Da divisão do exercício da função jurisdicional - a competência

AutorRodrigo Klippel
Páginas289-320
CAPÍTULO 6
DA DIVISÃO DO EXERCÍCIO DA FUNÇÃO
JURISDICIONAL – A COMPETÊNCIA
1. INTRODUÇÃO
Competência designa, de uma forma mais ampla, a divisão do exercício de uma
das três funções essenciais do Estado, que são a (i) legislativa, a (ii) executiva ou ad-
ministrativa e a (iii) jurisdicional, segundo critérios f‌ixados pelo legislador.
Dessa forma, fala-se em competência legislativa, querendo-se indicar a parti-
lha, dentre os entes federativos (União, estados e municípios), da função de criar
os diplomas legislativos. Fala-se em competência administrativa ou executiva para
indicar que parcela dos atos dessa natureza (atos administrativos) deve ser praticada
por cada um dos entes acima elencados.
Nenhuma dessas duas espécies de competência interessa, diretamente, à ciência
processual civil, visto que aqui se deve tratar da competência jurisdicional, que, a
partir de agora, será denominada, simplesmente, de competência.
2. CONCEITO DE COMPETÊNCIA E INTRODUÇÃO AO SEU ESTUDO
Chiovenda, cujos estudos sobre a competência inf‌luenciaram de forma marcante
o Direito brasileiro, a def‌ine como o conjunto de causas nas quais o órgão jurisdi-
cional pode exercer, segundo a lei, a jurisdição, e, num segundo sentido, entende-se
por competência essa faculdade do órgão jurisdicional considerada nos limites em
que lhe é atribuída.1
O conceito do mestre italiano enfoca, com mais vigor, o conteúdo das regras
de competência, que estabelecem um conjunto de situações de direito material que
devem ser julgadas, segundo a lei, por determinado órgão jurisdicional.
A competência, ou seja, o conjunto de atribuições jurisdicionais dos órgãos
públicos aptos a exercitarem essa função essencial do Estado (órgãos do Judiciário,
ou até mesmo de outros poderes), decorre de regras de competência.
Como o próprio Chiovenda ressalta,2 no estudo da competência sobressai a
análise dos critérios que o legislador emprega para criar as normas jurídicas respon-
sáveis por f‌ixá-la em determinado órgão jurisdicional (as normas de competência).
1. CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil, v. II. 2 ed. Campinas: Bookseller, 2000, p.
183.
2. CHIOVENDA, Giuseppe. op. cit., p. 184.
Curso de Direito Processual Civil_Vol01.indb 289 07/02/2018 16:55:38
TEORIA GERAL DO PROCESSO & TEORIA DO PROCESSO CIVIL BRASILEIRO • RODRIGO KLIPPEL
290
Por esse motivo, mais à frente serão analisados todos esses critérios determi-
nativos da competência, adotados pelas regras de competência. Antes disso, porém,
é imperativo fornecer ao leitor, que em muitos casos terá esta obra como primeira
fonte de estudo da Teoria Geral do Processo e da Teoria do Processo Civil Brasileiro,
um vocabulário essencial para a compreensão das regras de competência.
Após essa providência inicial, será enfocada a chamada competência interna-
cional, que é o conjunto de regras que regula os limites da validade, em território
nacional, de decisões proferidas em Estados estrangeiros, no exercício de sua função
jurisdicional. É um tema que invoca, sem sombra de dúvidas, a ideia de soberania e
que é importante que se conheça, principalmente devido ao fenômeno geopolítico
de agrupamento dos Estados Nacionais em blocos, como são exemplos a União Eu-
ropeia, a mais avançada e bem-sucedida empreitada nessa área, e o Mercosul.
3. VOCABULÁRIO ESSENCIAL PARA A COMPREENSÃO DA DIVISÃO DE
COMPETÊNCIAS
Quando as regras de competência são estudadas, ou quando são aplicadas na
prática forense, é muito comum que certas expressões e palavras sejam empregadas
com frequência, embora nem sempre se realize um estudo formal sobre elas.
Com o f‌im de suprir essa lacuna, são dadas algumas dessas def‌inições, com base
em excelente texto de Dinamarco:3
1. Foro: “município ou pluralidade de municípios contíguos, que estão sujeitos
à competência de um ou vários juízes de primeiro grau”.4 Sinônimo de foro
é comarca. Ex.: Foro ou Comarca de Angra dos Reis; Foro ou Comarca de
Belo Horizonte, etc.
2. Comarca: o mesmo que foro.
3. Fórum: é o imóvel onde se concentra o órgão jurisdicional ou os órgãos
jurisdicionais de uma comarca, bem como os cartórios judiciais.
4. Juízo: signif‌ica cada um dos órgãos jurisdicionais que estão instalados na
comarca. Assim sendo, na Comarca de Cachoeiro de Itapemirim, no Espírito
Santo, há diversos juízos, como a 1ª Vara Cível, a 1ª Vara Criminal, a 1ª Vara
de Família, etc.
5. Vara: o mesmo que juízo. Trata-se de nome utilizado com mais frequência
do que juízo, na prática forense.
6. Seção judiciária: é o nome que se dá a uma divisão própria da Justiça Fede-
ral. Segundo a Constituição Federal estipula, no art. 110, cada estado da
Federação forma uma seção judiciária da Justiça Federal, responsável por
3. DINAMARCO, Cândido Rangel. Vocabulário de direito processual. In: Fundamentos do processo civil moderno,
v. I. 3 ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 184 e ss.
4. DINAMARCO, Cândido Rangel. op. cit., p. 184.
Curso de Direito Processual Civil_Vol01.indb 290 07/02/2018 16:55:38
291
Capítulo 6 • Da DIVISÃo Do EXERCíCIo Da FuNÇÃo JuRISDICIoNal – a CoMpEtÊNCIa
julgar, nesses limites territoriais, as causas previstas no art. 109 da CF/88.
Sua sede será na capital do estado. Caso todas as varas da Seção Judiciária
da Justiça Federal se localizem na sede, ela corresponderá à única comarca
da Justiça Federal.
7. Circunscrição judiciária: cada seção judiciária da Justiça Federal, segundo
suas necessidades, pode instalar varas em outras áreas do estado federado, o
que ampliará as comarcas da Justiça Federal. Na Seção judiciária do Espírito
Santo, por exemplo, existem varas federais em alguns municípios do interior:
(i) Cachoeiro de Itapemirim; (ii) Colatina; (iii) Linhares e (iv) São Mateus.
Essas divisões formam as circunscrições judiciárias, ou seja, comarcas da
Justiça Federal.5
8. Jurisdição: para f‌ins de estudo da competência, o termo jurisdição designa
cada uma das várias estruturas em que se divide o Poder Judiciário brasilei-
ro. Fala-se, pois, em competência de jurisdição quando se quer estabelecer
qual dos ramos do Judiciário ou qual de seus órgãos superiores deve ser o
competente para a análise de um caso concreto. Essa nomenclatura será bas-
tante útil quando se estudar, mais à frente, como se deve, ante uma situação
concreta, determinar qual órgão jurisdicional é competente para processá-la
e julgá-la.
9. Instância: signif‌ica grau de jurisdição. A função jurisdicional é exercida em
etapas, visto que o ordenamento, em regra, garante o direito à reapreciação
das decisões judiciais. Diz-se jurisdição de primeiro grau a função de apreciar
uma situação jurídica em primeiro lugar, originariamente (primeira instân-
cia). Jurisdição de segundo grau refere-se ao exercício da função jurisdicio-
nal em grau recursal (segunda instância). A competência para apreciação
em primeiro grau é chamada competência originária. A de segundo grau,
competência recursal. Todo órgão jurisdicional possui competências origi-
nárias e recursais, que se aferem a partir da legislação pertinente. Exemplo
perfeito disso está descrito nos arts. 102 e 105 da Constituição Federal, que
discriminam as competências do STF e do STJ.
10. Entrância: é uma divisão e classif‌icação administrativa das comarcas, segundo
seu tamanho e grau de importância. Comarcas de 1ª entrância são aquelas
mais acanhadas, dotadas de menor número de processos e que atendem
a populações menores. Comarcas de 3ª entrância são as que existem em
realidades jurisdicionais mais complexas. O Poder Judiciário Capixaba,
5. Pela clareza da lição, transcreve-se passagem de Dinamarco: “Na Justiça Federal, circunscrição judiciária
é o foro federal de primeiro grau de jurisdição. A Constituição diz que cada estado constitui uma seção
judiciária e, enquanto todo o estado era servido por juízes federais localizados exclusivamente na Capital, o
foro federal era f‌isicamente representado por toda a área territorial estadual. Depois, vários estados vieram
a ser repartidos geograf‌icamente, com juízes federais sediados também em certas cidades do interior. São
circunscrições judiciárias as porções territoriais resultantes dessa divisão de cada estado”. DINAMARCO,
Cândido Rangel. op.cit., p. 187.
Curso de Direito Processual Civil_Vol01.indb 291 07/02/2018 16:55:38

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT