Da Predileção dos Advogados e dos Juízes pelas Questões de Direito ou pelas de Fato

AutorPiero Calamandrei
Ocupação do AutorJornalista, Jurista, Político e Docente universitário italiano
Páginas115-122

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Também na vida judiciária os mistérios mais úteis são frequentemente os menos apreciados. Há, entre advogados e magistrados, uma certa tendência para considerar como matéria quase inútil as questões de fato e para dar ao fato um significado depreciativo, isto quando é certo que, para quem procure nos advogados e nos juízes mais a subs-tância do que a aparência, a preocupação do fato devia ser um título de honra.

O magistrado ou o advogado que se preocupa com o fato é um homem corajoso, modesto mas honesto, a quem interessa mais encontrar a solução justa que melhor

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se adapte à realidade do que fazer boa figura como colaborador de revistas jurídicas e que, pensando mais no bem dos que vêm a juízo do que no seu bem próprio, por eles se atira ao longo estudo das circunstâncias, o que requer abnegação e não dá glória.

É um erro da atual organização da carreira judiciária a constância com a qual o juiz ouve as testemunhas e a diligência com a qual examina os documentos não serem, como as sentenças brilhantemente fundamentadas sob o ponto de vista jurídico, títulos que possam influir na promoção. É por isso que o juiz, que prefere as questões de direito, pensa muitas vezes mais na promoção do que na justiça.

Era uma vez um médico que, ao ser chamado à cabeceira de um doente, em vez de o auscultar e o observar pacientemente para diagnosticar o mal, se colocou a declamar algumas de suas dissertações filosóficas sobre a origem metafísica da doença, o que, em seu entender, tornou supérflua a auscultação do

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paciente ou a contagem das pulsações. A família, que em volta da cama esperava o diagnóstico, ficou atônita com tal sapiência e o doente, passado pouco tempo ... morreu.

Este médico, se o quiséssemos definir em calão forense, podia-se chamar um especialista em “questões de direito”.

Ex factu oritur jus é uma velha máxima, cauta e honesta, que impõe, a quem queira julgar bem, fixar antes de mais, com um cuidado pedante, os fatos que se discutem. Mas há certos advogados que compreendem ao contrário: quando arquitetam uma brilhante teoria jurídica, que se presta às virtuosidades de uma imaginação fácil, adaptam-lhe os fatos sem mais aquelas, conforme as exigências da teoria e, desta forma, ex jure oritur factum.

Apenas o jurista puro, que escreve tratados ou faz lições, se pode permitir o luxo de ter opiniões rígidas quanto a certas questões de direito e de dar combate aberto à jurisprudência dominante, se a julga...

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