Da (In)Efetividade das Propostas de Concretização do Benefício de Prestação Continuada ao Idoso: Uma Análise Reflexiva

AutorMonica Cameron Lavor Francischini
Páginas193-205

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Monica Cameron Lavor Francischini 1

1. Introdução

A população está envelhecendo.

E este fato social repercute também na esfera jurídica já que na sociedade capitalista apenas a classe economicamente ativa possui o meio de prover sua subsistência. Com isso, os considerados inativos acabam por se tornar sinónimo de inutilidade e de declínio do ser humano.

Envelhecer não pode ser apenas sobreviver, deve ser uma fase em que a pessoa possa usufruir dos "frutos" colhidos de uma vida inteira de esforços, trabalho e dedicação, finalidade esta que nem sempre é alcançada.

Alguns idosos chegam a este momento da vida diante da realidade de insuficiência financeira, problemas de saúde física ou mental e abandono da própria família.

Para suprir parte destes problemas, a seguridade social, por meio da assistência social, concede o Benefício de Prestação Continuada que permite ao idoso em condições de miserabi-lidade receber o valor equivalente a 1 salário mínimo mensal e em moeda.

Isso porque a busca pela igualdade social levou ao reconhecimento, em inúmeros países, da necessidade de se tutelar os indivíduos que se tornem hipossuficientes, seja por enfermidade, invalidez ou por envelhecimento, de modo a se permitir uma vida digna àquelas pessoas cuja falta de autonomia decorrente da perda de renda e da ausência de apoio as impede de uma participação ativa na sociedade.

Na presente pesquisa analisar-se-á as incoerências e os conflitos existentes no cumprimento dos requisitos legais que impede a concessão do benefício assistencial e, por consequência, acaba por impossibilitar a pessoa idosa de prover seu mínimo existencial.

A metodologia empregada na busca de respostas será a pesquisa bibliográfica, fundamentada na doutrina e jurisprudência existente acerca do tema. A finalidade é a de colocar o leitor em contato com o que já foi produzido e registrado acerca do assunto: obras doutrinárias, legislação, jurisprudências e até documentos eletrónicos, visando inclusive delinear soluções que emprestem efetividade ao amparo social às pessoas idosas, fragilizadas pela idade e vulneráveis pela falta de renda, dando concretude à proposta constitucional de defesa da dignidade, bem-estar e da garantia à uma vida digna.

2. O envelhecimento populacional: o fenómeno social da velhice

A velhice já foi muito valorizada por alguns povos, pois os idosos representavam pessoas que deveriam transmitir o saber e a memória da comunidade, possuindo estas pessoas, portanto, as posições mais elevadas na hierarquia social.2

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Para outros povos o envelhecimento significava que a pessoa não poderia mais prover suas necessidades básicas e acabavam por ser sacrificados ou abandonados, afinal no início da humanidade, o ser humano era um povo nómade que vivia da caça e da pesca, mas os idosos, por suas limitações físicas e mentais, dificultavam tal meio de subsistência.3

Desde esta época primitiva até os dias atuais, houve o aumento da perspectiva de vida. Isso acaba por trazer uma condição de dependência na velhice, fruto da pobreza, dos problemas de saúde e das condições físicas e mentais.

A consequência é a falta de garantia do seu sustento, pois o idoso não tem mais a mesma possibilidade de competir no mercado atual de trabalho e acaba por ser descartado, excluído ou abandonado pelos próprios familiares. É nesta realidade de limitações e impossibilidades que está inserido o presente artigo.

2. 1 Condição jurídica de idoso

Considerando o envelhecimento populacional, atrelado à constante busca pelo direito da tutela dos hipossuficientes, no caso, dos indivíduos denominados como integrantes de grupo vulnerável, o aumento do número de idosos provocou efeitos no ordenamento jurídico.

A Revolução Industrial é denominada por diversos autores como o marco de mudanças na estrutura familiar, de trabalho e de valores económicos, éticos e morais4, onde os idosos passaram a não ser mais primordiais na sociedade, pois com o mundo capitalista os "velhos" não teriam mais força para produzir e, consequentemente eram desvalorizados e perdiam seu espaço social.

Neste sentido Zygmunt Bauman trata sobre o refugo humano, pessoas "excluídas da proteção da lei por ordem do soberano"5, ou seja, pessoas que devido ao progresso económico acabaram por serem consideradas inúteis, uma categoria excedente da população.

Para amenizar este quadro, a Constituição de 19886 traz em seu texto diversos direitos e garantias aos idosos, usando inclusive as terminologias "velhice" e "idoso", sem contudo definir e estipular qualquer marco etário, físico ou sociológico para definir estes institutos, cabendo portanto à legislação in-fraconstitucional a tarefa de fazê-lo.

Até janeiro de 1994 não havia uma previsão legal do marco etário definidor do idoso no Brasil, até que com a promulgação da Política Nacional do Idoso, neste mesmo ano, estabeleceu-se que o idoso seria a pessoa com idade superior a 60 (sessenta) anos, adotando-se assim o critério cronológico para a sua definição.7

O fato da legislação infraconstitucional considerar apenas o requisito etário na qualificação da pessoa idosa, desconsiderando a capacidade física, psicológica ou social da pessoa, enseja divergências doutrinárias8.

Entretanto e seguindo os ensinamentos de Guita Grin De-bert, "a velhice é uma categoria socialmente produzida" presente e necessária em todas as sociedades, uma vez que categorias e grupos de idade são fundamentais na vida em sociedade. Tanto que esta classificação do homem em categorias etárias está presente desde o nascimento, pois a própria organização do sistema de ensino já se pauta na idade biológica.9

3. A seguridade social na Constituição de 1988

Durante séculos o Estado não se preocupou em criar mecanismos de proteção ao indivíduo para enfrentar as adversidades da vida como a velhice ou a doença, e talvez por este motivo é que a previdência complementar (de iniciativa privada) tenha sido criada antes mesmo da previdência de ordem pública.10

Atualmente, a seguridade social é um direito fundamental de índole positiva, inserida dentre os direitos sociais assegurados pela Constituição da República11, como a saúde, a previdência social, a proteção à maternidade e a infância e a assistência aos desamparados.

A seguridade social possui princípios próprios e objetivos que visam à promoção do bem-estar e justiça social, derivando

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daí as demais normas.12 Dentre estas, estão as Leis ns. 8.212 e 8.213, ambas editadas em 1991, bem como a Lei n. 8.742, de 1993 e suas respectivas alterações, centralizando o seu mi-crossistema jurídico estatal.

O Estado concentra todo o sistema de seguridade social, que organiza seu custeio e concede os benefícios e os serviços, sendo o órgão incumbido dessas determinações o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Prevê-se, dentro deste sistema, não só a participação do Estado, mas de toda a sociedade, por intermédio de um conjunto integrado de ações de ambas as partes envolvidas.13

O Estado atenderá às necessidades das pessoas advindas das adversidades, proporcionando-lhes tranquilidade, principalmente no futuro, quando o trabalhador tenha perdido a sua remuneração, a capacidade de exercer atividade qualquer laborativa, ou mesmo daquelas pessoas sem condições de prover sua própria subsistência, tornando possível um nível de vida aceitável.

A assistência social, por sua vez, constitui-se numa forma de proteção social, que Sergio Pinto Martins define como sendo "um conjunto de princípios, de regras e de instituições destinado a estabelecer uma política social aos hipossuficientes [...]".14

Tem-se, pois, que promover a assistência social é direito da pessoa e dever do Estado que, por meio de uma política de seguridade social não contributiva prevê condições mínimas necessárias para o atendimento básico à pessoa e, consequentemente, proporciona renda permissiva para uma vida digna. Afinal, a todos os seres humanos devem ser atribuídas condições para isso, por meio de políticas públicas e ações governamentais, sendo inclusive esta a condição primária de uma sociedade igualitária.15

De acordo com a Lei n. 8.742/1993, dentre as finalidades da assistência social está a proteção à velhice e a garantia do pagamento de um salário mínimo mensal ao idoso ou à pessoa com deficiência que atenda aos requisitos legais ali estabelecidos, independentemente de ter o tutelado contribuído ou não, para o sistema.

3. 1 Benefício de prestação continuada

Dentre as prestações assistenciais concedidas, está o benefício de prestação continuada, concedido e gerenciado pelo INSS — Instituto Nacional do Seguro Social.

Este benefício visa a diminuir a desigualdade social e possibilitar a construção de uma sociedade mais igualitária. Para tanto, a Constituição de 1988, face à existência de inúmeras pessoas vivendo abaixo da linha da miséria, inseriu, dentre os incisos do art. 3º, a erradicação da pobreza.

A CR/88 acabou também por priorizar o idoso e a pessoa com deficiência que não possuam meios de prover sua própria subsistência ou de tê-la provida por sua família16, estabelecendo o valor de um salário mínimo a ser pago a estas pessoas que comprovem a condição de miserabilidade em que vivem.

De acordo com a Lei n. 8.742/1993, a condição de mise-rabilidade deve ser comprovada por meio da renda mensal per capita familiar que...

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