Da praticabilidade como ideia em estado objetivo

AutorEduardo Morais da Rocha
Páginas115-216
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3. DA PRATICABILIDADE COMO IDEIA EM
ESTADO OBJETIVO
Primeiramente, não se olvida que, por trás da praticabili-
dade, como se concebe na doutrina tradicional, decorra uma
ideia de simplificação na aplicação do direito objetivo, cujo
desiderato é viabilizar a execução adequada, econômica e efi-
ciente dos atos normativos em geral.
Assim, a praticabilidade, nessa abordagem mais tradicio-
nalista,62 exprime a ideia de implementação de instrumentos
jurídicos para a aplicação em massa ou simplificada das regras
em geral positivadas, facilitando a concretização de todo o seu
programa normativo, para que, com isso, se tenha mais co-
modidade e redução de custos na sua execução e fiscalização.
Sintetizando, por essa concepção mais ortodoxa, a ideia
que perfaz a praticabilidade é somente a de simplificação na
execução das regras jurídicas e dos princípios superpostos,
que formam o próprio sistema jurídico, para uma aplicação
mais eficiente e econômica para a comunidade em geral.
Aliás, tanto a praticabilidade exprime uma ideia, que os
alemães costumam denominá-la, na sua dimensão vertical, de
62. Como se demonstrará na seção 3.3.1, concorda-se, em parte, com essa aborda-
gem da doutrina tradicional, pois aqui se defende ter a praticabilidade uma racio-
nalidade instrumental própria que vai muito além do que uma simples ideia de sim-
plificação para uma aplicação mais adequada do direito.
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EDUARDO MORAIS DA ROCHA
“modo de pensar tipificante” (DERZI, 2007, p. 335-336), que
nada mais é do que uma forma específica de pensar o direito,
pois o verbete “pensar” tem a significação de encadear ideias
de forma lógica, ou, seja, “formar ou combinar no espírito
pensamentos ou idéias.” (FERREIRA, 1986, p. 1.303).
Com isso, não há como refutar a correlação da praticabili-
dade com a de ideia, já que os próprios doutrinadores germâ-
nicos, que mais se aprofundaram no estudo do tema em voga,
tratam-na, na dimensão vertical, como um “modo de pensa-
mento”, ou seja, um “processo mental que se concentra nas
ideias.” (FERREIRA, 1986, p. 1.302).
Sendo um “modo de pensar” o direito objetivo, ou melhor,
de dar exequibilidade à regra de direito,63 o elemento primor-
dial da praticabilidade, para a doutrina em geral, será a ideia
que decorre da simplificação da execução das regras jurídicas
que compõem o direito objetivo em nome da eficiência ou da
economicidade, possibilitando, desse modo, a sua aplicação
massificada ou de outra maneira específica mais adequada e
eficiente para toda a sociedade.
Para demonstrar a importância capital do elemento ideia
no entendimento do que seja uma instituição, cita-se a seguin-
te passagem da obra do publicista Maurice Hauriou (2009 p.
53-54):
As idéias diretrizes, de objetividade apreensível já que passam
de um espírito para outro sem perder sua identidade e, por sua
própria atração, são o princípio vital das instituições sociais, elas
lhes comunicam uma vida própria separável da dos indivíduos,
na medida em que as próprias ideias são separáveis de nossos
espíritos e reagem sobre eles.
63. Repita-se, que a conotação de regra de direito, na tradução da obra de Maurice
Hauriou, decorre da palavra rule of law, que como é sabido significa Estado de Di-
reito, de modo que quando aqui se fala de tal regra, se está dando um enfoque mais
amplo que de uma simples regra jurídica, de modo que seu significado abarque
mesmo a própria noção de direito objetivo e o conjunto das normas em geral que o
integram.
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TEORIA INSTITUCIONAL DA PRATICABILIDADE TRIBUTÁRIA
Com isso, pode-se notar que a ideia que decorre da pra-
ticabilidade percorre os espíritos dos diferentes membros de
determinada comunidade, provocando-lhes reações as mais
variadas, as quais desaguarão na institucionalização de meca-
nismos jurídicos os mais diversos possíveis por intermédio de
órgãos de poder específicos e organizados para a sua consecu-
ção, sem que, todavia, tal ideia seja subjetivada numa institui-
ção com personalidade (corporativa), por permanecer sempre
externa àquele corpo social.
Assim, para o autor acima declinado, toda instituição
que não se personifica (coisa), permanece sempre no mundo
das ideias, ou melhor, no mundo inteligível de Platão (1965,
p. 119), para quem, nesse plano, existiria, em estado objetivo,
uma realidade imaterial que, apesar de influenciar os seres
humanos, seria independente e externa a eles.
Situação diversa é o que ocorre na seara da instituição
que se personifica, pois, nela, a ideia que existia em estado
objetivo passa por um processo de interiorização e incorpo-
ração no âmbito da comunidade que dela comunga, culmi-
nando esse processo na sua personificação, por meio de um
ato de fundação (HAURIOU, 2009, p. 31). Ao se transformar
numa ideia em estado subjetivo, personificada, a instituição
corporativa de Hauriou passará a integrar não mais o mundo
inteligível, mas o mundo chamado por Platão (1963, p. 119) de
sensível, tornando-se perceptível aos sentidos humanos.
Portanto, caso se adote, no aspecto mais puro, a concep-
ção teórica de Hauriou, a praticabilidade, ao contrário das
instituições que se personificam, coloca-se num patamar to-
talmente exterior ao mundo sensível para ocupar um mun-
do palpável apenas pelo pensamento, um mundo de ideias,
intangível aos sentidos corpóreos e alcançável somente por
meio de um “modo de pensar”, bastante próximo ao idealis-
mo platônico.64
64. Como se verá adiante, não se conceberá nesta pesquisa, esta ideia em estado
objetivo como algo preso ao idealismo platônico, apesar de ser essa a linha de
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