts. 9.º, II, e 22, I, da Lei 8.245/91, livre de qualquer ônus (in RT 771/311).

As regras do Código Civil, no que concerne às obrigações fundamentais do locador e do locatário, são aplicáveis tanto em relação a coisas móveis infungíveis, como a coisas imóveis.

1) São obrigações fundamentais do locador entregar a coisa ao locatário e garantir-lhe seu uso pacífico. No caso, portanto, de terceiros perturbarem o uso e gozo da coisa alugada, cabe ao locador a defesa dos direitos do locatário e, se é o próprio locador quem turba ou esbulha a posse direta do locatário, este tem legitimidade de se defender perante o juiz contra aquele. "O locador resguardará o locatário dos embaraços e turbações de terceiros, que tenham, ou pretendam ter direitos sobre a coisa alugada, - diz o art. 568 do CC - e responderá pelos seus vícios ou defeitos, anteriores à locação".

2) São obrigações fundamentais do locatário: usar normalmente a coisa recebida, pagar pontualmente os aluguéis nos prazos ajustados e restituir a coisa, finda a locação, "no estado em que a recebeu, exceto as deteriorações naturais ao uso regular" (CC, art. 569).

Mais adiante, ao tratarmos das locações de imóveis urbanos, veremos as demais obrigações que têm o locador e o locatário.

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18. 5 Locações prediais urbanas

A lei que está tutelando quase por completo as locações de prédios urbanos é a de n. 8.245, de 1.991 (Lei do Inquilinato). Eis o que diz o seu art. 1.º, in verbis: "A locação de imóvel urbano regula-se pelo disposto nesta Lei".

Portanto, o regime das locações de prédios urbanos, residenciais ou não-residenciais, encontra-se, praticamente, orientado pela Lei 8.245/91. A palavra urbana originou-se do latim urbe, que significa cidade; rústico também originou-se do latim, rusticu, que significa campestre. A locação de imóvel no campo é disciplinada pelo Estatuto da Terra.

18. 6 Do contrato de locação de prédios...

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