Da interpretação das Leis

AutorBassil Dower, Nelson Godoy
Ocupação do AutorProfessor Universitário e Advogado em São Paulo
Páginas59-71

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4. 1 Generalidades

Dentre todos os campos de estudo, abertos à investigação do Direito, nenhum há mais apaixonante nem mais útil do que aquele que se refere ao problema da interpretação das leis, pois muitas vezes o legislador expressa mal a sua vontade, ou não revela claramente o seu pensamento, decorrendo, daí, um desequilíbrio aparente entre o texto da lei e o seu espírito. Por isso, criaram-se os métodos de interpretação que têm por finalidade a pesquisa da veracidade, no sentido de ser declarado o que, realmente, estabelece a lei.

O estudo da interpretação das leis não só é de grande interesse, como também imprescindível, se verdadeiramente quisermos triunfar no campo jurídico.

O juiz, em face da controvérsia suscitada, formará seu livre convencimento em face da lei, ante a postulação e a oposição das partes em conflito. Procurará assim, no ordenamento jurídico, a norma aplicável à causa. Se a lei for clara, será desnecessário qualquer trabalho interpretativo e o juiz aplicá-laá mesmo que lhe pareça injusta; quando ela se prestar a dois ou mais significados divergentes e contraditórios, por ser ambígua, obscura, sua interpretação será necessário para determinar-lhe o sentido, a vontade, a extensão.

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A matéria relativa à interpretação das leis é de importância máxima, pelos infinitos problemas que oferece, tais como ambigüidade do texto, má redação, imperfeição de técnica, matéria não codificada ou má distribuída, dispositivos fora de lugar, etc.

Por outro lado, a sociedade evolui, o progresso cria situações novas, e as leis envelhecem, por não acompanharem esse desenvolvimento, esse progresso. Esta é a principal razão pela qual elas não devem ser casuísticas33, mas apenas estabelecer os princípios gerais, a fim de poderem se ajustar ao progresso social, pela renovação constante que lhes dá a arte da interpretação.

Finalmente, considerando-se não ser lícito ao juiz eximir-se ao julgamento de qualquer controvérsia que seja submetida à sua autoridade, mesmo sob o pretexto de ser a lei obscura ou lacunosa, impõe-se, a cada momento, a intervenção do intérprete.

Ao intérprete cabe a tarefa de adaptar, de ajustar a lei, sob seus inúmeros aspectos, morais, econômicos, políticos, às novas necessidades, às novas atividades sociais e jurídicas. O intérprete é o renovador inteligente, prudente e culto da lei. É, portanto, o sociólogo do Direito. Seu trabalho fecunda, rejuvenesce a norma jurídica, amoldando-a ao progresso social. Enfim, sua presença, em certas ocasiões, é de alta relevância, pois é ele quem irá restabelecer o sentido da norma, pesquisando a sua mens legis (o espírito da lei).

Cumpre, porém, estabelecer a distinção entre interpretar e comentar a lei. O comentador pode apreciar a norma, compará-la com a estrangeira, considerada boa ou má, oportuna ou não, bem elaborada ou não, ao passo que ao aplicador da lei não compete julgá-la. Seu dever é procurar a vontade da lei, seu sentido, sua extensão, enfim, sua melhor aplicação.

Uma lei pode ser vista através de vários ângulos. Quando vista pelo ângulo da defesa, por exemplo, apresenta-se sob certo aspecto, quando não, sob um outro aspecto. Aqui reside a beleza do Direito que não é ciência exata. Quem não tem senso jurídico formado, educado, apurado, tira do texto da lei as conclusões mais absurdas. É aqui que se distingue o jurista, do rábula34, o jurisperito, do chicaneiro35.

Na verdade, a interpretação nada mais é do que uma operação mental que praticamos a cada momento. Tudo se interpreta. Inter-pretam-se os gestos, os fenômenos da natureza, as palavras, os sonhos.

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Em direito, interpreta-se até o silêncio. O provérbio popular segundo o qual "quem cala consente", tem o seu sentido jurídico que é o consentimento tácito, subentendido.

O que é, afinal, interpretar em sentido jurídico? O que significa interpretar uma lei, um texto legal?

Interpretar é o processo lógico pelo qual se precisa e se determina o sentido da lei. É procurar o pensamento, o alcance do texto, a vontade da lei. É apurar o significado objetivado no texto legal. A propósito, afirma Francisco Carnelutti, "a interpretação serve para conhecer o que o legislador pensou".36

4. 2 Métodos de interpretação

A operação que tem por fim precisar o exato sentido da lei jurídica chama-se interpretação. Existem diversos métodos ou processos à disposição do intérprete em busca do exato sentido da lei.

Em relação à origem, a interpretação pode ser autêntica, jurisprudencial e doutrinária.

Autêntica, quando fornecida pelo próprio legislador que, por ato subseqüente, fixa o verdadeiro sentido da norma jurídica. É, portanto, realizada pelo próprio legislador, por meio de uma outra lei.

Jurisprudencial é a interpretação dada pelos tribunais por ocasião de suas decisões. Trata-se da jurisprudência consistente no conjunto de reiteradas decisões dos tribunais sobre determinada matéria.

Doutrinária é a ministrada pelos escritores de livros de Direito, através dos seus respectivos compêndios.

Existem outras técnicas para auxiliar o aplicador do direito na sua tarefa de interpretar. No que tange aos meios de interpretação, esta pode ser literal ou gramatical, lógica, histórica, sistemática e sociológica.

Pela interpretação gramatical, o intérprete se baseia em regras da lingüística. Ela é também chamada literal porque se procura o sentido das palavras e das frases pela aplicação das regras da linguagem ou do processo gramatical. O intérprete examina, então, cada vocábulo, cada período em busca do significado que o legislador quis dar a determinada palavra que foi

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incorporada ao texto. Quando o dispositivo é uma regra de restrição de direito, a interpretação literal é a indicada. Por exemplo, o art. 68, § l.º, da Lei 8.245/91 é expresso. Segundo ele não cabe ação revisional na pendência de prazo para desocupação do imóvel locado. Há o artigo 78 da mesma lei que permite a notificação da denúncia pelo locador, concedido o prazo de doze meses para a desocupação do prédio alugado. Ora, tendo o art. 68 referido apenas aos artigos 46 e 57 da mesma lei, silenciando quanto ao art. 78, que cuida da denúncia das locações residenciais celebradas antes do seu advento, e que estejam vigendo por prazo indeterminado, pela interpretação literal, nada impede, durante o prazo de doze meses, a presença da ação revisional do aluguel, visto ser o § l.º do referido art. 68 uma norma de caráter excepcional ou uma exceção à regra geral do cabimento da ação revisional. Interpretam-se as exceções restritivamente, ou seja, elas só abrangem os casos específicos.

Se a interpretação gramatical não se mostra à altura para eliminar a dúvida existente, recorre-se à interpretação lógica, ocasião em que o intérprete procura descobrir a intenção do legislador, analisando o texto de lei em confronto com outro, a posição do artigo no corpo da lei, no título e capítulo a que está submetido, etc..

Há, ainda, a interpretação histórica que é de alta valia. Aqui o intérprete lança mão dos trabalhos preparatórios dos quais resultou a lei, a discussão parlamentar e o momento histórico que determinou o aparecimento do preceito. Através desse processo, haverá uma investigação visando reconstruir o pensamento e a vontade do legislador, onde se compara o dispositivo sujeito à exegese37com outros do mesmo repositório ou de leis diversas, mas referentes ao mesmo objeto.38

Não devemos nos esquecer da interpretação sistemática pela qual o intérprete compara a lei com as demais leis que regulamentam a matéria, como p. ex., o texto constitucional pertinente à família e com o livro IV do Código Civil que trata do Direito de Família confrontando os dois textos em harmonia com o sistema jurídico.

Finalmente, há o processo sociológico. Por este método de investigação, a lei deve se harmonizar com as necessidades e tendências da sociedade. Visto ser o Direito um fenômeno eminentemente social, as leis deverão ser traçadas pelo ordenamento político, visando, sobretudo, ao bem estar do indivíduo na sociedade.

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Não se pode compreender a causa de uma lei, sem que primeiro se conheça todos os fenômenos que em conjunto formam a vida econômica e jurídica do país. Deste conjunto fazem parte principalmente a língua, a religião, a arte, a ciência e o bem-estar das pessoas.

É importante e necessária uma penetração profunda na lei, para melhor compreendê-la e interpretá-la. Somente o método sociológico encara o Direito à luz dos fenômenos sociais. E não nos esqueçamos de que as leis são feitas sempre no interesse da sociedade39. Este é o fundamento do artigo 5.º da Lei

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de Introdução ao Código Civil, in verbis:

"Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum".

Mas o problema do fim social enfocado aqui não tem sido de fácil equacionamento. Para tentar compreender a questão, analisemos uma situação muito comum na época atual:

A Lei do Inquilinato (Lei 8.245/91), em seu art. 19, determina que a revisão judicial do aluguel poderá ser...

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