Da imprescritibilidade dos delitos: o caso João de Deus

AutorCeleste Leite dos Santos
CargoPromotora de justiça do MP/SP
Páginas9-10
TRIBUNA LIVRE
TRIBUNA LIVRE
1514 REVISTA BONIJURIS I ANO 31 I EDIÇÃO 659 I AGO/SET 2019 REVISTA BONIJURIS I ANO 31 I EDIÇÃO 659 I AGO/SET 2019
Em relação a essa polê-
mica, para evitar questio-
namentos do fisco, em espe-
cial no momento do efetivo
aproveitamento dos créditos
reconhecidos judicialmente,
os contribuintes devem ficar
atentos ao teor das decisões
proferidas em seus processos,
para que constem de forma
clara e objetiva os critérios a
serem observados na apura-
ção dos créditos e no aprovei-
tamento futuro dos efeitos de
seus processos.
Outra controvérsia diz res-
peito a qual seria o momento
adequado para os registros
contábil e fiscal dos créditos
obtidos com as medidas judi-
ciais utilizadas e, por conse-
guinte, quando a tributação
destes valores deverá ocorrer.
A Receita Federal do Brasil
entende que o momento corre-
to para o reconhecimento das
receitas e a incidência dos tri-
butos respectivos se daria já no
trânsito em julgado da decisão
favorável (Ato Declaratório In-
terpretativo SRF 25/2003).
No entanto, tendo em vista
que, por vezes, neste estágio
o contribuinte ainda não tem
as informações para precisar
o valor efetivo dos créditos,
existem argumentos para sus-
tentar que o mais adequado
seria o registro (i) por ocasião
do protocolo do pedido de ha-
bilitação dos créditos; (ii) ou
quando do deferimento do pe-
dido de habilitação. Ademais,
(iii) é possível analisar o caso
concreto para verificar a pos-
sibilidade da tributação des-
tes créditos no momento da
transmissão das declarações
de compensação – .
Os créditos de  e 
decorrentes das medidas ju-
diciais devem ser atualizados
pela Selic, sendo que, segundo
entendimento da Receita Fe-
deral, os acréscimos decorren-
tes da simples recomposição
dos valores no tempo devem
ser tributados pelo , ,
 e . Neste ponto, é
questionável a tributação so-
bre a taxa Selic incidente so-
bre créditos tributários oriun-
dos de pagamentos indevidos,
tendo em vista que tais valo-
res não podem ser considera-
dos acréscimo patrimonial do
contribuinte, mas sim indeni-
zação não sujeita a tributação.
Além disso, a Receita Fe-
deral do Brasil também tem
exigido a observância de re-
quisitos específicos, quando
do cumprimento das obriga-
ções acessórias, para os con-
tribuintes que têm decisões
judiciais favoráveis, autori-
zando a exclusão do  da
base de cálculo do  e da 
. Em síntese, são registros
que devem ser efetuados para
que as bases de cálculo do 
e da  sejam ajustadas,
em virtude da ordem judicial,
viabilizando o correto proces-
samento das declarações fis-
cais e contábeis eletrônicas.
Por fim, com a decisão do
plenário do , pode-se dizer
que há teses tributárias cor-
relatas que ganham força, em
especial a exclusão do  e
 da base de cálculo do
, da  e da  e até
a exclusão do  e da 
de suas próprias bases de cál-
culo. São oportunidades que
os contribuintes não devem
deixar de considerar!n
Mariana Vale Darwich Apgáua é
pós-graduada em Direito Tributário
e sócia do Departamento Tributário
da Andersen Ballão Advocacia.
Celeste Leite dos SantosPROMOTORA DE JUSTIÇA DO MP/SP
DA IMPRESCRITIBILIDADE DOS DELITOS: O CASO JOÃO DE DEUS
Os fatos envolvendo o
internacionalmente co-
nhecido médium João
de Deus nos conduzem
à reflexão sobre a natureza ju-
rídica dos delitos por ele pra-
ticados e a forçosa conclusão
de que deve ser reconhecida
sua imprescritibilidade, por
se tratarem de crimes contra
a humanidade.
Devem ser assim conside-
rados porque a pessoa que
busca auxílio de natureza es-
piritual por motivo de saúde
sica ou psíquica, ou mesmo
de paz interior, se encontra
em típica situação de vulne-
rabilidade, que não se confun-
de com a antiga presunção de
violência prevista, por se tra-
tarem de conceitos jurídicos
absolutamente diversos.
A vulnerabilidade pode ser
entendida como componente
(explícito ou implícito) de um
sistema ou situação de fato,
em correspondência com a
qual as medidas psíquicas de
proteção da vítima estão au-
sentes, uma vez que permite
ao agressor comprometer
seus níveis de segurança -
sica, psicológica, sexual e so-
cial. A vulnerabilidade pode
ser individual ou coletiva,
conforme a situação fática
apresentada se refira a com-
portamento isolado, comu-
nidade ou grupo de vítimas.
Nestas hipóteses, o agressor,
especialmente em casos de
natureza sexual, compromete
o sistema psíquico individual
ou da comunidade de referên-
cia, reduzindo ou eliminando
o nível de proteção inerente a
todos os seres humanos.
Nesse sentido, ao prever o
disposto no título VI (Dos cri-
mes contra a dignidade sexu-
al) e no capítulo I (Dos crimes
contra a liberdade sexual), o le-
gislador pátrio tutela não ape-
nas a liberdade sexual indivi-
dual, mas também a coletiva.
Tratando-se de bem jurídico
de natureza coletiva é irrele-
vante se perquirir sobre even-
tual consentimento da vítima,
uma vez constatada a situação
de vulnerabilidade coletiva.
A esse respeito, o artigo
215 do Código Penal tipifica o
delito de “violação sexual me-
diante fraude”, in verbis:
Art. 215. Ter conjunção carnal
ou praticar outro ato libidinoso
com alguém, mediante fraude ou
outro meio que impeça ou dificul-
te a livre manifestação de vontade
da vítima.
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 6
(seis) anos.
Da análise do modus ope-
randi da conduta do médium
João de Deus veiculado pela
grande imprensa temos que o
aproveitamento da situação
de vulnerabilidade da vítima
e da comunidade de referên-
cia está abarcada pela expres-
são “fraude” ou “outro meio
que impeça ou dificulte a livre
manifestação da vítima”. Ora,
trata-se de simples interpre-
tação analógica, uma vez que
no elemento normativo men-
cionado se encontra previsto o
conceito de abuso da condição
de vulnerabilidade das vítimas
individuais e coletivas que
buscaram auxílio espiritual e,
portanto, estavam com seus
mecanismos naturais de defe-
sa comprometidos.
A reiteração da conduta
destinada à coletivi-
dade de pessoas que
frequentavam o local
em que o médium
exercia suas ati-
vidades implica o
reconhecimento
da existência de
verdadeiro delito
contra a humani-
dade, consoante a
determinação con-
tida no Estatuto de
Roma, que foi ra-
tificado em nossa
legislação pátria (art. 7º, 1, al.
‘g’, do Decreto 4.388, de 25.09.
08).
A esse respeito, cumpre
ressaltar que o mencionado
diploma legal tem como fun-
damentação justamente o
fato de que, “no decurso deste
século, milhões de crianças,
homens e mulheres têm sido
vítimas de atrocidades inima-
gináveis que chocam profun-
damente a consciência da hu-
manidade”. Violam, portanto,
os bens jurídicos coletivos de
paz, segurança e bem-estar da
humanidade. Por conseguin-
te, suas previsões possuem
status normativo em nosso
ordenamento jurídico, dentre
as quais se destaca a impres-
critibilidade dos delitos pra-
ticados contra a humanidade
(art. 29 do Decreto 4.338/08).
Ainda que nossos tribunais
não adotem a interpretação
mencionada, o médium João
de Deus estaria ainda sujei-
to, em caráter complementar
no caso de inação do Estado
brasileiro, a julgamento pelo
Tribunal Penal Internacional,
devendo ser efetuada a sua

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