Da reparação das ofensas àsliberdades do trabalhador

AutorAlexandre Agra Belmonte
Páginas235-254

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21.1. Do prévio exame das restrições às liberdades no ambiente de trabalho

Como visto, o exame dos limites às liberdades no ambiente de trabalho depende da verificação prévia do ajuste entre os direitos fundamentais dos trabalhadores e os demais direitos fundamentais assegurados pela Constituição, entre eles, a liberdade de iniciativa, da qual decorre o poder diretivo, característico do contrato de trabalho.

O poder diretivo, decorrente da livre-iniciativa, não pode ofender a dignidade do trabalhador e nem atentar contra os direitos fundamentais que a embasam, mas, por seu turno, o exercício, pelo trabalhador, de seus direitos fundamentais não pode contrariar a realização da finalidade principal da empresa e nem gerar o descumprimento do contrato de trabalho, estabelecido com base na lealdade e boa-fé.

Como os direitos tutelados por tais princípios (os direitos fundamentais do trabalhador e a liberdade de iniciativa patronal) não são hierarquizados, tem-se que as tensões decorrentes devem ser analisadas em concreto. As prestações das partes, inerentes ao contrato e sua funcionalidade, estão sujeitas à interpretação e aplicação do direito, de modo a obter-se a concordância prática, resultante da Constituição como unidade. A máxima efetividade dos valores constitucionais ou sua otimização leva à ponderação dos interesses em questão, na busca da harmonização da ampla

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liberdade com a mais ampla autonomia negocial. E essa efetividade deve ser obtida por meio da aplicação conjunta dos princípios da proporcionalidade, que conjuga, a um só tempo, necessidade, adequação e vedação ao excesso, e da razoabilidade.

O princípio da proporcionalidade deve ser utilizado na busca da adequação ou pertinência (do meio utilizado), necessidade ou exigibilidade e a proporcionalidade (comparação entre a importância da realização do fim e a intensidade das restrições aos direitos fundamentais)151 para o alcance legítimo de um direito, na comparação com outro, exigindo assim relação de causalidade entre um meio (medida tomada pelo legislador, magistrado ou administrador para se atingir um fim) e um fim (ou estado desejado de coisas), de maneira a permitir o exame sob os três aspectos citados.

Ponderando-se interesses, quando houver colisão de dois ou mais princípios orientadores dos interesses em jogo, dever-se-á procurar o respectivo balanceamento, de maneira que permita, conforme o peso atribuído pelo sistema aos princípios conflitantes, a prevalência de um sobre o outro ou a harmonização, de sorte que ambos, conciliados, continuem a reger o caso concreto. O sopesamento de fins a serem alcançados e de bens e interesses protegidos diante da situação concreta é que determinará que princípio, segundo os valores vigentes, será o mais apto para a resolução da tensão.

O princípio da razoabilidade, por seu turno, deve ser utilizado na busca do exercício racional, moderado, comedido do próprio direito: impõe a harmonização da norma geral com os casos individuais, de modo a compatibilizar as normas gerais e abstratas com as individualidades do caso concreto (exame da equidade); exige sintonia entre as normas e as suas condições externas de aplicação (exame da congruência); e impõe uma proporção justa entre a medida e o critério adotado para atingir a finalidade dessa medida (exame da equivalência).152

Ora, para que se possa limitar, num caso concreto, um direito fundamental do candidato ou do trabalhador, será preciso averiguar se a limitação é necessária e proporcional para o alcance do objetivo pretendido. Estando em jogo a livre- -iniciativa e a liberdade do trabalhador e tendo ambos os direitos igual dignidade constitucional, deve-se optar pela solução que consiga o equilíbrio menos restritivo aos interesses em jogo, ou seja, que o sacrifício de cada um dos bens jurídicos constitucionalmente protegidos seja adequado e necessário a salvaguardar outro. Vale dizer que a opção seja pela mínima compressão de cada um dos valores em jogo, de modo que a solução tenda a possibilitar a liberdade de iniciativa, limitando o mínimo possível o exercício da liberdade do trabalhador.

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Com fundamento nas lições de Canotilho, Humberto Ávila, José Carlos Vieira de Andrade e Robert Alexy, pode-se recorrer, como propõe Fábio Gomes153, a critérios que, aplicados às relações trabalhistas, serviriam para a verificação da legitimidade da conduta patronal diante da tentativa de limitação da liberdade de pensamento do trabalhador. São eles:

  1. a identificação da liberdade fundamental sob restrição;

  2. a delimitação da finalidade da limitação do direito fundamental;

  3. a observação da relação de coerência entre a limitação ao exercício do direito fundamental sob análise e a atividade profissional desempenhada pelo trabalhador;

  4. a identificação da espécie de coerência decorrente dessa observação: se forte ou mais intensa, propõe a análise da extensão sob o postulado da proibição do excesso; se fraca ou menos intensa, sustenta ser indispensável a ponderação dos bens em confronto, para o estabelecimento de uma relação de preferência.

Procura-se primeiro identificar, no caso concreto, o tipo de liberdade que o empregador pretende limitar.

Em seguida, faz-se a verificação da finalidade da restrição.

Ato contínuo, a comparação entre a restrição imposta e sua coerência com os objetivos do contrato e a finalidade da empresa.

Não havendo coerência, descarta-se a restrição; havendo, faz-se a ponderação para verificação se é adequada, necessária, útil e razoável aos fins pretendidos e até que ponto.

Assim, não se justifica que um professor, que não utiliza um livro erótico de sua autoria ou as ideias nele contidas como material de ensino, venha a ser despedido por tê-lo escrito. É incabível a restrição ao direito fundamental de liberdade de expressão, que não tem relação com a atividade profissional do trabalhador. Como também não se justifica que o candidato a emprego tenha que informar dados reveladores de sua intimidade ou vida privada. Ou que o empregado fique proibido de deixar o estabelecimento por ter desaparecido um bem da empresa. Ou mesmo de que se obrigue a trabalhar para a empresa durante certo tempo após a conclusão de curso de aperfeiçoamento por ela custeado, sob pena de devolução do investimento feito. Mas é viável a proibição de que o empregado se esfregue nas escadas com uma colega de trabalho, ou de que não faça, no ambiente de trabalho, discursos de natureza sindical.

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21.2. Da reparação às restrições das liberdades: noções gerais

Duas espécies de direitos podem ser vislumbradas nas relações de trabalho: direitos econômicos, que visam remunerar o trabalho prestado ou a cessação do contrato, como salários, adicionais, FGTS e indenização compensatória de 40%, e direitos da personalidade, extrapatrimoniais, próprios da condição humana e que visam dignificar o trabalhador e valorizar o trabalho. São eles: direitos à intimidade, vida privada, honra e imagem; à livre manifestação do pensamento, à liberdade de consciência, de crença, de comunicação, de expressão, informação e sexual; à igualdade de tratamento, ao tratamento respeitoso, ao trabalho livre e quantitativamente limitado; à vida, saúde, integridade física e subsistência; à greve e liberdade de associação profissional e sindical.

Os direitos de natureza econômica, quando violados, geram a responsabilidade patrimonial, mediante composição dos danos decorrentes do descumprimento das obrigações trabalhistas, abrangendo os danos emergentes e os lucros cessantes.

Embora seja comumente utilizada a expressão danos materiais como caracterizadora da responsabilidade patrimonial, nem sempre os danos materiais têm natureza patrimonial, a exemplo do dano estético, que é um dano material extrapatrimonial.

Em virtude da violação de direitos econômicos, pode o trabalhador postular a respectiva reparação via reclamação trabalhista individual e, se for o caso, além da reparação econômica, também a rescisão indireta do contrato, por violação das obrigações contratuais do empregador.

Nada impede que o sindicato ou o Ministério Público do Trabalho, diante de violações de natureza metaindividual, postule, em nome dos trabalhadores, por meio de Ação Civil Pública, a cessação da infringência e a reparação dos danos econômicos.

Por sua vez, os direitos da personalidade, quando ofendidos, são suscetíveis de gerar responsabilidade pelos danos morais decorrentes.

Danos morais são, portanto, os resultantes da violação dos direitos da personalidade. E as violações às liberdades são violações aos direitos da personalidade.

A ofensa a direitos da personalidade do trabalhador podem gerar a postulação de danos morais compensatórios e, dependendo da hipótese, também a resolução culposa do contrato. Pode fazê-lo, ele próprio, mas também, por substituição, o sindicato ou o Ministério Público do Trabalho, diante de violações de natureza metaindividual, por meio de Ação Civil Pública em que se busque a tutela necessária à cessação da infringência, além da reparação dos danos morais.

Os danos morais podem ser individuais e coletivos. São individuais os decorrentes das violações à integridade valorativa, física e psicológica da personalidade da

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pessoa humana, a exemplo das ofensas à honra, saúde e liberdade de expressão do...

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