Da Omissão de Socorro (Art. 135)

AutorFrancisco Dirceu Barros
Ocupação do AutorProcurador-Geral de Justiça
Páginas835-852
Tratado Doutrinário de Direito Penal
835
Art. 135
1. Conceito do delito de omissão de socorro
O delito consiste no fato de o sujeito ativo deixar
de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem
risco pessoal, à criança abandonada ou extraviada,
ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou em
grave e iminente perigo; ou não pedir, nesses casos,
o socorro da autoridade pública.
Os verbos nucleares são dois:
a) omitir prestação de assistência;
b) omitir informação à autoridade. No Direito pátrio
admite-se a forma alternativa de acordo com o
caso concreto.1764
RESUMO PRÁTICO
Omissão imediata: deixar de prestar assistên-
cia, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à
criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa
inválida ou ferida, ao desamparo ou em grave e imi-
nente perigo.
Omissão mediata: não pedir, nesses casos su-
pracitados, o socorro da autoridade pública.
2. Análise didática do tipo penal
2.1. Omissão de socorro majorada
O delito ainda tem um aumento de pena, se em
virtude da omissão resulta lesão corporal de nature-
za grave e é triplicada, se resulta a morte. Observe
que a omissão de socorro é punida a título de dolo.
Esses resultados quali cadores — lesão corporal de
natureza grave e morte — são preterintencionais, ou
seja, punidos a título de culpa.
1764 Nesse sentido: COSTA, Álvaro Mayrink da. Direito Penal –
Parte Especial, Editora Forense, 2001.
OBSERVAÇÕES PRÁTICAS
Existe diferença entre criança abandonada e
extraviada
Extraviada é a criança perdida. Quando o Có-
digo fala em criança abandonada, não se refere
à criança perdida, mas sim à que foi objeto de
abandono por parte da pessoa que devia exercer
a vigilância.
Abandonada é a criança deixada à sua própria
sorte por ato consciente de quem estava inves-
tido do dever de assistência, fazendo cessar os
cuidados necessários e causando um perigo
concreto para a saúde da vítima. Extraviada ou
perdida é a criança que teve rupturado o contato
com quem lhe devia assistência, criando-se com
isso uma situação de perigo à sua incolumidade
pessoal.
Pessoa inválida é aquela que não pode prover a
sua própria segurança, isto é, a invalidez relacio-
na-se com a situação factual do sujeito passivo,
que pode representar-lhe um perigo pessoal, pois
não basta a invalidez em sentido médico.1765
Ferida é a pessoa que apresenta uma lesão cor-
poral, de modo que se imponha ajuda por seu
estado físico, representando um perigo concreto.
OMISSÃO ESPECIAL I
Há, no Código de Trânsito, duas omissões espe-
ciais majoradas:
a) no homicídio culposo de trânsito, a pena será
aumentada de um terço à metade, se o agente
deixar de prestar socorro, quando possível fazê-lo
sem risco pessoal, à vítima do acidente (art. 302,
inciso III);
1765 Nesse sentido: SOLER, Derecho Penal argentino, 1967.
Capítulo 6
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Francisco Dirceu Barros
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Art. 135
b) na lesão corporal culposa de trânsito, a pena será
aumentada de um terço à metade, se o agente
deixar de prestar socorro, quando possível fazê
-lo sem risco pessoal, à vítima do acidente (art.
303, parágrafo único).
OMISSÃO ESPECIAL
O art. 304 do Código de Trânsito penaliza um tipo
de omissão, preconizando que será punido o condu-
tor do veículo que deixar, na ocasião do acidente, de
prestar imediato socorro à vítima, ou, não podendo
fazê-lo diretamente, por justa causa, deixar de solici-
tar auxílio da autoridade pública. Lembre-se de que
por meio do estudo princípio da especialidade, po-
demos concluir que se a omissão de socorro ocorrer
em delitos no trânsito, o agente não responderá pelo
art. 135 do Código Penal, e sim pelo crime do art.
304 do Código de Trânsito Brasileiro (Lei no 9.503,
de 23/9/1997). Veja a matéria “princípio da espe-
cialidade”, na Parte Geral.
Observe também que o tipo penal exige a inexis-
tência de risco pessoal, portanto, ninguém está obri-
gado à prestação da assistência quando presente
a possibilidade de dano físico à própria pessoa1766.
OMISSÃO ESPECIAL III
Cuidado: a Lei no 10.741/2003 (Estatuto do Idoso)
criou outra forma de omissão. Veja o art. 97, in verbis:
Deixar de prestar assistência ao idoso, quando
possível fazê-lo sem risco pessoal, em situação de
iminente perigo, ou recusar, retardar ou dicultar sua
assistência à saúde, sem justa causa, ou não pedir,
nesses casos, o socorro de autoridade pública:
Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano,
e multa.
Parágrafo único. A pena é aumentada de meta-
de se da omissão resulta lesão corporal de natureza
grave, e triplicada, se resulta a morte.
INDAGAÇÃO PRÁTICA
Obs.: Agora você já pode resolver esta questão
elaborada do contexto forense prático: Comete o
delito de omissão de socorro quando presente a
possibilidade de dano físico a pessoa que deveria
socorrer o agente passivo?
1766 Nesse sentido: RT, 605:370; JTJSP, 87:236.
O afastamento material não é requisito, visto que
a criança poderá ter cado em companhia de pes-
soa impossibilitada de custodiá-la.
O estado de perigo não pode ter sido provocado
(por dolo ou culpa) pelo agente. Quanto ao perigo,
entende a maioria dos autores que é concreto, na
hipótese de a pessoa em grave e iminente perigo, e
presumido nas demais. Em posição contrária arma
Bernardino Gonzaga:1767 “Perigos remotos ou de
exígua potencialidade lesiva não devem ingres-
sar no campo repressivo através do art. 135, CP”.
Para a doutrina, a forma alternativa com que
se redigiu o art. 135 não permite livre escolha de
comportamento: se o agente pode prestar assis-
tência pessoal, sem risco, não basta que peça
o socorro, quando este for insuciente para
afastar o perigo. Assim, o pedido de socorro só
excluiria o delito quando pudesse “tempestiva-
mente conjurar o perigo”.1768
Há controvérsia sobre a possibilidade de o
crimedeomissãodesocorro congurar-secom
a fuga do motorista atropelador do local do fato
quando tinha obrado sem culpa. Entendemos
como Mayrink: “É difícil aceitar o atuar atípico de
quem atropela o pedestre, ainda que sem o elemen-
to subjetivo culpa, e o deixa ao desamparo, podendo
e sabendo que está necessitando de socorro, inde-
pendentemente da precária avaliação da gravidade
dos ferimentos”. Fragoso também entende que
pode congurar-se a omissão de socorro em caso
de atropelamento sem culpa.1769
Delmanto ensina que a omissão só é punível
quando for possível prestar a assistência ou pedir o
socorro sem risco pessoal; o risco moral ou patrimo-
nial não afasta a incriminação. O risco para terceira
pessoa pode, entretanto, congurar a excludente do
estado de necessidade (CP, art. 24).
Hungria e Damásio defendem que diante do ris-
co pessoal, nem mesmo os que têm o dever legal de
enfrentar o perigo (e, com isso, não se podem valer
do estado de necessidade, a teor do § 1o do art. 24
do CP) estarão obrigados à prestação do socorro,
uma vez que a situação de risco pessoal é elemen-
tar típica excludente.
1767 O Crime de Omissão de Socorro, 1957, p. 116-119.
1768 HUNGRIA, Comentários ao Código Penal 1958, v. V, p. 443.
1769 FRAGOSO, H. Jurisprudência Criminal, 1979, v. II, nº 372;
TJSP, Julgados 88/213, 69/397.
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