Da faixa de fronteira

AutorMelina Lemos Vilela
Páginas129-154

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3.1. A faixa de fronteira

Durante o Império, buscava-se, por meio de concessões a colocação de colonos nas regiões que atualmente são consideradas faixas de fronteiras, para poder povoar com urgência aquela região, de forma a colonizar e defender a posse como pode ser constatado pelo Aviso de 12 de Dezembro de 1594 e 1º de fevereiro de 1855, que autorizaram o Presidente da Província de Mato Grosso a fazer concessões a João José de Siqueira, na faixa de 10 (dez) léguas da fronteira com a Bolívia; pelo Aviso nº 123, de 27 de março de 1863, que cedeu terras a José Wesceslau Vasques da Cruz e também pelo Aviso nº 127, de 28 de março de 1863, concedendo terras ao Bacharel Abrão dos Santos Sá, na Província do Rio Grande do Sul168168. Percebe-se

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a partir dessas doações de terras que a faixa de fronteira nunca serviu para desenvolver tema de defesa nacional.

Atualmente, a Região da Faixa de Fronteira caracteriza-se geograficamente por ser uma faixa de até 150 km de largura, conforme previsto no § 2º, do art. 20, da Constituição Federal169, ao longo de 15.719 km da fronteira terrestre brasileira limitando-se com dez (10) países da América do Sul, abrangendo 588 (quinhentos e oitenta e oito) municípios de 11 Estados da Federação: Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará, Paraná, Rio Grande do Sul, Rondônia, Roraima e Santa Catarina. Essa área corresponde a 27% de todo o território brasileiro, com uma população de aproximadamente 10 (dez) milhões de habitantes170, uma extensão

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territorial de aproximadamente 143 milhões de hectares.171Deve ser observado que ao longo da história, ou seja, desde a Lei de Terras de 1850, a faixa de fronteira variou em sua largura de sessenta e seis quilômetros (66 km) ou dez (10) léguas, para cem quilômetros (100 km) e por último para cento e cinquenta quilômetros (150 km), aumentando assim a extensão de domínio da União.

3. 2 Área de segurança nacional

O Conselho da Defesa Nacional, criado pelo decreto nº 17.999, de 29 de novembro de 1927, tinha por finalidade o estudo e a coordenação de informações sobre todas as questões de ordem financeira, econômica, bélica e moral, relativas à defesa da Pátria.

Porém, somente após a revolução de 1930 é que se criou uma mentalidade de defesa nacional com

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caráter militar172, tanto que somente com a Constituição Federal de 1934 é que a Segurança Nacional, no título VI (arts. 159 a 167), obteve tratamento de ordem constitucional.

Essa Constituição, no seu art. 159, dispôs que “todas as questões relativas à segurança nacional serão estudadas e coordenadas pelo Conselho Superior de Segurança Nacional e pelos órgãos especiais criados para atender às necessidades da mobilização”.

Por meio do Decreto nº 23.873, de 15 de fevereiro de 1934, criou-se o Conselho da Defesa Nacional, que teve por finalidade proporcionar ao Governo Nacional os elementos necessários para que este pudesse resolver do melhor modo as questões relativas à defesa nacional, cabendo-lhe resolver principalmente as questões que interessassem ou exigissem a ação de mais de um ministério.

O Decreto nº 4.783, de 5 de outubro de 1942, e a Lei nº 2.597, de 12 de setembro de 1955, organizaram o Conselho de Segurança Nacional, criando a Comissão Especial da Faixa de Fronteira (CEFF) e definiram suas atribuições, quais sejam, a) instruir os pedidos relativos aos assentimentos

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previstos nesta lei, bem como os Processos de modificação ou revogação das autorizações concedidas;

  1. organizar o cadastro das terras, das indústrias e dos estabelecimentos da zona de fronteira; c) mandar proceder a exames e investigações locais; d) requisitar dos poderes públicos ou de particulares informações e elementos estatísticos necessários ao cumprimento de suas atribuições; e) cumprir as determinações emanadas do Conselho de Segurança Nacional; f) apresentar anualmente ao Conselho de Segurança Nacional relatório pormenorizado das suas atividades (art. 14 da Lei nº 2.597/1955).

Um fato que deve ser mencionado é que no Decreto-Lei n. 1.164, de 18 de março de 1939, o art. 19 dispunha que as concessões de terras feitas pelos governos estaduais na faixa de fronteira ficavam sujeitas à revisão173 por uma comissão especial, o que, no entender de Linhares Lacerda,

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desfaz por completo o pressuposto do exclusivo domínio da União.174Em sentido contrário, Benedito Marques afirma que “os atos praticados pelos Estados, sem observância das limitações impostas – respeito à faixa e obtenção prévia de assentimento –, eram considerados nulos175, ou seja, as terras alienadas pelos Estados que fossem localizadas na faixa de fronteira seriam consideradas nulas.

Em relação a segurança nacional na faixa de fronteira, Arnaldo Rizzardo assevera que “a faixa de fronteira não é somente um bem imóvel da União, mas uma área de domínio sob constante vigilância e alvo de políticas governamentais específicas relacionadas, sobretudo, às questões de segurança pública e soberania nacional”.176O Tribunal Regional Fedaral da 4ª Região já consignou que “a defesa das fronteiras se faz com a fixação do homem na terra, cultivando-a como sua e

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tornando-a produtiva. Os valores comunitários nacionais não correm risco algum nas fronteiras meridionais do Brasil e fornecem, aqui, um exemplo ao mundo de convivência harmoniosa e pacífica de três pátrias sem guerras por mais de cem anos”.177

3. 3 Faixa de fronteira e zona de fronteira

Ao verificar a jurisprudência nacional constatase que muitas vezes é encontrada a expressão “zona de fronteira”. É necessário, portanto, distinguir neste tópico as duas expressões: faixa de fronteira e zona de fronteira.

Observa-se que a Constituição Federal, em seu art. 20, § 2º, dispõe que a “faixa de até cento e cinquenta quilômetros de largura, ao longo das fronteiras terrestres, designada como faixa de fronteira, é considerada fundamental para defesa do território nacional, e sua ocupação e utilização serão reguladas em lei”, e em nenhum momento emprega a expressão zona de fronteira.

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Não existe um conceito de zona de fronteira engendrado pelo legislador infraconstitucional. No entanto, o que se constata é que, no texto da Lei nº 8.270/91, que trata do reajuste da remuneração dos servidores públicos e no Decreto nº 493/92, que regulamenta a Gratificação Especial de Localidade, é mencionada a expressão “zona de fronteira” e esta não se choca com aquela de assento constitucional (art. 20, § 2º).178O Supremo Tribunal Federal já esclareceu que o art. 20 § 2º, dispõe somente sobre faixa de fronteira e que, apesar de ser utilizada a expressão zona de fronteira, deve-se entender necessariamente por faixa de fronteira.179

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EMENTA: Agravo regimental. –Agravo a que se nega provimento. (AI 400975 AgR, Relator(a): Min. MOREIRA ALVES, Primeira Turma, julgado em 25/03/2003, DJ 25-04-2003 PP-00036 EMENT VOL-02107-07 PP-01322).

Pode-se concluir que a Zona de Fronteira é abrangida pela Faixa de Fronteira, na medida em que a Lei nº 8.270/91 e o Decreto nº 493/1992 dispõem quais os locais e cidades que ensejarão a concessão de benefícios, locais esses citados na “zona de fronteira”. Ressalta-se que todas as cidades localizadas na “zona de fronteira” estão na faixa de fronteira, mas o inverso não ocorre.180ta na Carta Magna e a ela fosse dado, nesse ponto, sentido contrário ao que lhe dera o texto constitucional. – No mesmo sentido, manifestou-se esta Primeira Turma nos AGRAG’s 281.735 e 335.194, e a Segunda Turma nos AGRRE’s 279.256 e 282.716. – Inexistência de ofensa ao artigo 39, § 1º, da Constituição, e falta de prequestionamento das demais questões constitucionais invocadas no recurso extraordinário. Recurso extraordinário não conhecido. (RE 249073, Relator(a): Min. MOREIRA ALVES, Primeira Turma, julgado em 23/10/2001, DJ 14-12-2001 PP-00086 EMENT VOL-02053-10 PP-02066). (grifo nosso)

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Mas deve ser observado que a expressão zona de fronteira é aplicada somente para um fim específico – a concessão de benefícios para servidores públicos que residem nas localidades mencionadas na lei, o que é diferente do que o art. 20, § 2º da Constituição Federal dispõe em relação à faixa de fronteira, a saber, a segurança nacional.

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3.4. Faixa de fronteira e terra devoluta

Pode-se afirmar que toda faixa de fronteira é terra devoluta?

Após a proclamação da República e a promulgação da primeira Constituição Republicana em 1891, de acordo com art. 83, continuavam em vigor todas as leis já existentes, desde que essas leis não ofendessem aos princípios do regime republicano. Portanto, com base nessa afirmação da Constituição, pode-se afirmar que a Lei nº 601, de 1850, e o Decreto nº 1.318, de 1854, continuavam em vigor, o que foi posteriormente confirmado pelo Supremo Tribunal Federal em 1905 e 1908, entendimento esse também defendido por Aristides Milton, Amaro Cavalcanti e J. M. Mac Dowel.181“As terras devolutas existentes nas fronteiras continuam a pertencer à União na largura de 10 léguas, continuando em pleno vigor a Lei n. 601, de dezembro [sic] de 1850 e o decreto 1.318, de 30 de janeiro de 1854. (Acórdão do STF em 31 de janeiro de 1905)”.

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“Considerando, pois, que a zona de 10 léguas de fronteira, constitui domínio da União, sendo, portanto, irritas e nulas todas as vendas de terras feitas ali pelo Estado, pois que as leis posteriores demonstraram que o Poder Legislativo sempre manteve em tal zona a jurisdição do Governo central, como se vê, exemplificativamente no artigo 7 do Decreto n. 3.084, de 5.11.1898. (Acórdão do STF em 23 de maio de 1908)”.182No entanto, Rodrigo Octavio afirmou que referidas legislações estariam revogadas...

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