Da Pretensa Eloquência do Pretório

AutorPiero Calamandrei
Ocupação do AutorJornalista, Jurista, Político e Docente universitário italiano
Páginas57-76

Page 57

Peguem duas ou várias pessoas mediocremente cultivadas e razoáveis, que desejem falar, umas com as outras, para se colocarem de acordo sobre qualquer questão técnica, ou para convencerem uma terceira de que as es-cute: homens de negócios que tratam de um contrato, médicos em conferência, generais a combinar um plano de ataque. Seu modo de raciocinar será, em cada caso, sempre o mesmo: um diálogo cerrado, feito de frases curtas, pelas quais cada qual procurará exprimir o essencial, por intermédio de palavras simples. As objeções serão apresentadas e rejeitadas uma a uma e há de chegar-se finalmente ao centro da discussão. As frases

Page 58

ficam em meio, se aquele que as pronuncia se aperceber que o interlocutor já compreendeu o resto, e o gesto, o olhar, o tom, mais do que os períodos retorcidos, bastam para manter o contato e a atenção.

É assim que falam os homens que se querem fazer compreender e que querem persuadir.

Pelo contrário, os advogados, profissionais da persuasão, fazem em geral uso de uma maneira expressiva totalmente oposta. O diálogo vivo e cerrado é substituído pelo monólogo compacto; o estímulo vivo das objeções é suprimido ou postergado; considera-se famoso aquele que consegue chegar até o fim de intermináveis períodos massudos sem tomar fôlego, ainda que, desde a primeira palavra, todos tenham compreendido aonde quer chegar. Fulano insiste longamente num ponto sobre o qual todos estão de acordo; Beltrano preenche os vácuos do pensamento com inúteis e falsos ornamentos de retórica. A interrupção é uma ofensa; cada qual fala

Page 59

para si, seguindo a par e passo um esquema mental, tal como um equilibrista cujo olhar não se afasta um milímetro da cadeira que se balança em cima do nariz.

Esta forma de raciocinar, que é a negação daquela adotada pelas pessoas razoáveis para falarem umas com as outras, é chamada por alguns de “eloquência do Pretório”.

Para extirpar dos costumes do Pretório aquela tendência para o “bel canto”, o qual, quanto aos juízes, desacreditou as audiências, seria necessário que as salas onde se faz justiça não fossem demasiadamente grandes e que a bancada dos advogados estivesse bastante perto da dos magistrados. Desta forma, o advogado podia, ao falar, ler no olhar dos juízes e aperceber-se da ironia ou do espanto a que dão lugar certos dos seus artifícios de retórica.

As grandes salas, onde a intimidade é nula, incitam naturalmente o orador a levantar a voz, tal como a solidão convida a cantar. Como se pode deixar de levantar a voz e de

Page 60

ampliar os gestos na grande sala das câmaras reunidas do Supremo Tribunal? Aí, o advogado sente-se minúsculo e perdido entre a majestade das colunas; enxerga os juízes ao longe, lá no fim, por detrás da bancada alta, tal como ídolos imóveis no fundo de um templo, olhados por um binóculo ao contrário. Esta sala, com sua ornamentação solene, é um convite à grande eloquência. É certo que, como correção, o arquiteto fez inscrever ao alto de cada parede e em letras de ouro, entre ornatos e molduras, esta máxima breve: Veritas nimium altercandum amittitu. Na parede fronteira ao orador resplandece, lá ao alto, por cima das cabeças longínquas dos conselheiros, este nimium, que é de ouro como o silêncio. E o orador, que no meio de um voo de eloquência pousa os olhos, de súbito compreende o latim e termina o discurso.

Meu jovem estagiário: se acaso sonhas poder um dia, quando fores advogado, deixar correr livremente a torrente da tua eloquência no Supremo Tribunal, aconselho-te

Page 61

a tomar o primeiro trem expresso para Roma e ir assistir, perdido entre o público, a uma audiência da sessão cível do tribunal de re-vista. Hás de ver como a realidade é diferente do sonho (e melhor ainda o verias se, em vez de caíres numa seção cível, caíres numa seção penal).

Se tiveres a paciência de assistir a toda a audiência, que poderá durar três ou quatro horas, verás discutir, suponhamos, oito causas. Em cada um desses recursos, depois de uma rápida leitura do conselheiro relator, ouvirás falar o advogado do recorrente, depois o do recorrido e, no fim, o Ministério Público. Oito ou dez minutos para cada discurso, apenas o que seria necessário, segundo as regras da eloquência clássica, para tratar do exórdio. E se algum dos advogados exceder os dez minutos, hás de ouvir o presidente censurar sua prolixidade.

Sairás da audiência...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT