Da pluralidade à unidade das normas de competência I

AutorTácio Lacerda Gama
Páginas111-150
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Capítulo 3
DA PLURALIDADE À UNIDADE DAS NORMAS DE
COMPETÊNCIA I
Nas próximas páginas, responderemos às perguntas sobre
se é possível e útil construir uma norma de competência tribu-
tária.155 Após elucidarmos as acepções adotadas para os termos
“norma”156 e “competência”, ficará claro que a proposta é ofere-
cer um modelo lógico-sintático de representação das normas157
que prescrevem como outras normas devam ser feitas. Para
definir o que deve estar contido nesta representação, retoma-
remos algumas premissas já expostas. A primeira delas é a de
que a unidade do signo é dada pela relação entre significante e
significado.158 Com as devidas alterações, a unidade da norma
155.
Esse tema já foi tratado por nós em outras oportunidades, quando sustentamos a
possibilidade de reunir, numa única estrutura normativa, todos os elementos necessá-
rios à regulação da conduta de criar uma norma (Cf. GAMA, Tácio Lacerda. Contribui-
ção de intervenção no domínio econômico. São Paulo: Quartier Latin, 2003). Não muda-
mos de ideia. Pelo contrário, a experiência adquirida nos últimos anos com a intensa
utilização deste instrumento nos evidenciou a sua utilidade e operacionalidade.
156. Remetemos o leitor ao conceito de norma em sentido completo que expusemos
no pequeno glossário de instrumentos teóricos (cf. item 1.7).
157. A possibilidade de representação formal da mensagem normativa foi preconiza-
da, no direito tributário brasileiro, por Paulo de Barros Carvalho (Curso de direito
tributário cit., p. 245-350), com a concepção da regra-matriz de incidência tributária.
158. Essa ideia foi exposta na parte dedicada à semiótica estrutural e seus conceitos
(cf. Capítulo 1).
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TÁCIO LACERDA GAMA
de competência deve disciplinar, integralmente, a conduta de
criar outras normas.159 Outra premissa relevante é a seguin-
te: os elementos do sistema de direito positivo são dotados de
heterogeneidade semântica e pragmática, mas também de ho-
mogeneidade sintática, pois se organizam em estruturas com
elementos comuns.160 Por fim, relacionaremos sete elementos
que precisam ser, direta ou indiretamente, disciplinados pela
norma de competência, sob pena de essa não prescrever o mí-
nimo e irredutível de manifestação do deôntico.
Fundados nesses pontos de partida, vejamos como construir
uma estrutura lógica para a norma de competência tributária.
3.1
Enunciados, proposições, normas em sentido amplo,
normas em sentido estrito e normas em sentido completo
Enunciados são porções de texto a partir das quais se
formula o sentido. Como define Paulo de Barros Carvalho, os
“enunciados” aparecem como “um conjunto de fonemas ou
de grafemas que, obedecendo a regras gramaticais de deter-
minado idioma, consubstanciam a mensagem expedida pelo
sujeito emissor para ser recebida pelo destinatário, no contex-
to da comunicação”.161 Enunciados prescritivos, por sua vez,
são fragmentos do direito positivo, a partir dos quais se forma
o sentido das mensagens normativas.
159. No Capítulo 2, desenvolvemos alguns modelos relativos ao tema da competên-
cia jurídica. Na parte final desse Capítulo (cf. item 2.6), fizemos constar sete crité-
rios que precisam ser disciplinados para que se possa falar em norma jurídica de
competência. Esses sete critérios prescrevem de que forma deve ser realizada para
tratar de uma matéria, além de estabelecer as consequências – sanções nomogené-
ticas – imputadas aos sujeitos competentes que editam normas ilícitas.
160. É precisa a lição de Paulo de Barros Carvalho no sentido de que: “Há homoge-
neidade, mas homogeneidade sob o ângulo puramente sintático, uma vez que nos
planos semântico e pragmático o que se dá é um forte grau de heterogeneidade,
único meio de que dispõe o legislador para cobrir a imensa e variável gama de si-
tuações sobre que deve incidir a regulação do direito, na pluralidade extensiva e
intensiva do real-social” (O direito positivo como sistema homogêneo de enuncia-
dos deônticos cit., p. 35-36).
161. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência cit., p. 20.
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COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA
Quando deixamos a objetividade dos textos e passamos
à subjetividade do intérprete que decodifica a mensagem,
deixamos o plano dos enunciados e passamos a operar com
proposições. Se os enunciados eram jurídicos, as proposições
formuladas a partir deles serão igualmente jurídicas, prescri-
toras de conduta. Numa definição: as proposições prescritivas
são o sentido construído a partir dos enunciados jurídicos.162
Nem sempre, porém, podemos equiparar “proposição
prescritiva” com “norma”, pois “norma” é termo polissêmico
que pode ser aplicado em diversas circunstâncias, com dife-
rentes acepções.
Fixemos, para os fins deste trabalho, três ideias funda-
mentais: norma em sentido amplo, norma em sentido estrito
e norma em sentido completo.
“Norma jurídica em sentido amplo” é sinônimo de pro-
posição prescritiva. A simples indicação de uma alíquota, a
qualificação de um sujeito passivo ou ativo, a prescrição de
uma imunidade, de um princípio são, todos, exemplos de pro-
posições ou normas jurídicas em sentido amplo.
Muito embora esteja próxima do senso comum, essa ideia
de “norma” é vaga e, por isso, gera imprecisões. Vejamos, por
exemplo, uma norma em sentido amplo que estabeleça ser “a
alíquota do tributo de 10%”. De imediato se questionaria: que
tributo está sendo referido? Esta alíquota deve ser aplicada
sobre que base de cálculo? Que torna o tributo devido? Onde
e quando essa circunstância pode ocorrer? Quem deve pagar
e quem deve receber? Entre outras questões igualmente pos-
síveis. Toda essa sorte de dúvidas evidencia a necessidade de
um conceito mais preciso que agregue os elementos numa es-
trutura com sentido jurídico.
162. Já as “proposições” são os conteúdos, as significações, que o contato com os
enunciados provoca no sujeito da comunicação. Como salienta Paulo de Barros
Carvalho, um único enunciado pode provocar a construção de diversas proposi-
ções, da mesma forma que uma proposição pode ser construída a partir de enuncia-
dos diversos (Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência cit., p. 20).

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