Da delegação da atividade de infraestrutura

AutorAugusto Neves dal Pozzo
Páginas111-137
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5.1 Considerações preliminares
Consoante já explicitado no presente trabalho, a atividade admi-
nistrativa de infraestrutura encontra-se estruturada no rol das atividades
que são delegáveis aos particulares, que poderão exercê-la em nome do
Estado, de forma a colaborar, em espírito de convergência, com a ob-
tenção dos desideratos públicos, sem prejuízo do retorno financeiro do
capital investido.
Deve-se registrar que a construção delegatória de certas atividades
administrativas foi, desde sempre, uma prática bastante engenhosa, uma
vez que o Estado se mantém como seu titular, mas angaria particulares
para lhe auxiliar com sua missão, em troca de um determinado resulta-
do financeiro. A equação que se coloca é a seguinte: sob o ponto de
vista do Estado, a visão é a de proteger o interesse público incutido na
provisão, manutenção e operação de ativos públicos, por sua enorme
relevância no seio da coletividade; sob o ponto de vista do investidor,
trata-se de uma enorme operação financeira em que serão aportadas
quantias volumosas de recursos com o intuito de obter o retorno desses
investimentos.
Mas, é fundamental que o investidor que pretende alocar recursos
em ativos de infraestrutura tenha uma compreensão diferenciada acerca
desse mercado; é necessário que sua visão ultrapasse uma política cor-
porativa meramente especulativa, sobrepujando-a. O investimento em
infraestrutura tem uma dimensão qualificada, ele transforma a realidade
econômica e social, altera vivamente o entorno coletivo. Não se trata,
portanto, de uma simples aplicação financeira pela ótica rentista; aqueles
que se amesquinham nessa visão (que nada tem de romântica, diga-se
de passagem, ela é absolutamente real e pragmática e deve permear o
capitalismo na maioria das atividades econômicas), não conseguem ob-
ter os resultados granjeados. A cultura empresarial dos investidores em
infraestrutura deve estar minimamente afeta a esse espírito público,
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AUGUSTO NEVES DAL POZZO
exige-se uma vitalidade diferenciada, uma postura corporativa singular,
um conhecimento inequívoco desse complexo e intrigante fenômeno
das contratações públicas, manejada para o fim de atender a um núme-
ro altamente expressivo de beneficiários.
Essas ponderações têm alta relevância jurídica, uma vez que todo
esse cenário se encontra positivado nas normas jurídicas que disciplinam
as relações jurídicas delegatórias, devendo, portanto, as decisões empre-
sariais que advenham de tais projetos serem empreendidas a partir dessas
relevantes premissas. Se o Brasil é um país “impiedoso com os princi-
piantes”, atuar em contratos de infraestrutura de maneira séria é apenas
para um seleto grupo de investidores, que detenham inequívoca cons-
ciência desse intricado e instigante cenário.
O espírito que deve nortear toda essa relação é de convergência,
cada um, obviamente, buscando salvaguardar seus interesses, mas com
o objetivo único e final de prover, operar e manter ativos públicos que
obrigatoriamente atinjam os resultados tracejados.
Trata-se, verdadeiramente, da aplicação da teoria dos “contratos
relacionais”. Sua premissa é simples: há contratos em que as partes esta-
rão vinculadas por muitos e muitos anos. Nesses casos, então, é espera-
do que elas atuem de modo convergente, ainda que o elemento sina-
lagmático sempre se faça presente; há a necessidade de atuação volun-
tária em favor de preservar o contrato para ambas as partes, e não apenas
a busca de cada lado do sinalagma.
A teoria dos contratos relacionais é largamente creditada a Ian
Roderick MacNeil.124 Segundo o distinto professor norte-americano, a
teoria das “normas relacionais” funda-se em quatro princípios: a integri-
dade dos papéis dos contratantes; a preservação da relação; a harmonização do
conflito relacional e as normas supracontratuais.125
124 O desenvolvimento da sua teoria encontra-se aprofundada em sua obra The new social
contract. London: Yale University Press. No Brasil, a difusão dessa teoria deve-se à obra
de Ronaldo Porto Macedo Jr. Cf. Contratos relacionais e defesa do consumidor. São Paulo:
Max Limonad, 1998, pp. 147-153.
125 MACNEIL, Ian Roderick. The new social contract. London: Yale University Press,
1980, pp. 65-70.

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