Da Liberdade Provisória, com ou sem Fiança (arts. 321 a 350)

AutorFrancisco Dirceu Barros
Ocupação do AutorProcurador-Geral de Justiça
Páginas445-462
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Tratado Doutrinário de processo Penal
Arts. 321 a 350
1. Da liberdade provisória
1.1. Noções didáticas sobre a matéria
Como ilustra Tornaghi, “a liberdade provisória é
uma situação do acusado; situação paradoxal em
que ele é, ao mesmo tempo, livre e vinculado. Livre
para se locomover, mas vinculado a certas obrigações
que o prendem ao processo, ao juízo e, eventual-
mente, a um lugar predeterminado pelo Juiz”.946
Sobre o tema liberdade provisória, o ilustre Renato
Marcão complementa a rmando que esse termo se
divide em gênero e espécie. Nesse tom, o emérito
processualista a rma que:
Liberdade provisória, em sentido amplo, é o gênero,
do qual extraímos as espécies: 1º) liberdade provisória
com  ança, e, 2º) liberdade provisória sem  ança.
Não é outra a interpretação que se extrai do art.
5º, LXVI, da CF, quando diz que: “ninguém será levado
à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade
provisória, com ou sem  ança”.
Não foi por razão diversa, aliás, que a Lei nº
6.416, de 24 de maio de 1977, introduziu um parágrafo
único no art. 310 do CPP. A ideia foi exatamente permitir
a liberdade provisória, sem  ança, para aqueles casos
de crimes ina ançáveis.
A distinção está clara, inquestionavelmente deli-
neada, e por conta disso, até pouco tempo a discus-
são era meramente acadêmica, não divergindo os
manuais a este respeito.947
Em face da necessidade da prisão preventiva
para garantia da punição dos criminosos e segurança
social, deve a lei cercar de regras determinadas e
limitar os casos em que dita prisão deve ter lugar.
Mas, para maior garantia individual e em respeito
946 TORNAGUI, Hélio. Manual de processo penal, op. cit., p. 845.
947 MARCÃO, Renato. Prisões cautelares, liberdade provisória
e medidas cautelares restritivas. 2. ed. São Paulo : Saraiva,
2012. p. 524.
à liberdade do cidadão, que só pode ser cerceada
por imperiosos motivos, atinentes ao bem público, o
Direito mantém um outro instituto: a liberdade provisória
do acusado, que se pode de nir como a faculdade
concedida ao imputado para, solto, aguardar o seu
julgamento de nitivo. Mesmo condenado, o acusado
continua gozando da liberdade provisória, enquanto
tiver e usar os recursos ordinários. Esgotados estes,
a condenação se torna de nitiva, por ter a sentença
passado em julgado,  cando extinta a liberdade
provisória.948
1.2. Das espécies de liberdade provisória
À leitura atenta da reforma processual podemos dizer
que há duas espécies de liberdade provisória, a saber:
a) Liberdade provisória incondicionada ou
desvinculada
b) Liberdade provisória condicionada ou vinculada
1.2.1. Da liberdade provisória incondicio-
nada ou desvinculada
A liberdade provisória incondicionada é aquela
em que o indiciado ou acusado é solto sem nenhuma
condição ou vinculação.
1.2.2. São tipos de liberdade provisória incon-
dicionada ou desvinculada
a) Liberdade provisória em que o acusado ou
indiciado se livra solto
Da leitura dos arts. 309 e dos novos artigos 310 e
321 do Código de Processo Penal (alterado pela lei
pela lei nº 12.403/2011), concluímos que:
Art. 309. Se o réu se livrar solto, deverá ser posto em
liberdade, depois de lavrado o auto de prisão em
flagrante.
948 No mesmo sentido: ROSA, Borges da. Comentários ao Có-
digo de Processo Penal, vol. I. Campus, p. 669.
Capítulo 18
Da Liberdade Provisória, com ou sem Fiança (Arts. 321 a 350)
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Comentários: A expressão “se livrar solto” é usa-
da para denominar a detenção que não tem força de
manter o agente ativo preso, geralmente está rela-
cionada com os delitos de menor potencial ofensivo,
ou seja, aqueles em que a lei comina pena máxima
até 2 (dois) anos.
Entendo que a terminologia “réu, usada no arti-
go 309, é totalmente inadequada, pois não podemos
falar em réu no procedimento inquisitorial, e sim
“indiciado”. A terminologia “réu”, usada em inquérito
policial, viola frontalmente o princípio da não culpa-
bilidade antecipada.
O art. 309 do Código de Processo Penal foi
derrogado pelo art. 69, parágrafo único, da Lei no
9.099/1995, pois, se o réu se livrar solto, deverá ser
posto em liberdade, mas não é mais necessário a auto-
ridade policial lavrar o auto de prisão em agrante.
O art. 69, parágrafo único, da Lei no 9.099/1995 é
bem claro:
Art. 69. A autoridade policial que tomar conhecimento
da ocorrência lavrará termo circunstanciado e o enca-
minhará imediatamente ao Juizado, com o autor do
fato e a vítima, providenciando-se as requisições dos
exames periciais necessários.
Parágrafo único. Ao autor do fato que, após a lavratura
do termo, for imediatamente encaminhado ao juizado
ou assumir o compromisso de a ele comparecer, não
se imporá prisão em agrante, nem se exigirá ança.
Em caso de violência doméstica, o Juiz poderá deter-
minar, como medida de cautela, seu afastamento do
lar, domicílio ou local de convivência com a vítima.949
b) Liberdade provisória sem ança
Preconiza o novo artigo 310 do Código de Processo
Penal que:
Ao receber o auto de prisão em agrante, o Juiz
deverá fundamentadamente:
III - conceder liberdade provisória, com ou sem
ança.
c) Liberdade provisória pela presença de cau-
sa excludente da ilicitude
Diz o parágrafo único do novo artigo 310 do Código
de Processo Penal que se o Juiz vericar, pelo auto
de prisão em agrante, que o agente praticou o fato
949 Redação dada ao parágrafo pela Lei no 10.455, de
13/05/2002, DOU 14/05/2002, com efeitos a partir de qua-
renta e cinco dias da data da publicação.
nas condições constantes dos incisos I a III do caput
do art. 23 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro
de 1940 Código Penal, poderá, fundamentadamente,
conceder ao acusado liberdade provisória, mediante
termo de comparecimento a todos os atos processu-
ais, sob pena de revogação.
A reforma repetiu a mesma redação no artigo 314 do
A prisão preventiva em nenhum caso será decretada
se o Juiz vericar pelas provas constantes dos autos
ter o agente praticado o fato nas condições previstas
nos incisos I, II e III do caput do art. 23 do Decreto-Lei
nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 — Código Penal.
Refere-se a lei às causas excludentes da ilicitude que
hoje estão previstas no art. 23, incisos I, II e III (estado
de necessidade, legítima defesa, estrito cumprimento de
dever legal e exercício regular de direito). Por analogia,
a norma também alcança as causas excludentes de
ilicitude referidas na Parte Especial do Código Penal
(arts. 128, incisos I e II, 142, incisos I, II e III, 146, § 3o,
incisos I e II, 150, § 3o, incisos I e II, etc.).
Aparentemente, poderíamos concluir que a concessão
da liberdade provisória deve ser concedida ex ocio,
ou seja, sem a manifestação do Ministério Público, isso
porque a antiga redação do artigo 310 preconizava:
Art. 310. Quando o Juiz vericar pelo auto de prisão em
agrante que o agente praticou o fato, nas condições
do art. 23, I, II e III, do Código Penal, poderá, depois
de ouvir o Ministério Público, conceder ao réu liber-
dade provisória, mediante termo de comparecimento
a todos os atos do processo, sob pena de revogação.
Parágrafo único. Igual procedimento será adotado
quando o Juiz vericar, pelo auto de prisão em agran-
te, a inocorrência de qualquer das hipóteses que auto-
rizam a prisão preventiva (arts. 311 e 312).
Entendo que apesar da omissão do legislador,
nada impede que o Juiz, antes da concessão da
liberdade provisória, abra vistas dos autos ao Ministério
Público para se manifestar sobre a possibilidade de
concessão da liberdade provisória; tal posição é
fundamentada em dois aspectos:
Primeiro: aspecto infraconstitucional
O ministério público é o scal da el e correta
execução da lei (Artigo 257, inciso II do Código de
Processo Penal).
Segundo: aspecto constitucional
a) O Ministério Público é instituição permanente, es-
sencial à função jurisdicional do Estado, incum-
bindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime
democrático e dos interesses sociais e individu-
ais indisponíveis. (CF: artigo 127).
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