Da eficácia preclusiva da coisa julgada no Brasil.
Autor | Letícia Antunes Tavares |
Páginas | 477-492 |
DA EFICÁCIA PRECLUSIVA
DA COISA JULGADA NO BRASIL1
Letícia Antunes Tavares
Doutoranda em Direito do Estado pela Faculdade de Direito da Universidade de São
Paulo. Cursou “Master in Comparative Law” pela Samford University/EUA. Especialista
em Direito Público pela Escola Paulista de Magistratura. Juíza de Direito do Tribunal
de Justiça de São Paulo.
Sumário: 1. Introdução – 2. Da importância do tema – 3. Breves considerações sobre a coisa
julgada – 4. Da ecácia preclusiva da coisa julgada; 4.1. Considerações iniciais; 4.2. Denição
e previsão legal; 4.3. Extensão e função da ecácia preclusiva da coisa julgada; 4.4. Objeto
do efeito preclusivo; 4.4.1. Limite temporal; 4.5. Limite objetivo da ecácia preclusiva da
coisa julgada; 4.6. Limite subjetivo da ecácia preclusiva da coisa julgada – 5. Conclusão –
6. Referências bibliográcas.
1. INTRODUÇÃO
A coisa julgada é tema que suscita muitas discussões no direito processual. Nada
obstante, trata-se de instituto de índole constitucional, com previsão expressa na
nossa Lei Maior, ao qual se confere a estatura de direito fundamental, tendo em vista
sua importância para a pacificação de conflitos e para a garantia da segurança jurídica.
Além da previsão constitucional, a coisa julgada vem definida e bem delineada
pela legislação processual civil. Com efeito, o código atual trouxe importantes ino-
vações, tratando do tema em seus artigos 502 a 508.
A novel legislação, na esteira da antiga, toma como base o conceito de coisa
julgada delineado por Liebman, tratando o instituto como uma qualidade da decisão
de mérito não mais sujeita a recurso.
Analisando-se o assunto, uma questão de especial importância vem a lume: a
eficácia preclusiva da coisa julgada, considerada o escudo protetor do instituto, ou
um meio de defesa da imutabilidade da coisa julgada.
E este estudo terá por objetivo aprofundar o tema, com vistas a definir a eficá-
cia preclusiva da coisa julgada, analisar seus limites, funções e extensão no direito
brasileiro. Antes, porém, para melhor compreensão do assunto, de rigor se faz uma
1. Este artigo reproduz em parte o trabalho apresentado como requisito para conclusão da disciplina “Estudo
da Coisa Julgada e outros Institutos de Imunização da Decisão Judicial no Processo Civil Brasileiro”, cursada
na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, sob a regência do Professor homenageado, Des.
Walter Piva Rodrigues, com o auxílio dos Profesores Rodolfo da Costa Manso Real Amadeo, Luiz Dellore,
Daniel Zveibil, Marco Antonio Perez de Oliveira e Júlio César Bueno.
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LETÍCIA ANTUNES TAVARES
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breve análise do instituto da coisa julgada e de sua relevância no ordenamento jurí-
dico brasileiro.
2. DA IMPORTÂNCIA DO TEMA
Segundo Cândido Rangel Dinamarco (2017:356), a coisa julgada é instituto
de direito constitucional, assegurando a imunidade de situações consumadas, com
vistas à garantia de segurança jurídica, um dos valores mais caros nas democracias
modernas.
A importância da segurança jurídica como valor a ser assegurado pelo instituto
da coisa julgada é assinalada por José Carlos Barbosa Moreira (1988:99): “os litígios
não devem perpetuar-se. Entre os dois riscos que se deparam – o de comprometer
a segurança da vida social e o de consentir na eventual cristalização de injustiças –,
prefere o ordenamento assumir o segundo”.
Dita o artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal que “a lei não prejudicará
o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. Referida disposição
constitucional se encontra inserida no rol dos direitos e garantias fundamentais do
indivíduo, tratando-se, portanto, de cláusula pétrea, nos termos do artigo 60, pará-
Tal garantia já havia sido reconhecida pelos constituintes de 1934 (art. 113,
“3”), 1946 (art. 141, §3º), 1967 (art. 150, §3º) e 1969 (art. 153, §3º), perdurando
até a atualidade, o que reforça sua importância.
Segundo Celso Neves (1971:237), foi a Constituição de 1934 que inseriu a coisa
julgada no sistema constitucional positivo brasileiro e de forma apartada do alcance
retroativo das leis. E, como se nota, referido direito foi reconhecido em diversos
outros diplomas constitucionais brasileiros, com exceção da Constituição Imperial,
da Constituição Republicana e da Carta de 1937.
Nada obstante, na vigência da Constituição do Império de 1824 foi editado o
Regulamento 737 de 1850, que, em seu artigo 185, arrolava a coisa julgada como
uma forma de presunção de verdade absoluta, decorrente da sentença, mesmo
que houvesse prova em contrário (DELLORE, 2013:23/24). Ainda, na vigência da
Constituição de 1891, houve a promulgação do Código Civil de 1916, que em sua
Introdução, artigo 3º, dispunha sobre o assunto.
2. Cabe aqui expor, brevemente, a divergência doutrinária acerca da interpretação do artigo 5º, inciso XXXVI,
da Constituição Federal, no que toca ao direito adquirido, de acordo com a lição de Ingo Wolfgang Sarlet e
Rodrigo Brandão (2013:1137). Tal discussão é pertinente, na medida em que, para alguns doutrinadores o
conceito de coisa julgada e ato jurídico perfeito se inserem na concepção de direito adquirido (MENDES,
2013:368). Para os autores (SARLET e BRANDÃO, 2013:1137), o entendimento majoritário é de que a
garantia constitucional citada possui status de cláusula pétrea, estando fora do alcance do constituinte
derivado. Porém, para uma corrente minoritária, a palavra “lei” empregada no artigo 5º, inciso XXXVI, da
Constituição Federal, deve ser interpretada como lei em sentido estrito, não sendo oponível ao constituinte
reformador.
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