Da compra e venda

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13. 1 Apresentação

Depois de termos concluído o estudo sobre as regras gerais relativas aos contratos - Parte Geral dos Contratos - seguindo a ordem estabelecida pelo Código Civil, passaremos a analisar as várias espécies de contratos nominados, começando pela compra e venda.

13. 2 Conceito

Para um perfeito entendimento do contrato de compra e venda, vejamos uma situação que foi publicada pela Revista dos Tribunais, volume 398, pág. 339: No dia 2 de maio, foi celebrado um contrato de compra e venda de um automóvel, ocasião em que o vendedor recebeu o valor combinado e passou o recibo, mas não fez a entrega do veículo, prometendo fazê-lo dentro de 10 dias. Aconteceu que, 8 dias após o negócio, o veículo se incendiou motivado por um curto circuito, ficando completamente destruído.

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Nesse caso, o prejuízo é do dono da coisa, e por isso, o vendedor negou-se a devolver a importância recebida, dizendo não ser o proprietário. O comprador viu-se obrigado a recorrer ao juiz para a solução do litígio, tendo obtido ganho de causa com fundamento no art. 1.267 do Código Civil, que assim reza:

"A propriedade das coisas não se transfere pelos negócios jurídicos antes da tradição".

Essa situação serviu para nos mostrar que um contrato de compra e venda, por si só, não transfere a propriedade das coisas, mas apenas diz respeito ao consentimento das partes sobre o preço e a coisa. A entrega do bem e o pagamento já são efeitos desse consentimento, pelo qual ficam obrigados vendedor e comprador. É o fundamento do art. 481 do CC, ao definir essa espécie de contrato, in verbis:

"Pelo contrato de compra e venda, um dos contratantes se obriga a transferir o domínio de certa coisa, e o outro, a pagar-lhe certo preço em dinheiro".

Entendendo-se por compra e venda aquele contrato em que uma das partes obriga-se a transferir o domínio de certa coisa, e a outra parte a pagar-lhe certo preço em dinheiro, tem-se que ele cria apenas a obrigação de transferir a propriedade. Consequentemente, o contrato de compra e venda tem efeitos meramente obrigacionais, não outorgando poderes de proprietário àquele que não obteve a entrega da coisa. Assim, se o vendedor deixar de cumprir a obrigação, não transferindo a propriedade, não dispõe o comprador "de mecanismos de reação próprios de proprietário (como a ação de reivindicação, que lhe permite obter o bem de quem quer que o detenha), resolvendo-se, normalmente, em perdas e danos".126Se ocorrer o perecimento da coisa ou a impossibilidade de entrega por culpa do vendedor, a obrigação se converte também em indenização por perdas e danos. Washington de Barros Monteiro, avisa que "se o vendedor aliena, posteriormente, de novo a terceira pessoa, não pode o primeiro (comprador) reivindicá-la, mas, tão-somente, reclamar do vendedor a indenização das perdas e danos".127

Somente na hipótese de surgir a impossibilidade da prestação, em virtude de ato ou fato alheio à vontade do vendedor, não estará este sujeito a reparar o dano sofrido pelo comprador. "O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, - diz o art 393 do CC - se expressamente não se houver por eles responsabilizado". Devolve-se, apenas, a importância recebida.

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Colhe-se, a propósito, da lição sempre proverbial do mestre Caio Mário da Silva Pereira: "Nesta distribuição do fenômeno em duas fases, obrigacional e real, é que se vai buscar o fundamento para o princípio informativo da teoria dos efeitos da compra e venda em numerosos códigos modernos, como o B.G.B e o nosso, para os quais há dois momentos distintos: o primeiro constituído de um ato causal, ou contratual, e o segundo de um ato de transferência; o primeiro é o contrato gerador da obrigação de transferir (compra e venda, doação); e o segundo (transcrição do título, tradição da coisa) que é a execução dela ou a transferência em si".128Concluindo, o contrato de compra e venda não opera, de per si, a transferência da propriedade. A transferência se completa pela tradição, se a coisa é móvel (CC, art. 1.267), ou pela transcrição do título aquisitivo no Cartório de Registro de Imóveis (CRI) competente, se for imóvel. "Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis" (CC, art. 1.245). Seus sujeitos assumem a posição de credores e devedores ao mesmo tempo. É um contrato bilateral, em que o comprador é credor da coisa, ficando o vendedor como devedor dessa mesma coisa; o vendedor obriga-se a entregar a coisa e o comprador a pagar o preço. Enfim, é uma espécie de contrato que cria obrigações para ambos os contratantes, pois as mesmas pessoas poderão ser credoras e devedoras ao mesmo tempo, numa prestação de dar.

Portanto, pelo critério adotado pelo direito pátrio, o contrato de compra e venda dá às partes apenas um direito pessoal; não um direito real. Na França, por exemplo, o sistema é outro: basta o próprio contrato de compra e venda para transferir o domínio das coisas (CC francês, art. 1.583). Lá o comprador adquire a propriedade da coisa através do mero acordo de vontades sobre a coisa e o preço, ainda que o bem não tenha sido entregue nem o preço pago.

No Brasil, como também na Alemanha, na Espanha, na Áustria e em quase todos os países sul-americanos, o contrato de compra e venda cria para o vendedor o encargo de entregar a coisa e exigir o pagamento e, para o comprador, o direito de exigir a entrega e o dever de pagar, no tempo e modo ajustados. Geralmente, o cumprimento de tais obrigações se verifica contemporaneamente ao consentimento, mas o contrato de compra e venda se torna perfeito e obrigatório, apenas com o consentimento das partes. Evidentemente, com a entrega da coisa o contrato fica extinto e qualquer anormalidade surgida posteriormente, decorrente diretamente do contrato, gera uma responsabilidade extracontratual.

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13. 3 Classificação do contrato de compra e venda

Classifica-se o contrato de compra e venda como consensual, bilateral, oneroso, normalmente comutativo e de execução instantânea ou continuada. Para alguns casos, porém, a lei exige que o contrato se revista de forma especial. Nessa hipótese, o contrato é solene, como, por exemplo, nas vendas de bens imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País (art. 108 do Código Civil), situação em que o contrato deve ser realizado por escritura pública. Ressalvam-se as escrituras celebradas no âmbito do Sistema Financeiro de Habitação, que podem ser realizadas por instrumento particular (Lei 4.380/64, art. 61, § 5º).

Excetuando-se esse caso, o contrato de compra e venda é simplesmente consensual, porque torna-se perfeito pelo mero acordo de vontade entre as partes. Não é o caso, por exemplo, do contrato de depósito, que só se aperfeiçoa com a entrega da coisa pelo depositante ao depositário. O contrato de depósito é um contrato real, porque além do consentimento para a sua formação, exige a entrega da coisa, pois a sua característica é a obrigação de custódia, a guarda e conservação da coisa. O contrato de compra e venda é, ainda, por natureza, oneroso. Comprador e vendedor têm por objetivo obter uma vantagem patrimonial. Difere de um contrato gratuito, do qual resultam vantagens apenas para uma das partes, cabendo à outra um sacrifício que consiste na diminuição do seu patrimônio.

Outra característica dessa espécie de contrato é de ser, normalmente, comutativo. Comutativo porque as prestações e contraprestações são equivalentes e há certeza quanto ao valor de ambas. Contudo, excepcionalmente, pode tornar-se aleatório, no caso de surgirem dúvidas quanto a uma das prestações, como por exemplo, na venda de colheita futura, que depende de haver safra ou não.

Além do mais, só podem ser objeto do contrato de compra e venda as coisas ditas do comércio, corpóreas ou incorpóreas, singulares ou coletivas e até de coisa litigiosa, desde que o adquirente saiba.

13. 4 Elementos característicos da compra e venda

Compra e venda é o contrato por meio do qual uma das partes se obriga a transferir o domínio de certa coisa a outra parte, recebendo como contraprestação, determinada soma em dinheiro. O Código Civil definiu o contrato de compra e venda como sendo aquele em que "um dos contratantes se obriga a transferir o domínio de certa coisa, e o outro, a pagar-lhe certo preço em dinheiro" (art. 481).

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Aqui, observamos a presença de três elementos essenciais: o consentimento, a coisa e o preço. Aliás, o art. 482 do mesmo Código, declara-os obrigatórios à perfeição do contrato de compra e venda. Eis o seu conteúdo, in verbis:

"A compra e venda, quando pura, considerar-se-á obrigatória e perfeita, desde que as partes acordarem no objeto e no preço".

Na realidade, o elemento consentimento é pressuposto de qualquer espécie de contrato, por ser um elemento indispensável à sua formação. Ele não é um elemento específico do contrato de compra e venda, mas sim um elemento comum à formação de qualquer contrato. Assim, é imprescindível o acordo de vontade entre as partes contratantes, desde que estas sejam capazes. Se forem incapazes, deverão estar devidamente assistidas ou representadas, sob pena de tornarem anuláveis ou nulos os contratos.

Em conclusão, para a configuração da compra e venda, são indispensáveis três elementos essenciais: res, pretium et consensus ...

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