Da Petição Inicial
Autor | Manoel Antonio Teixeira Filho |
Páginas | 404-439 |
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Código de Processo Civil
meira incursão subsidiária a ser empreendida é aos
domínios da Lei n. 6.830/80 (que rege a cobrança ju-
dicial da dívida ativa da Fazenda Pública), por força
da regra inscrita no art. 889 da CLT. Somente se essa
Lei for também omissa é que estará liberado o acesso
aos sítios do CPC.
CAPÍTULO II
DA PETIÇÃO INICIAL
Seção I
Dos Requisitos da Petição Inicial
Art. 319. A petição inicial indicará:
I — o juízo a que é dirigida;
II — os nomes, os prenomes, o estado civil, a existência de união estável, a profissão, o
número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas ou no Cadastro Nacional da Pessoa
Jurídica, o endereço eletrônico, o domicílio e a residência do autor e do réu;
III — o fato e os fundamentos jurídicos do pedido;
IV — o pedido com as suas especificações;
V — o valor da causa;
VI — as provas com que o autor pretende demonstrar a verdade dos fatos alegados;
VII — a opção do autor pela realização ou não de audiência de conciliação ou de mediação.
§ 1º Caso não disponha das informações previstas no inciso II, poderá o autor, na petição
inicial, requerer ao juiz diligências necessárias a sua obtenção.
§ 2º A petição inicial não será indeferida se, a despeito da falta de informações a que se
refere o inciso II, for possível a citação do réu.
§ 3º A petição inicial não será indeferida pelo não atendimento ao disposto no inciso
II deste artigo se a obtenção de tais informações tornar impossível ou excessivamente
oneroso o acesso à justiça.
• Comentário
Caput. A assunto era objeto do art. 282 do CPC
revogado.
O texto legal indica os requisitos que a petição
inicial deve conter.
Antes de examinarmos quais são esses requisitos,
devemos exarar algumas considerações de natureza
introdutória.
Conceito e fi nalidade.
Ação e demanda não são, em rigor, vocábulos
que guardem sinonímia entre si. Enquanto a ação
é o poder que a Constituição atribui ao indivíduo
para ativar a função jurisdicional (que se mantém
em um ontológico estado inercial) com vistas a obter
a tutela de um bem ou de uma utilidade da vida, a
demanda (domanda, na Itália) traduz o ato pelo qual
ele pede o provimento correspondente, ou seja, a
entrega da prestação jurisdicional invocada. Esse
provimento pode ter efeito declaratório, constituti-
vo, condenatório — aos quais se poderiam acrescer
o mandamental e o executivo, se admitirmos a clas-
sifi cação quinária das ações sugerida por Pontes de
Miranda.
É por meio da demanda que o autor formula pe-
didos (res in iudicio deducta). A demanda é, assim,
o ato mediante o qual ele postula o provimento da
jurisdição. A petição inicial é o instrumento da de-
manda. Andou certo, por outro lado, Chiovenda, ao
dizer que a demanda, na qual o pedido está contido,
se apresenta como qualche cosa come la fondazione deli
edifi cio (Diri o e processo, n. 58, p. 99).
No passado, distinguia-se a petição inicial do
libelo. Aquela era o ato pelo qual o autor, após de-
monstrar, de maneira sucinta, o objeto da demanda,
limitava-se a requerer a citação do réu para defen-
der-se. Daí, falar-se, na época, em petição inicial
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citatória, uma vez que ela possuía essa fi nalidade
específi ca de defl agrar o processo e de estabelecer
a relação jurídica que lhe é própria. Dita petição, em
geral, antecedia ao libelo; este, originário do latim
libelius, diminutivo de liber, libri, que signifi ca o cór-
tice da árvore (conquanto entendam, alguns, que a
palavra provenha de libra, balança), por seu turno,
consistia na exposição dos fatos da causa e conti-
nha o pedido feito pelo autor. Nele, enfi m, vinham
defi nidos os limites da demanda. Atento a essa par-
ticularidade, A onso Fraga defi niu o libelo como
“a exposição breve e clara, articulada ou não, feita
em juízo, do conteúdo da pretensão do autor” (Insti-
tuições do processo civil do Brasil. Tomo II. São Paulo:
Saraiva, 1940. p. 201).
Tanto a petição inicial citatória quanto o libelo
se apresentavam, habitualmente, sob a forma escri-
ta, embora este fosse oferecido em audiência, a que
compareciam os litigantes.
O Regulamento Imperial n. 737, de 1850, co-
meçou a romper essa dualidade consagrada pelas
Ordenações reinóis, ao tornar apenas facultativa a
apresentação da petição inicial citatória e do libelo
em peças apartadas e em momentos distintos. Poste-
riormente, o Código de Processo Civil de 1939 — o
primeiro, de caráter unitário, que o País conheceu
— exigiu que essas duas peças fossem aglutinadas
na petição inicial (art. 158). O CPC de 1973 manteve
essa acertada unifi cação (art. 282), que foi preserva-
da pelo Código atual (art. 319).
Modernamente, portanto, a petição inicial pode
ser defi nida como o ato pelo qual se provoca a ati-
vação do poder-dever jurisdicional do Estado e se
pede um provimento, cujos efeitos estarão vincula-
dos ao direito material que se esteja procurando ver
reconhecido ou protegido (conquanto o exercício do
direito de ação não pressuponha, necessariamente,
a existência do direito material, como sabemos). A
petição inicial, destarte, é um instrumento não só
de provocação da atividade jurisdicional (direito de
ação), como de impetração da efetiva entrega da cor-
respondente prestação estatal (demanda).
Na defi nição que apresentamos não cogitamos da
citação do réu, porque o CPC atual já não exige que
conste da inicial. No processo do trabalho não se exi-
giu que a inicial contivesse requerimento para essa
fi nalidade (CLT, art. 840), pois este ato é praticado
ex o cio (CLT, art. 841). O ato citatório é indispensá-
vel para estabelecer uma “angularidade” da relação
processual (Estado/réu/autor), que, até então, era so-
mente linear (autor/Estado); por esse motivo, deverá
ser determinado pelo juiz, independentemente de
requerimento do autor.
A petição inicial não deixa de conter uma decla-
ração da vontade do autor, como reconhece Pontes
de Miranda (Comentários ao código de processo civil. 2.
ed., tomo IV. São Paulo: Forense, 1979. p. 3/4), se le-
varmos em conta o fato de que, por intermédio dela,
é posto em atividade o poder jurisdicional do Esta-
do e pedida a entrega da pertinente prestação. Essa
vontade, para produzir os efeitos desejados, deve
ser jurídica, assim entendida a que se forma com
base no ordenamento normativo, seja material ou
processual ou nos usos e costumes.
Se bem refl etirmos, veremos que a petição inicial
pode ser examinada por diversos ângulos. Assim,
do ponto de vista do autor, ela é, com efeito, um
instrumento que as leis lhe colocam à disposição
para ativar a função jurisdicional e obter a corres-
pondente prestação, nos casos de lesão de direito ou
de ameaça de lesão (sentença de mérito). Todavia,
se a estudarmos sob o aspecto do pedido, verifi care-
mos que ela fi gura como o elemento delimitador da
demanda (ou da lide), motivo por que ao juiz será
defeso conceder ao autor mais do que foi pleiteado,
ou menos do que lhe deveria ter sido dado, ou pro-
ferir sentença, em prol deste, de natureza (melhor:
efeito) diversa da pretendida, ou, ainda, condenar o
réu em quantidade superior ou em objeto diverso do
que lhe foi demandado (CPC, art. 492, caput).
Resumindo, a petição inicial será sempre a cra-
veira pela qual se poderá ver se o juiz, ao emitir a
sentença de mérito, atendeu ao princípio da adstri-
ção ao pedido, ou dele extravasou, ressalvados os
denominados “pedidos implícitos” (correção mone-
tária, juros da mora etc.). Diz-se, também, com certa
propriedade, que a inicial é uma espécie de projeto
ideal da sentença de mérito que o autor visa a obter.
Sendo, por outro lado, na petição inicial onde se
encontra defi nido o objeto litigioso, isso permite ve-
rifi car se ocorre a litispendência ou a coisa julgada.
O mencionado objeto representa, desse modo, o ele-
mento material desses dois fenômenos processuais,
visto sob o ângulo da clássica tríplice identidade:
a) de partes; b) de causa de pedir; e c) de pedido.
Bulgaro, a propósito, já reconhecia nessas três iden-
tidades o traço característico das ações: iudicium est
actum trium personarum: judicis, actoris et rei.
Em determinadas situações particulares, todavia,
poderá haver litispendência mesmo que não se con-
fi gure a tríplice identidade, de que estamos a falar.
Isso ocorrerá, p. ex., quando, entre duas ações, hou-
ver mesmeidade de causa de pedir e de pedido, mas,
numa, fi gure como parte o trabalhador, e, noutra, o
sindicato, agindo na qualidade de “substituto pro-
cessual”. Ora, a mera inexistência de identidade de
partes é irrelevante, pois a tudo sobreleva o fato de
que o titular do direito material (objeto litigioso) é
o mesmo, em ambas as ações, ou seja, o trabalha-
dor. Voltaremos ao assunto, para tratá-lo com maior
profundidade, mais adiante, ao discorrermos sobre
a contestação (art. 335).
Constituindo, a jurisdição, um poder-dever esta-
tal, e o processo, um método ofi cial de solução dos
confl itos de interesses amparados pela ordem jurí-
dica, compreende-se o motivo pelo qual o conceito
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de uma e de outro deva ser incindível. Quando se
fala, todavia, em jurisdição trabalhista e em processo
do trabalho não se está negando a unicidade daquela,
nem a exclusividade deste, senão que, apenas, real-
çando a natureza das lides que esses instrumentos
estatais se destinam a solucionar.
Foi, justamente, a especifi cidade das lides tra-
balhistas que justifi cou a especialização de um
segmento do próprio Poder Judiciário, em nosso
País; essa especifi cidade, por sua vez, se enastra com
a necessidade de conceber-se um processo capaz de
fazer valer, no plano da realidade prática, o direito
material do trabalhador, sendo indispensável, para
isso, que o referido processo seja dotado do mesmo
escopo tuitivo que assinala o direito substancial, do
qual o trabalhador extrai as pretensões que costuma
deduzir em juízo.
Examinada sob o aspecto lógico, a petição inicial
se assemelha a um silogismo, defi nido por Aristó-
teles como “uma série de palavras em que, sendo
admitidas certas coisas, delas resultará necessaria-
mente alguma outra, pela simples razão de se terem
admitido aquelas”.
A premissa maior, no caso, é representada pela
demonstração de que os fatos alegados, que fi gu-
ram como a premissa menor, produzem efeitos na
ordem jurídica. Os pedidos derivantes desses fatos
e fundamentos jurídicos correspondem à conclusão.
Essa concepção silogística da petição inicial justifi -
ca, de certa forma, o seu indeferimento em algumas
situações de inépcia, como quando, e. g., lhe faltar o
pedido ou a causa de pedir; da narração dos fatos
não decorrer, de maneira lógica, a conclusão, o pe-
dido for indeterminado ou contiver pedidos entre si
inconciliáveis (CPC, art. 330, § 1º, I a IV).
Muito mais do que um simples silogismo, a pe-
tição inicial é o instrumento formal, instituído pelos
sistemas processuais, de que se vale o indivíduo
para ativar a função jurisdicional (ação) e pedir
um provimento de mérito (demanda), que poderá
ser declaratório, constitutivo, condenatório, man-
damental ou executivo, destinado a satisfazer ou a
assegurar um bem ou uma utilidade da vida.
Essa petição é, também, o estalão pelo qual se
poderá verifi car se o magistrado concedeu mais
do que se pedia, ou menos do que era devido, ou
fora do que havido sido postulado, sabendo-se que,
em princípio, o juiz está obrigado a compor a lide
nos limites em que foi estabelecida pelos litigantes.
Incumbe, assim, às partes traçar o perímetro do con-
fl ito de interesses, ou seja, precisar o objeto litigioso,
e, ao juiz, respeitar esses lindes — particularidade a
que se submetem, por igual, os juízes do trabalho,
exceto quando no exercício do denominado “poder
normativo”, quando, necessariamente, não preci-
sam fi car adstritos aos mencionados limites.
Requisitos
O conjunto desses fatos coloca em evidência a
extraordinária importância que a petição inicial os-
tenta no universo do processo. Essa importância,
somada à fi nalidade da referida petição, fez com que
o legislador de nosso país estabelecesse determina-
dos requisitos para a sua validade formal. A CLT os
indica, com habitual singeleza, no art. 840; o CPC,
mais preciso, os minudencia no art. 319. De modo
geral, o processo do trabalho tem aplicado, em ca-
ráter supletivo, essa norma do processo civil, salvo
quanto ao valor da causa; às provas que o autor pre-
tende produzir e ao requerimento para a citação do
réu, segundo veremos adiante.
Podemos separar os requisitos de validade da
petição inicial em duas classes: a) subjetivos e b) obje-
tivos. O art. 319, do CPC, cuida, apenas, dos objetivos.
Os subjetivos fazem parte do senso comum.
Esquematicamente, os subjetivos compreendem:
1) a precisão; 2) a clareza; e c) a concisão; os objetivos
dizem respeito: 1) ao juiz ou tribunal a que a petição
é dirigida; 2) aos nomes, prenomes, estado civil, a
existência de união estável, profi ssão, domicílio e
residência das partes (ou ao endereço eletrônico); 3)
ao CPF; 4) ao fato e aos fundamentos jurídicos do
pedido; 5) ao pedido, com as suas especifi cações;
6) ao valor da causa; 7) às provas com que o autor
pretende demonstrar a verdade dos fatos alegados;
8) a opção do autor pela realização ou não de audi-
ência de conciliação ou de mediação — observada,
no processo do trabalho, a ressalva feita no que atine
aos requisitos aludidos nos números 6, 7 e 8, retro.
Passemos, agora, ao exame pormenorizado dos
requisitos subjetivos consoante a classifi cação que
apresentamos.
1) Precisão. Signifi ca que os fatos devem ser nar-
rados, na inicial, com determinação, ou seja, ser
precisados. Uma exposição vaga, imprecisa, desses
fatos difi cultará não só a resposta do réu (e o regu-
lar exercício do seu direito constitucional de ampla
defesa) como a própria intelecção do magistrado
acerca de qual seja, efetivamente, o conjunto factual,
com base no qual o autor extraiu os pedidos formu-
lados (res in iudicio deducta).
Essa precisão dos fatos está ligada, por certo, às
particularidades de cada caso concreto. Assim, p.
ex., se o empregado pretende pedir a condenação
do empregador ao pagamento de horas extras deve
indicar, na petição inicial, não apenas o horário de
início e de término da jornada e seus intervalos e o
valor do salário e sua evolução cronológica, como
a data da admissão, e, se for o caso, a da cessação
do contrato. Cabe-lhe, ainda, esclarecer se havia, ou
não, controle escrito da jornada e se os assentamen-
tos constantes desses controles são corretos, ou não.
Enfi m, cumpre ao autor narrar, de modo preciso, to-
dos os fatos necessários ao conhecimento do juiz, e,
em seguida, formular os correspondentes pedidos.
Não seria admissível — retomando o exemplo
que utilizamos há pouco —, por isso, que o autor se
limitasse a dizer que prestou serviços ao réu (sem
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