Da Liquidação de Sentença Trabalhista

AutorMauro Schiavi
Ocupação do AutorJuiz Titular da 19a Vara do Trabalho de São Paulo
Páginas1048-1063

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1. Do conceito de liquidação de sentença e sua natureza jurídica

Segundo os ensinamentos obtidos da melhor doutrina, a liquidação tem lugar quando a sentença ou acórdão não fixa o valor da condenação ou não individualiza o objeto da execução. A decisão contém a certeza da obrigação e as partes que são credora e devedora desta obrigação (an debeatur), mas não fixa o montante devido (quantum debeatur).

A liquidação constitui, assim, uma fase preparatória, de natureza cognitiva1, em que a sentença ilíquida passará a ter um valor determinado ou individualizada a prestação ou objeto a ser executado, por um procedimento disciplinado em lei, conforme a natureza da obrigação prevista no título executivo.

A Consolidação das Leis do Trabalho, por opção legislativa e tendo em vista a simplicidade do processo do trabalho, inseriu a liquidação no Capítulo da Execução, uma vez que o art. 879, que regulamenta a liquidação trabalhista, está inserido no Capítulo V, que trata da Execução. Dispõe o referido dispositivo consolidado:

“Sendo ilíquida a sentença exequenda, ordenar-se-á, previamente, a sua liquidação, que poderá ser feita por cálculo, por arbitramento ou por artigos. § 1º – Na liquidação, não se poderá modificar, ou inovar, a sentença liquidanda nem discutir matéria pertinente à causa principal. (Parágrafo único transformado em § 1º pela Lei n. 8.432, de 11.6.1992, DOU
12.6.1992) § 1º-A. A liquidação abrangerá, também, o cálculo das contribuições previdenciárias devidas. (Acrescentado pela Lei n. 10.035, de 25.10.2000, DOU 26.10.2000) § 1º-B. As partes deverão ser previamente intimadas para a apresentação do cálculo de liquidação, inclusive da contribuição previdenciária incidente. (Acrescentado pela Lei n.10.035, de

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25.10.2000, DOU 26.10.2000) § 2º – Elaborada a conta e tornada líquida, o juiz poderá abrir às partes prazo sucessivo de 10 (dez) dias para impugnação fundamentada com a indicação dos itens e valores objeto da discordância, sob pena de preclusão. (Parágrafo incluído pela Lei n. 8.432, de 11.6.1992, DOU 12.6.1992) § 3º – Elaborada a conta pela parte ou pelos órgãos auxiliares da Justiça do Trabalho, o juiz procederá à intimação da União para manifestação, no prazo de 10 (dez) dias, sob pena de preclusão. (Parágrafo alterado pela Lei n. 11.457, de 16.3.2007, DOU 19.3.2007) (Nova redação com vigência a partir do primeiro dia útil do segundo mês subsequente à data de publicação da Lei n.
11.457/2007) § 4º – A atualização do crédito devido à Previdência Social observará os critérios estabelecidos na legislação previdenciária. § 5º – O Ministro de Estado da Fazenda poderá, mediante ato fundamentado, dispensar a manifestação da União quando o valor total das verbas que integram o salário de contribuição, na forma do art. 28 da Lei n.
8.212, de 24 de julho de 1991, ocasionar perda de escala decorrente da atuação do órgão jurídico.” (Parágrafo acrescentado pela Lei n. 11.457, de 16.3.2007, DOU 19.3.2007 com vigência a partir do primeiro dia útil do segundo mês subsequente à data de publicação da Lei n. 11.457/2007)

Com a liquidação, o título executivo judicial está apto para ser executado, pois se o título não for líquido, certo e exigível, o procedimento de execução será nulo.

Como destaca Pedro Paulo Teixeira Manus2: “entende-se por liquidação de sentença o conjunto de atos processuais necessários para aparelhar o título executivo, que possui certeza, mas não liquidez, à execução que se seguirá. Com efeito, tratando-se de condenação do reconhecimento de obrigação de dar quantia certa, quase sempre a decisão que se executa, embora certa quanto ao seu objeto, não traz os valores devidos de forma líquida.”3Para Manoel Antonio Teixeira Filho4, a liquidação constitui: a) fase preparatória à execução; b) em que um ou mais atos são praticados; c) por uma ou por ambas as partes; d) com a finalidade de determinar o valor da condenação; e) ou de individuar o seu objeto; f) mediante a utilização, quando necessário, dos meios de prova admitidos em lei.

A doutrina ainda não chegou a um consenso sobre a natureza jurídica da liquidação. Para alguns, a natureza é declaratória; para outros, constitutiva.

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Para Liebman, a natureza jurídica da liquidação é declaratória, uma vez que traz a lume aquilo que se encontra implicitamente na sentença anterior. Para outros, como Pontes de Miranda, a natureza jurídica é constitutivo-integrativa, uma vez que não se limita a uma mera declaração, mas também dá uma certeza àquilo que até então era incerto.

No nosso sentir, a liquidação é uma fase integrativa5 da sentença, de natureza constitutiva6, fazendo parte da fase de conhecimento, que visa a apurar o quantum debeatur ou individualizar o objeto da execução. Nesse sentido, destacamos a posição de Antonio Carlos Matteis de Arruda7, fixada antes da Lei n. 11.232/2005 e do CPC de 2015:

“A liquidação da sentença condenatória genérica, em nossa legislação processual civil, se faz por meio da propositura de uma ação de conhecimento especial, processualmente diversa e autônoma, em relação à anterior ação de natureza condenatória, sendo certo que essa ação de liquidação é de natureza constitutivo-integrativa.”

Discute-se, na doutrina e na jurisprudência, se o Juiz do Trabalho pode iniciar a liquidação, de ofício, determinando que a Secretaria ou um perito contador realize a conta de liquidação, sem oportunizar às partes a elaboração dos cálculos ou dos artigos de liquidação.

Argumentam os defensores da liquidação de ofício pelo juiz que ela propicia maior celeridade processual e maior qualidade na elaboração do cálculo. Sustentam, ainda, que a liquidação por iniciativa do juiz encontra suporte no impulso oficial da execução (art. 878 da CLT), e na interpretação teleológica do § 3º do art. 879 da CLT, o que possibilita ao Juiz do Trabalho determinar a realização dos cálculos de liquidação.

De nossa parte, entendemos que o Juiz do Trabalho somente deve tomar a postura de liquidar a sentença de ofício em casos excepcionais, nas hipóteses em que o trabalhador estiver sem advogado, valendo-se do jus postulandi, ou quando o reclamante tiver advogado, mas este, justificadamente, não puder realizá-la. Em outras situações, deve o Juiz do Trabalho ponderar as cincurstâncias do caso concreto.

Em Varas nas quais observamos a liquidação por iniciativa do juiz, não constatamos resultados satisfatórios. Além disso, houve grande dissenso das partes e inúmeros incidentes de impugnação.

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A CLT disciplina a liquidação no art. 879. Diz o caput do referido dispositivo que: “Sendo ilíquida a sentença exequenda, ordenar-se-á, previamente, sua liquidação, que poderá ser feita por cálculo, arbitramento ou artigos.”

O termo “sentença” deve ser interpretado em sentido amplo para abranger a sentença de primeiro grau e também os acórdãos, tanto dos TRTs como do TST. No Processo do Trabalho, assim como no Processo Civil, há três modalidades de liquidação: a) por cálculos; b) por arbitramento; e c) por artigos.

No nosso sentir, ainda que determinado no título executivo com trânsito em julgado que a liquidação se processe por cálculos, poderá o Juiz do Trabalho se valer das três modalidades de liquidação, se necessário, para se chegar ao quantum devido, pois não há vedação na legislação processual e tal conduta se coaduna com os princípios do fiel cumprimento da obrigação consagrada no título executivo e também da máxima efetividade da jurisdição.

Nesse sentido, é a Súmula n. 344 do STJ, in verbis:

“Liquidação — Forma diversa na sentença — Não ofensa à coisa julgada. A liquidação por forma diversa da estabelecida na sentença não ofende a coisa julgada.”

No mesmo contexto, vale transcrever a seguinte ementa:

“Desde que não implique prejuízo aos legítimos interesses das partes, o juiz pode, em situações especiais, variar a forma de liquidação, convertendo para cálculos a liquidação a princípio fixada por artigos, sempre que os autos contiverem elementos bastantes para possibilitar a realização da conta.” (TRT – 12a R. – 3a T. – Ac. n. 001838/95 – rela Juíza Lília L. Abreu – DJSC 20.4.95 – p. 77)

A liquidação não pode ir aquém ou além do que foi fixado na decisão transitada em julgado, sob consequência de nulidade do procedimento e desprestígio da coisa julgada material, cabendo ao juiz velar pelo seu fiel cumprimento8. Além disso, a proteção à coisa julgada tem status constitucional (art. 5º, inciso XXXVI, da CF). Nesse diapasão, é a disposição do § 1º do art. 879 da CLT, a seguir transcrito:

“Na liquidação, não se poderá modificar, ou inovar, a sentença liquidanda, nem discutir matéria pertinente à causa principal.”

No mesmo lastro, é o art. 509, § 4º, do CPC, in verbis:

“Na liquidação é vedado discutir de novo a lide ou modificar a sentença que a julgou.”

Em razão dos referidos dispositivos, não há preclusão para o juiz ao apreciar os cálculos, podendo ex officio determinar qualquer diligência probatória para que os cálculos espelhem a coisa julgada material.

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2. Da liquidação por cálculos no Processo do Trabalho

Nos ensina José Augusto Rodrigues Pinto9:

“A liquidação da sentença trabalhista por simples cálculo é admissível sempre que sua expressão pecuniária, mesmo oculta na conclusão do julgado, se revelar por meio de operações aritméticas possíveis com os dados já encartados no processo de conhecimento.”

Conforme Manoel Antonio Teixeira Filho10, “far-se-á a liquidação da...

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