Da estabilidade

AutorEduardo Gabriel Saad
Ocupação do AutorAdvogado, Professor, Membro do Instituto dos Advogados de São Paulo
Páginas729-739

Page 729

Art 492

O empregado que contar mais de dez anos de serviço na mesma empresa não poderá ser despedido senão por motivo de falta grave ou circunstância de força maior, devidamente comprovadas.

Parágrafo único. Considera-se como de serviço todo o tempo em que o empregado esteja à disposição do empregador.

Notas

1) Extinção da estabilidade decenal: O caput deste artigo foi tacitamente revogado pelo inciso I, do art. 7º da Constituição da República, porque nele se declara, expressamente que “a relação de emprego será protegida contra a despedida arbitrária ou sem causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos”. Consoante o art. 10, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, enquanto não se promulga a sobredita lei complementar, fica limitada a mencionada proteção a 40% da totalidade dos depósitos feitos na conta vinculada do empregado durante a vigência do seu contrato de trabalho (4 vezes o valor previsto na Lei n. 5.107/66 revogada pela Lei n. 7.839/89 e pela atual Lei n. 8.036/90). Inobstante mantemos o texto do caput do artigo em estudo porque ainda há empregados que adquiriram estabilidade no emprego sob o regime desta CLT.

A nosso ver, o parágrafo único desse artigo foi preservado e recebido pela Constituição de 1988, embora sua regra esteja contida no caput do art. 4º, desta Consolidação.

O novo escudo protetor da relação empregatícia é de deplorável fragilidade. A qualquer momento e mesmo sem qualquer motivo, pode o empregador dispensar o empregado, pagando-lhe as verbas indenizatórias previstas em lei.

Na situação anterior a 1967 — quando entrou em vigor a primeira Lei do FGTS — de n. 5.107/66, o empregado não optante e que permanecesse sob o amparo desta CLT durante dez anos, tornava-se estável e só podia ser dispensado devido a uma falta grave ou por motivo de força maior. Acontece que os empregadores, temerosos de que o estabilitário se tornasse um empregado displicente no desempenho de suas funções, adotavam como regra dispensar os empregados no sexto ou sétimo ano de serviço. Por via de consequência, o instituto da estabilidade decenal, por volta dos anos 60 do século XX, já se convertera em figura da arqueologia jurídica.

Parece-nos que o legislador deveria dar flexibilidade ao instituto em tela, sem tornar o empregado presa fácil do empresariado. Deveria aceitar a recomendação da Organização Internacional do Trabalho no sentido de que, vencido o prazo de experiência, a ruptura da relação empregatícia seja admitida por motivo de ordem técnica ou financeira ou por falta grave. Tal modelo de estabilidade, tem a necessária plasticidade para conciliar o natural anseio de segurança econômica do trabalhador com os imprevistos e vicissitudes a que está exposta a empresa.

2) Estabilidade no emprego e o fGTs: A Constituição de 1988, no inciso III, do art. 7º, faz remissão ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço. Esse inciso, associado ao I do mesmo artigo, dá-nos a certeza de que o legislador constituinte deixou o campo aberto a uma lei para prever a coexistência dos regimes da CLT e do FGTS. As Leis ns. 7.839/89 e 8.036/90 provam que o legislador ordinário deu preferência à fusão de dois regimes num só. Em razão desse fato, quem era estável antes da Carta de 1988, teve sua situação resguardada; quem contava alguns anos sem ser optante do FGTS antes de 5.10.88, se dispensado sem motivo justo, teria seu tempo anterior àquela data indenizado pelo art. 478 da CLT e, o posterior, pelo art. 18 da Lei n. 8.036/90; quem foi admitido depois da vigência da Constituição Federal, contará, apenas, com a indenização citada no art. 10, ADCT e a que nos referimos no item anterior. É certo que a própria Constituição abriu três exceções à regra abrigada no inciso I, do seu art. 7º:
a) empregado eleito dirigente sindical; b) empregado-membro da CIPA; e c) a empregada gestante.

2.1) Garantias da estabilidade convencional ou contratual:

Iterativa jurisprudência dos Tribunais do Trabalho cerca a estabili-dade contratual ou convencional das mesmas garantias que esta CLT oferece à estabilidade decenal. Embora entendêssemos que, no caso de violação da norma contratual ou convencional, seguida de dispensa sem justa causa do empregado, se deveria aplicar subsidiariamente os arts. 159, 1.056 e 1.059 do Código Civil por descumprimento de obrigação (arts.186 e 389 do Código Civil), curvamo-nos à torrente jurisprudencial.

2.2) Da estabilidade convencional e sua indenização pelo Código Civil: A estabilidade no emprego é a aspiração de todo trabalhador, em qualquer País do planeta. Quer, assim, protegerse contra os efeitos devastadores do desemprego, da ociosidade forçada, sobretudo escapar à impossibilidade de prover às necessidades básicas próprias e do grupo familiar.

No plano doutrinário, manifestaram-se várias propostas tendentes a concretizar aquele compreensível anseio de todo assalariado. Podemos agrupá-las em duas classes: a) a estabilidade absoluta que assegura o emprego em qualquer emergência; e b) a estabilidade relativa que cuida dessa garantia, mas, admitindo a ruptura do vínculo empregatício devido a questões econômicas ou financeiras, à retração do mercado consumidor, a mudanças técnicas ou operacionais no sistema produtivo e falta grave imputada ao empregado.

Esta última espécie de estabilidade — a relativa — tem múltiplas facetas distintivas, peculiares a cada país.

A Organização Internacional do Trabalho — OIT — adotou a estabilidade relativa, como também o Brasil com característica que a exacerbava: o desfazimento da relação de emprego só se legitimava no caso de o empregado incorrer em falta grave, devidamente apurada em inquérito perante a Justiça do Trabalho.

Com o advento da Constituição de 1988, extirpou-se do nosso ordenamento jurídico a estabilidade no emprego — como regra, mas aceitando umas poucas exceções em favor do dirigente sindical, da empregada gestante, do cipeiro, do membro de administração de cooperativa e da vítima do acidente do trabalho. Tais modalidades de garantia do emprego tinham duração predeterminada e, por isso, qualificadas de provisórias.

No novo regime constitucional, a garantia do emprego é feita por uma indenização equivalente a 40% dos depósitos realizados, obrigatoriamente, na conta do assalariado, mas, vinculada ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço.

A flexibilização da garantia do emprego é simples decorrência da economia de mercado praticada em quase todos os países do mundo.

A concorrência interna e externa a que está exposta a empresa gera toda a sorte de imprevistos, os quais impossibilitam o empregador de fazer previsões ou de assumir obrigações ab aeterno. Exemplificando: a) se o mercado consumidor se retrai, devido a fatores que não se atribuem ao empregador, seria um contrassenso obrigá-lo a manter o mesmo contingente de pessoal e, correlatamente, o mesmo ritmo de produção; b) se novos equipamentos exigem menor número de trabalhadores, não há como manter os excedentes.

Desde a década de 1990 do século passado — o XX — derrubaram-se as barreiras aduaneiras que protegiam a empresa nacional contra as investidas de seus concorrentes estrangeiros. A partir daí, tornou-se anacrônico o instituto da estabilidade disciplinado pelos arts. 492 a 500 da Consolidação das Leis do Trabalho.

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Nosso legislador maior optou por uma forma de estabilidade sobremodo elástica ao prescrever, no inciso I do art. 7º da Constituição da República, ser direito do trabalhador urbano ou rural, verbis: “ relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos...”.

O preceito completou-se com o disposto no inciso I, do art. 10 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias — ADCT —: “até que seja promulgada a lei complementar a que se refere o art. 7º, I, da Constituição — fica limitada a proteção nele referida ao aumento, para quatro vezes, da porcentagem prevista no art. 6º, caput e § 1º, da Lei n. 5.107, de 13 de setembro de 1966 (agora, Lei n. 8.036, de 11 de maio de 1990)”.

Confessamos não ser do nosso gosto tal maneira de garantir o emprego. Preferiríamos dar ao trabalhador brasileiro o que a OIT preconiza: legitimidade da dispensa do assalariado por motivo de ordem técnica, financeira ou de falta grave. Mas, a lei aí está e só nos resta cumpri-la.

De todo o exposto se infere que a estabilidade, na história do nosso direito do trabalho, sempre foi criação da lei.

De uns tempos a esta parte temos observado que, dentro e fora dos tribunais, se vem reconhecendo a estabilidade gerada por um contrato individual ou por pacto coletivo (acordo ou convenção coletiva de trabalho) e conferindo-lhe todos os efeitos previstos na CLT para a estabilidade de criação da lei.

Exemplos corroboradores da nossa assertiva:

  1. “O Reclamante foi admitido em 11.11.74 e demitido em 25.6.93, na vigência de acordo coletivo que assegurava estabilidade no emprego. A cláusula 52 do Acordo Coletivo de Trabalho com vigência de 1º.9.92 a 31.8.93 foi renovado no ACT 93/94 (cláusula 47) e subsequente. A Turma ao desconsiderar os acordos coletivos que, sem solução de continuidade, preservaram a garantia do emprego, violou o art. 7º, XXVI, da Constituição da República. Embargos (do Reclamante) conhecidos e providos. TST, SBDI-1, E-RR 351.381/1997.8, in DJU de 21.6.02, p. 594”;

  2. “Estabilidade contratual. Em 1985, o BNCC implantou novo Regulamento de Pessoal que estabeleceu em seu art. 122: “A pena de demissão de funcionários com mais de 10 (dez) anos de serviço efetivo só será aplicada com...

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