Da produção antecipada de provas no projeto do novo CPC

AutorMarco Aurélio Scampini Siqueira Rangel - Pedro Henrique da Silva Menezes
CargoMestrando em Direito Processual Civil pela Universidade Federal do Espírito Santo - Mestrando em Direito Processual Civil pela Universidade Federal do Espírito Santo
Páginas562-580
Revista Eletrônica de Direito Processual REDP. Volume XII.
Periódico da Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito Processual da UERJ.
Patrono: José Carlos Barbosa Moreira www.redp.com.br ISSN 1982-7636
562
DA PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVAS NO PROJETO DO NOVO CPC
Marco Aurélio Scampini Siqueira Rangel
Mestrando em Direito Processual Civil pela Universidade
Federal do Espírito Santo. Graduado em Direito pela
Universidade Federal do Espírito Santo. Advogado.
Pedro Henrique da Silva Menezes
Mestrando em Direito Processual Civil pela Universidade
Federal do Espírito Santo. Graduado em Direito pela
Faculdade de Direito do Vale do Rio Doce. Advogado.
RESUMO: O presente artigo tem como objetivo analisar o tratamento dado ao
procedimento de produção antecipada de prova no projeto do novo CPC. Para tanto será
feita uma breve abordagem sobre o sistema atual, para fins de comparação. Após, serão
apreciadas individualmente as disposições do PL 8.046/2010 que tratam da produção
antecipada de prova, sob a ótica dos princípios processuais e pela sistemática pelo projeto
de lei em questão, buscando identificar os acertos e os equívocos da proposta a fim de
fomentar a discussão sobre o tema.
PALAVRAS-CHAVE: Provas; Procedimento; Produção antecipada de provas; Novo
CPC; PL 8.046/2010.
ABSTRACT: The present article aims to discuss the treatment given to the procedure of
early production of evidence in the Project of the new civil procedural code. For this will
be made a short review about the actual system for comparison. Then the clauses of the PL
8.046/2010 about the early production of evidence will be analyzed by the view of the
procedural principles and the systematic of the bill, trying to identify the propriety and the
errors of the proposal to encourage the discussion about the topic.
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KEYWORDS: Evidence; Procedure; Early Production of Evidence; New Civil Procedural
Code; PL 8.046/2010.
SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. A produção antecipada de prova no sistema processual
brasileiro atual; 3. A produção antecipada de prova sem o requisito da urgência; 4. O
Projeto do Novo CPC; 4.1. Hipóteses de cabimento do procedimento de produção
antecipada de prova; 4.2. Do arrolamento de bens; 4.3. Da Justificação; 4.4. Competência e
prevenção; 4.5. Dos requisitos da inicial; 4.6. O Art. 389 e a ofensa ao contraditório; 5.
Conclusão.
1. Introdução
Entre as diversas mudanças que o PL 8.046/2010 irá promover no processo civil brasileiro,
caso aprovado com sua redação atual
1
, está a criação de um procedimento de produção
antecipada de provas que se difere, em vários aspectos, do atual procedimento cautelar de
produção antecipada de provas. Entre as principais mudanças a que mais chama atenção é
a autorização da antecipação da prova sem o requisito da urgência, tema abordado de
maneira inaugural no Brasil pelo Prof. Flávio Yarshell o que será objeto de análise mais
aprofundada no decorrer do artigo.
A proposta aprovada pela Comissão especial da Câmara dos Deputados possui virtudes e
defeitos, como qualquer texto legislativo, e o que se pretende no decorrer do presente
artigo é fazer a análise pontual dos dispositivos de maior relevância para tentar esclarecer
alguns pontos que podem ensejar questionamentos, bem como fazer críticas construtivas
que auxiliem o desenvolvimento do novo CPC, ao menos nesse ponto tendo em vista que
o PL 8.046/2010 ainda não foi promulgado .
Inicialmente, faremos uma análise superficial do sistema atual de produção antecipada de
provas. Em seguida, iremos analisar com mais atenção a teoria que embasa a antecipação
da prova sem o requisito da urgência. Para finalmente chegarmos a uma análise crítica do
texto aprovado pela Comissão especial da Câmara dos Deputados.
2. A produção antecipada de prova no sistema processual brasileiro atual
1
Texto do PL 8.046/10 aprovado na Comissão Especial da Câmara dos Deputados, disponível em:
http://www.redp.com.br/arquivos/substitutivo_paulo_teixeira_08maio2013.pdf>, acesso em 30/10/2013.
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O procedimento de produção antecipada de provas está inserido no Livro III (Do Processo
Cautelar), mais especificamente no Capítulo II (Dos Procedimentos Cautelares
Específicos) entre os artigos 846 e 851 do CPC. Da sua colocação topológica decorre u ma
conclusão lógica, mas que precisa ser pontuada para fins de construção do raciocínio: trata-
se de um procedimento de natureza cautelar.
A consequência dessa afirmação, repito, óbvia é que o referido procedimento se subordina
à regulamentação do Livro III do CPC referente ao processo cautelar. Importante frisar
que não é criação do legislador de 1973 a atribuição do caráter cautelar ao procedimento de
produção antecipada de provas. Cassio Scarpinela Bueno
2
faz referência à obra
Introduzione allo studio sistematico dei provvedimenti cautelari de Piero Calamandrei,
obra datada de 1936, para demonstrar que há muito tempo é reconhecido o caráter cautelar
do procedimento em questão.
O procedimento do art. 846 do CPC tem como escopo a conservação
3
da prova que está
sujeita ao perecimento pelo decurso do tempo. Exige-se da parte que pretender a
antecipação da prova a demonstração da necessidade da antecipação e que indique com
precisão os fatos sobre os quais de recair a prova (art. 848, caput, CPC), que poderá
consistir em interrogatório da parte, inquirição da testemunha e exame pericial. Quanto a
este último, o código deixa expresso no art. 849 que somente será admissível quando
houver “fundado receio de que venha a tornar-se impossível ou muito difícil a verificação
de certos fatos na pendência da ação”, o que se aplica aos demais tipos de prova em
decorrência das disposições gerais do Capítulo I.
No tocante ao juízo competente para apreciação do pedido cautelar, o CPC dispõe no art.
800 que as medidas cautelares serão requeridas ao juiz da causa; e, quando
preparatórias, ao juiz competente para conhecer da ação principale quando já houver
sido interposto recurso a medida cautelar será requerida diretamente ao tribunal”.
Contudo, tem-se admitido na doutrina
4
e na jurisprudência
5
a possibilidade de,
2
BUENO, Cassio Scarpinela. Curso sistematizado de direito processual civil, 4: tutela antecipada, tutela
cautelar, procedimentos cautelares específicos. 4. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 308.
3
Importante destacar que tal posicionamento não é uniforme na doutrina, para alguns autores, por todos
Flávio Luiz Yarshell, trata-se de verdadeira produção da prova, e não simples conservação, uma vez que não
é possível estabelecer diferenciação entre produção e conservação da prova. (YARSHELL, Flávio Luiz.
Antecipação da prova sem o requisito da urgência e direito autônomo à prova. São Paulo: Malheiros, 2009.
p. 35/36).
4
É possível citar como doutrinadores que defendem essa possibilidade: “BUENO, Cassio Scarpinela. Curso
sistematizado de direito processual civil, 4: tutela antecipada, tutela cautelar, procedimentos cautelares
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excepcionalmente, o procedimento ser ajuizado no local onde a prova será produzida de
maneira mais adequada, uma vez que a burocracia para a sua efetivação quando ajuizada
em comarca diversa daquela em que deve ser produzida pode acarretar seu perecimento.
Outro ponto que merece destaque é a possibilidade da antecipação da tutela cautelar
naqueles casos em que a urgência impede que seja oportunizado o contraditório à parte
requerida, o que decorre do disposto no art. 804 do CPC. Da mesma forma que ocorre no
processo de conhecimento ou no processo de execução, embora eventualmente com
amplitude diversa, o contraditório somente pode ser postecipado excepcionalmente, visto
que se trata de garantia constitucional que deve ser observada no exercício da atividade
jurisdicional.
Feito esse breve apanhado dos pontos referentes ao procedimento do art. 846, é importante
salientar que esta não é a única forma de produção antecipada de provas existente no
sistema processual civil brasileiro. Conforme destaca Flávio Yarshell, também são
consideradas “vias” processuais para a produção antecipada de prova a justificação (art.
860 e ss. do CPC), a ação de exibição de documentos e o arrolamento de bens
6
. Destaco
que, estas “vias” serão abordadas oportunamente quando tratarmos dos dispositivos do PL
8.046/10, motivo pelo qual deixamos de analisá-las por ora.
3. A produção antecipada de prova sem o requisito da urgência
Como mencionado alhures, um dos grandes destaques do procedimento de produção
antecipada de prova previsto no projeto do novo CPC é a previsão da antecipação da prova
específicos. 4. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 312” e “CÂMARA, Alexan dre Freitas.
Lições de Direito Processual Civil. Vol. III. 16. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 59”.
5
“AGRAVO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO NO RECURSO ESPECIAL.
COMPETÊNCIA. MEDIDA CAUTELAR DE PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVAS. REPARAÇÃO
DE DANO. PESSOA JURÍDICA. FORO DO LOCAL DO FATO. ORDEM PRÁTICA E PROCESSUAL.
REDEFINIÇÃO DO FORO COMPETENTE PARA JULGAMENTO DA AÇÃO PRINCIPAL. REVISÃO
DA COMPETÊNCIA TAMBÉM NO PROCESSO CAUTELAR. NECESSIDADE. A a ção de repar ação de
dano tem por foro o lugar onde ocorreu o a to ou o fato, nos termos do art. 100, v, 'a', do CPC, ainda que a ré
seja pessoa jurídica com sede em outra localidade. Precedentes. A competência deve prevalecer também por
questões de ordem prática e processual, na medida em que a realização de perícia ou inspeção judicial no
Juízo será facilitada, porquanto lá já se encontra o produto objeto da divergência entre as partes; o que,
sem dúvida, contribui para a celeridade da prestação jurisdicional. Havendo a redefinição do foro
competente para julgamento do processo principal, deve ser igualmente revista a decisão oriunda do processo
cautelar vinculado àquele, a teor do que estabelece o art. 800 do CPC. Negado provimento ao agravo interno.
(AgRg nos EDcl no AgRg no Ag 727699/ES, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA,
julgado em 07/12/2006, DJ 18/12/2006, p. 372)”.
6
Nesse sentido, o Prof. Flávio Yarshell aduz: “Outra via processual da qual se pode cogitar para o exercício
do direito autônomo à prova consiste no arr olamento de bens. Sobre isso não parece haver dúvida, em
primeiro lugar, de que r eferida medida se presta à função de documentar fatos, e, portanto, à tarefa de pré-
constituir prova”. (YARSHELL, Flávio Luiz. Antecipação da prova sem o requisito da urgência e direito
autônomo à prova. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 436).
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sem o requisito da urgência, uma vez que, como visto, o procedimento do art. 846 possui
natureza cautelar, estando nele, ao menos a princípio, ínsito o requisito da urgência.
O Prof. Flávio Luiz Yarshell, em trabalho elaborado como tese de titulação no
Departamento de direito processual da Universidade de São Paulo publicado em 2009
7
,
desenvolveu uma teoria a respeito da desnecessidade do requisito da urgência para a
produção antecipada da prova baseada na premissa da existência de um direito autônomo à
prova.
8
O ilustre jurista do Largo São Francisco desenvolve ao longo de sua obra a tese de que é
possível extrair do direito de ação um autêntico direito à prova, que consistiria,
basicamente, em um “direito autônomo à produção da prova, de forma não diretamente
vinculada ao pleito de declaração do direito material e ao processo instaurado para esta
finalidade”.
9
Semelhante posicionamento é defendido por Fredie Didier jurista membro
da comissão da Câmara dos Deputados responsável pela elaboração do novo CPC em
recentíssimo artigo.
10
Importante destacar que, embora se fale em um direito autônomo à prova
11
(sem
vinculação de instrumentalidade com um processo principal) o exercício não pode ser
ilimitado, sob pena de violação de outros direitos, dentre os quais o da privacidade
desponta como potencial objeto das mais graves violações, tendo em vista que, mesmo que
não consista em medida de caráter constritivo, a produção antecipada da prova implica
“alguma forma de invasão da esfera individual inclusive, eventualmente, de
‘terceiros’.”.
12
Ainda, em reforço à tese ventilada, Eduardo Cambi afirma que “o direito à prova é,
conforme visto, um desdobramento da garantia constitucional do devido processo legal ou
7
YARSHELL, Flávio Luiz. Antecipação da prova sem o requisito da urgência e direito autônomo à prova.
São Paulo: Malheiros, 2009.
8
Neste momento é importante esclarecer que a abordagem mais detida da obra do Prof. Yarshell se dá pelo
fato de que o projeto d o novo CPC claramente se abeberou dos ensinamentos constantes da obra do referido
jurista, embora não haja qualquer referência a este fato nas razões constantes do relatório da Câmara ou do
Senado.
9
Ob. cit. p. 310.
10
Sobre o tema assim se manifestou: “A visão que parece mais apropriada, entretanto, é no sentido de que
ambas as medidas produção an tecipada de provas e justificação não são propriamente cautelares e não
pressupõem, necessariamente, a demonstração do per igo da demora (urgência) para serem admissíveis. São,
pois, satisfativas do chamado direito autônomo à prova, direito este que se realiza com a coleta da prova em
típico procedimento de jurisdição voluntária”. (DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; Ações
probatórias autônomas: produção antecipada de prova e justificação. Revista de Processo, São Paul o; Vol.
218, p. 13, Abr. 2013).
11
Ob. cit.
12
Ob. cit. p. 333
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um aspecto fundamental das garantias processuais da ação, da defesa e do contraditório”.
13
O referido autor um caráter constitucional ao direito em comento, o que demonstra a
necessidade de o legislador criar meios para o seu exercício.
Seguindo essa linha de raciocínio, Yarshell demonstra que a existência de um direito à
prova desvincula o mesmo da ideia de um instrumento a serviço do magistrado,
tradicionalmente visto como destinatário quase que único da prova produzida. Esta
visão claramente estreitaria a amplitude do direito à prova nos termos desenvolvidos pelo
Prof. Yarshell, o que de forma alguma infirma a existência de forte vínculo da prova com o
magistrado, mas tão somente não limita a prova a este aspecto.
Demonstra, na sequência, que a utilidade da produção antecipada da prova não se limita à
sua preservação termo que, como citado alhures, não apresenta diferença substancial para
a “produção” em si . A produção da prova em momento anterior ao início do processo
principal serve também para possibilitar às partes uma melhor apreciação das chances e
dos riscos decorrentes do ajuizamento de uma ação, ou do oferecimento de peça de
resistência.
14
Importante frisar que no mesmo sentido do pensamento desenvolvido pelo referido jurista,
Luigi Paolo Comoglio destaca que há tendência no processo civil italiano de se admitir a
utilização do procedimenti di istruzione preventiva sem o fundamento da urgência,
conforme é possível identificar a partir do projeto elaborado pela Comissione Ministeriale
em 2002, que identifica, assim como faz o Prof. Yarshell, outras razões para a produção
antecipada da prova, entre elas a possibilidade de fazer um estudo adequado das estratégias
processuais a serem adotadas.
15
No entanto, o Codice di procedura Civile no Art. 692 e ss.
mantém a vinculação do procedimenti di istruzione preventiva ao requisito da urgência.
13
CAMBI, Eduardo. Direito constitucional à prova no processo civil. Coleção temas atuais de processo civil,
vol. 3. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 166.
14
“Contudo, em coerência com as conclusões expostas anteriormente, a prova – incluindo-se aí as regras
sobre distribuição dos respectivos ônus não desempenha no sistema apenas a função de esclarecimento do
órgão julgador na missão de declarar o direito no caso concreto. Mais que isso, a prova pode e deve ser vista
como elemento pelo qual os interessados avaliam suas chances, riscos e encargos em processo futuro, e pelo
qual norteiam sua conduta, inclusive de sorte a evitar uma decisão imperativa”. (YARSHELL, Flávio Luiz.
Antecipação da prova sem o requisito da urgência e direito autônomo à prova. São Paulo: Malheiros, 2009.
p. 137)
15
Si profilano comunque, de jure condendo, alcune interessanti novità nelle linee direttive di una prossima
riforma organica del processo. Nel progetto redatt o ed elaborato dalla Comissione ministeriale presieduta da
Vaccarella n el 2002, la direttiva n. 52 prevede
preventiva anche in assenza di periculum in mora>>, noché ssibilità di generalizzare la consulenza
tecnica ante causam>>. Fermo restando il chiaro intento di svincolare i presupposti di tale istruzione dalle
consuete condizioni di ammissibilità della tutela cautelare in genere, si va rafforzando il parallelismo fre le
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Em sede de conclusão, Flávio Yarshell faz proposições de reformas ao CPC/73 para que
seja adequadamente tutelado o direito à prova, dentre as quais se pode destacar: a)
“acrescer um inciso ao art. 847 do CPC, para nele constar que as providências de instrução
ali mencionadas podem ter lugar sempre que houver ‘motivo legítimo ou que isso seja útil
para impedir ou por fim a controvérsia ou litígio’;”;
16
b) “deixar expresso que a
antecipação não se limita necessariamente ao interrogatório ou à inquirição de
testemunhas, podendo abranger toda e qualquer outra providência de instrução que seja
‘moralmente legítima’,”.
17
Dentre outras sugestões para a preservação da harmonia e
unidade do código.
O que se pode concluir a partir das colocações expostas neste tópico é que a existência de
um direito autônomo à prova impõe a necessidade de um procedimento através do qual as
partes possam garantir o exercício desse direito. O que se daria através de um processo
interpretativo da legislação vigente, para ampliar a sua abrangência e relativizar os
requisitos dos arts. 846 e ss., ou por meio de uma reforma na legislação, o que está sendo
feito no PL 8.046/10, que será analisado nos tópicos seguintes.
4. O Projeto do Novo CPC
Dentre as diversas alterações que são objetivadas pelo legislador reformador está, como
dito alhures, a previsão de um procedimento de produção antecipada de provas sem o
requisito da urgência. Arruda Alvim afirma, na esteira de outros posicionamentos
demonstrados acima, que houve uma mudança de paradigma no instituto da prova, pois se
passou a reconhecer a função da prova na formação do convencimento das partes na
avaliação de suas chances em uma eventual demanda. Afirma, ainda, que “este novo
propósito da atividade probatória, que, de certa forma, situa também as partes como
destinatárias da prova, tem como objetivo prevenir a propositura de ações infundadas ou
fadadas ao insucesso, porque desprovidas de respaldo fático”.
18
più r ecenti innovazioni legislative, in materia di indagini ate>> e preventive>> dei difensori nel
processo penale, e le chances di tutela anticipata, che grazie, pure, al potenziamento dei mezzi instrutori
assumibili dai diffensori >, configurato dalla direttiva n. 22 (cfr.
supra) muniscono anche i difensori nel processo civile di idonee prossibilità di > di
fonti e di mezzi probatori, in funzioni de un giudizio ancor da promuoversi, nonché in vista di un più
adeguato studio delle strategie defensive adottabili”. (COMOGLIO, Luigi Paolo. Le prove civili. 2. ed.
Torino: UTET, 2004. p. 142).
16
Ob. cit. p. 444.
17
Ob. cit.
18
ALVIM, Arruda. Notas sobre o projeto de novo código de processo civil. Revista de Processo, São Paulo;
Vol. 191, p. 299, Jan. 2011.
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O PL 8.046/10 inovou com a criação de uma Parte Geral, na qual foram insculpidas
normas que devem reger a atividade dos atores do processo, dentre os quais merece
destaque o princípio da cooperação. Além disso, a todo o tempo se buscou a simplificação
dos procedimentos e do próprio código embora não nem sempre este objetivo tenha sido
alcançado para garantir uma duração razoável do processo. Nesse contexto é que essa
alteração antecipação da prova sem o requisito da urgência aparece como um dos
meios de redução da litigiosidade e de tentativa de tornar célere a prestação jurisdicional.
Bem como, tem que ser analisada sob o escopo da simplificação do procedimento e da
garantia dos direitos constitucionalmente previstos. Será esse, portanto, o enfoque dado
doravante, para que seja possível analisar o procedimento em questão.
4.1. Hipóteses de cabimento do procedimento de produção antecipada de prova
Dispõe o art. 388 do projeto do novo CPC ser admitida a produção antecipada de provas
nos casos em que: a) haja fundado receio de que venha a tornar-se impossível ou muito
difícil a verificação de certos fatos na pendência da ação; b) a prova a ser produzida seja
suscetível de viabilizar tentativa de conciliação ou de outro meio adequado de solução do
conflito; e c) o prévio conhecimento dos fatos possa justificar ou evitar o ajuizamento de
ação.
A primeira situação somente reitera hipótese de cabimento já consagrada no CPC/73,
consistente na produção da prova para evitar seu perecimento. Sendo, portanto,
desnecessário tecer quaisquer comentários sobre o tema, uma vez que já foi analisado
alhures.
Quanto à segunda hipótese (“viabilizar tentativa de conciliação ou de outro meio adequado
de solução do conflito”) temos realmente uma inovação que merece nossa atenção.
Na hipótese ora analisada o legislador admite expressamente que, conforme citado acima, a
prova não se destina exclusivamente ao juiz. A prova se presta também à formação do
convencimento das partes quanto às suas chances em uma eventual demanda note,
eventual demanda” –. Importante perceber que não há mais disposição no sentido de
estipular prazo para o ajuizamento da ação principal. Isso porque, a hipótese de cabimento
em tela não está vinculada a um processo principal, é reconhecido o direito autônomo ao
ajuizamento de uma demanda para fins de produção de prova como meio de facilitar a
autocomposição.
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Assim sendo, é possível que, ocorrendo um acidente de carro entre “A” e “B”, qualquer um
dos interessados vá a juízo para que se produza a prova pericial a fim de identificar quem
foi o causador do acidente. Digamos que a perícia conclua que a responsabilidade pelo
acidente é de “A”. Neste caso, “A” e “B” teriam a perfeita noção de suas chances em uma
eventual demanda judicial, hipótese que pode levar “A” a formular uma proposta de acordo
extrajudicial para que sobre ele não recaiam os ônus decorrentes de uma demanda judicial.
A terceira hipótese de cabimento se aproxima sobremaneira da que acabamos de abordar,
pois também está ligada à concepção de que as partes interessadas também são
destinatárias da prova. Porém, neste caso o legislador busca autorizar a produção
antecipada da prova para evitar que as partes ingressem em juízo com demandas
temerárias, ou o contrário, que as partes tenham elementos para ingressar em juízo com
mais chances de êxito.
Essa hipótese de cabimento vai ao encontro da sistemática adotada pelo projeto do novo
CPC, o que se pode depreender da leitura do art. 77, II do projeto, que elenca entre os
deveres das partes “deixar de formular pretensão ou de apresentar defesa quando cientes de
que são destituídas de fundamento”. E para que as partes possam adequar as suas atitudes –
dentro e fora do processo é preciso que lhes sejam disponibilizados meios para
conhecerem suas verdadeiras chances e avaliar a validade dos fundamentos que pretendem
expor.
4.2. Do arrolamento de bens
O §1º do art. 388 do projeto do novo CPC dispõe que “o arrolamento de bens observará o
disposto nesta seção quando tiver por finalidade apenas a realização de documentação e
não a prática de atos de apreensão”. Tal previsão consagra expressamente a possibilidade
de utilização do arrolamento de bens sem fins constritivos.
O CPC de 1939 previa em seu art. 676, IX o arrolamento de bens para fins de descrição
dos bens do casal, de forma que pudesse ser utilizado como base para um futuro processo
de inventário. Assim, não havia àquela época o caráter constritivo. Este somente foi
inserido no sistema com o advento do CPC atual, que, inspirado no modelo português,
atribuiu caráter constritivo à medida (art. 855 e ss. do CPC/73).
A despeito dessa característica, diversas vozes se levantaram a favor da possibilidade de
utilização do arrolamento de bens sem o seu caráter constritivo. Por todos, Ernane Fidélis
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dos Santos, que afirma ser possível o pedido de arrolamento sem a medida constritiva,
visando, única e exclusivamente o conhecimento dos bens.
19
Esse viés meramente probatório do arrolamento é o que foi resgatado pelo projeto do novo
CPC. Para tanto, o legislador dispôs que na hipótese de o arrolamento não possuir caráter
constritivo ele será regido pela “Seção II – Da produção antecipada da prova”.
Curioso mencionar que não a previsão da medida típica de arrolamento com caráter
constritivo ao longo do projeto. Isso porque, não há mais o Livro dedicado exclusivamente
às cautelares, bem como foi extinto o rol de cautelares típicas, passando o tratamento das
cautelares, em caráter antecedente, a ser feito pelos arts. 307 a 312. Contudo, a inexistência
da previsão expressa não implica no seu desaparecimento do sistema, uma vez que o
magistrado poderá conceder tal medida cautelar por força do disposto no art. 298
20
do
projeto.
Nesse sentido, portanto, o arrolamento de bens não estará vinculado à existência da
urgência, bastando para o seu cabimento que esteja presente alguma das hipóteses previstas
nos incisos do art. 388 do projeto.
De grande importância didática é o exemplo dado por Flávio Yarshell que se reporta à
hipótese de um credor de dada quantia que, sem saber da solvabilidade de seu devedor,
pretende o arrolamento de bens para que, sabendo da real condição patrimonial evite
instaurar processo em face deste que ao final restaria frustrado, dada a inexistência de bens
passíveis de expropriação
21
. Importante mencionar que tal medida se mostra tanto efetiva,
sob a ótica do credor, quanto menos gravosa, sob a ótica do devedor, alcançando o escopo
pretendido pelo projeto.
4.3. Da Justificação
O §5º do art. 388 do projeto dispõe que também se aplica o disposto na Seção II à
justificação
22
. A justificação desde o código atual já é vista como procedimento que se
diferenciava das demais medidas propriamente cautelares, pois era reconhecida a
desnecessidade do requisito do periculum in mora, já que o art. 861 do CPC admitia o seu
19
DOS SANTOS, Ernane Fidélis. Manual de Direito Processual Civil. Vol. II. 10. ed. São Paulo: Saraiva,
2006. p. 341.
20
“Art. 298. O juiz poderá determinar as medidas que considerar adequadas para efetivação da tutela
antecipada. Parágrafo único. A efetivação da tutela antecipada observará as n ormas referentes ao
cumprimento provisório da sentença, no que couber”.
21
Ob. cit. p. 439.
22
“Art. 388 – § 5º Aplica-se o disposto nesta Seção àquele que pretender justificar a existência de algum fato
ou relação jurídica, para simples documento e sem caráter contencioso, que exporá, em petição
circunstanciada, a sua intenção”.
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ajuizamento para fins de mera documentação
23
. Tal característica é destacada por
Humberto Theodoro Júnior ao afirmar que a justificação consiste na “colheita avulsa de
prova testemunhal, que tanto pode ser utilizada em processo futuro, como em outras
finalidades não contenciosas”.
24
Corroborando o exposto, no relatório do Deputado Paulo
Teixeira ficou consignado que foi unificado “o regime da justificação com o da produção
antecipada de prova, exatamente em razão da desnecessidade de demonstração da urgência
para sua produção”.
25
Da mesma forma que o arrolamento de bens, a justificação não encontra previsão em outro
ponto do projeto de novo CPC, tendo o legislador limitado seu tratamento ao §5º do art.
388. Tal fato não prejudica de forma alguma a sua utilização, até mesmo porque havia
doutrinadores que levantavam a dificuldade de diferenciá-la do procedimento de produção
antecipada de provas, dados os inúmeros pontos de contato
26
.
4.4. Competência e Prevenção
Ponto que talvez seja um dos mais delicados do procedimento de produção antecipada de
provas no projeto do novo CPC é o referente à competência e à prevenção. Sobre o tema o
projeto prevê o seguinte nos §§ 2º a 4º do art. 388: “§ 2º A produção antecipada da prova é
da competência do juízo do foro onde esta deva ser produzida ou do foro de domicílio do
réu. § 3º A produção antecipada da prova não previne a competência do juízo para a ação
que venha a ser proposta.§ 4º O juiz estadual tem competência para produção antecipada
de prova requerida em face da União, entidade autárquica ou empresa pública federal se,
na localidade, não houver vara federal”.
Inicialmente, o §2º estipula regra de competência específica para o procedimento da
produção antecipada da prova, dispondo que o foro competente será aquele no qual a prova
deve ser produzida. Trata-se de disposição que busca solucionar problema que há muito
fomenta discussões na doutrina: a dificuldade de produzir a prova quando o objeto se
encontra em comarca distante do foro competente para o ajuizamento da ação principal.
23
Art. 861. Quem pretender justificar a existência de algum fato ou relação jurídica, seja para simples
documento e sem caráter contencioso, seja para servir de prova em processo regular, exporá, em petição
circunstanciada, a sua intenção”.
24
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. Vol. II. 40. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2006. p. 513.
25
Texto do PL 8.046/10 aprovado na Comissão Especial da Câmara dos Deputados, disponível em:
http://www.redp.com.br/arquivos/substitutivo_paulo_teixeira_08maio2013.pdf>, acesso em 30/10/2013.
26
Ob. cit. p. 422/423.
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Atualmente, o CPC prevê no art. 800 que o juízo competente para a ação principal será o
competente para as medidas cautelares preparatórias. Contudo, o CPC atual parte de uma
premissa que foi afastada pelo projeto, a de que a produção antecipada de prova consiste
necessariamente em medida cautelar preparatória. Esta mudança de paradigma, como
referido alhures, traz inúmeras consequências para o sistema e uma delas é a solução da
questão referente ao juízo competente. Explico.
Se considerarmos, como demonstrado no tópico “3”, que existe um direito autônomo à
produção da prova e que a produção antecipada da prova não se destina unicamente à
preservação da prova portanto, não está necessariamente vinculada a um processo
principal não persiste razão para atribuirmos competência ao juízo onde tramitaria a
demanda principal, já que essa não existirá obrigatoriamente.
Dito isso, deve-se buscar qual o critério mais adequado para a fixação da competência. A
conclusão que se chega não pode ser outra senão o local onde a prova deve ser produzida.
Contudo, a redação do projeto prevê ainda que, alternativamente, a prova poderá ser
produzida no domicílio do réu. Quanto a esta disposição parece que o legislador deveria ter
sido mais claro quanto à sua intenção. Isso porque, se o escopo da norma é facilitar a
produção da prova não parece razoável admitir que, v.g., um fazendeiro que pretenda fazer
prova quanto a um rebanho de gados negociado, que se encontra em uma fazenda no Mato
Grosso, possa ajuizar a demanda no Estado de São Paulo onde é domiciliado o Réu.
Admitir tal situação seria ir contra toda a ideia de duração razoável do processo e
simplificação do procedimento preconizada pelos idealizadores do projeto.
Assim, solução que parece mais razoável seria a de que o juízo competente é o do local
onde deve ser produzida a prova. Contudo, em situações nas quais não seja possível
identificar um local para a produção da prova por exemplo, caso de prova pericial em um
caminhão que não possui pouso determinado, mudando de localização constantemente ou
se trate de prova que possa ser produzida em qualquer lugar caso de uma perícia em um
sistema de proteção de um determinado site de comércio virtual , será competente a
comarca de domicílio do réu.
O §3º por sua vez trata da prevenção, dispondo que a produção antecipada da prova não
torna prevento o juízo para o ajuizamento da demanda principal. Novamente é importante
se atentar para a mudança de paradigma que o projeto propõe. A ação de produção
antecipada de prova é o meio processual para o exercício de um direito autônomo à prova.
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Nesse procedimento não há juízo de valor quanto ao conteúdo da prova, mas tão somente
se verifica se os requisitos legais estão preenchidos para a produção da prova, que poderá
ou não ser utilizada em uma futura demanda judicial.
Assim sendo, não há qualquer razão para que tal juízo se torne prevento. Previsão nesse
sentido somente serviria para dificultar o exercício do direito de ação da demanda em que
se pretenderia utilizar a prova.
É curial notar que a prevenção, especificamente em relação à projeção expansiva dos seus
efeitos, consiste “no surgimento de um dever de atribuição de todas as demandas conexas
(i.e., todas que pertencem a um mesmo conjunto de conexas) ao juízo prevento”.
27
Nesse
sentido, é importante tentar identificar se haveria conexão entre a demanda de produção
antecipada de provas e uma eventual ação principal. Vejamos.
Bruno Silveira fixa como critério para identificação da conexidade para utilizar o termo
adotado pelo referido doutrinador entre demandas “saber se, julgadas em separado duas
ou mais demandas, poderia advir algum tipo de incompatibilidade lógica ou prática entre
os respectivos julgados”.
28
Utilizando este critério é forçoso admitir que não haveria
conexidade entre a ação probatória autônoma e uma eventual ação a ser ajuizada para
tutela do direito material relativo à prova. Isso porque, não havendo juízo de valor quanto
ao conteúdo da prova, não seria possível se falar em incompatibilidade entre os julgados.
Bem como, independentemente da prova produzida por meio do procedimento do art. 388
do projeto, tanto as partes podem deixar de utilizá-la quanto o juiz pode determinar que
seja produzida nova prova.
Desta forma, agiu bem o legislador projetista ao dispor expressamente que não há
prevenção.
Por fim, o §4º que dispõe quanto à competência do juiz estadual para produção antecipada
de prova requerida em face da União, em comarca onde não houver Vara Federal em nada
altera a regulamentação atual, uma vez que o art. 15 da Lei 5.010/1966
29
possui previsão
idêntica, havendo pequena diferença na redação dos artigos, o que não afeta na norma que
se pode extrair a partir do texto legal.
27
OLIVEIRA, Bruno Silveira de. Conexidade e efetividade processual. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2007. p. 200.
28
Idem. p. 135.
29
“Art. 15. Nas Comarcas do interior onde não funcionar Vara da Justiça Federal (artigo 12), os Juízes
Estaduais são competentes para processar e julgar: (...) II - as vistorias e justificações destinadas a fazer prova
perante a administração federal, centralizada ou autárquica, quando o requerente fôr domiciliado na
Comarca;”
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4.5. Dos requisitos da inicial
Prevê o art. 389, caput, do projeto que “na petição, o requerente apresentará as razões que
justificam a necessidade de antecipação da prova e mencionará com precisão os fatos sobre
os quais a prova há de recair”, devendo ainda ser observados os requisitos previstos nos
arts. 320 e 321 do projeto do novo CPC.
A exigência prevista no caput do art. 389 deve ser vista à luz das premissas aqui fixadas.
Ou seja, não é possível entender como “necessidade de antecipação da prova” a
possibilidade de seu perecimento ou a dificuldade da sua produção no bojo de uma
eventual demanda judicial. Isso seria limitar a produção antecipada de prova às hipóteses
de urgência. Como vimos ao longo do presente artigo, o projeto do novo CPC não admite
tal limitação.
Assim sendo, sob a ótica do projeto devemos entender por “necessidade de antecipação da
prova” a presença de alguma das situações dos incisos do art. 388 do CPC. O que força a
conclusão de que a referida exigência pode vir a se tornar inócua, uma vez que é difícil
imaginar uma situação em que não seja possível vislumbrar a prova como meio de
viabilizar um acordo extrajudicial, evitar que a parte ingresse em juízo ou justificar o
ajuizamento de uma futura ação.
Pior que isso é a possibilidade de essa exigência se tornar uma forma de os juízes em
busca de cumprir as “metas do CNJ” – indeferirem as iniciais de produção antecipada de
prova pelo não preenchimento da citada exigência. O que iria de encontro a tudo que foi
exposto até o presente momento. Assim, melhor seria que o legislador deixasse a cargo do
art. 320 do projeto a previsão dos elementos que devem constar da petição inicial, uma vez
que a “necessidade de antecipação da prova” já estaria abarcada pelo art. 320, III do
projeto e evitaria a situação vislumbrada acima.
Quanto aos “fatos sobre os quais a prova há de recair”, também estaria abarcado pelo art.
320, IV do projeto, o que tornaria mera repetição a sua previsão no art. 389.
4.6. O Art. 389 e a ofensa ao contraditório
De todas as disposições pertinentes ao tratamento da produção antecipada de provas,
aquelas que mais causam preocupação são as inseridas nos §§ 1º e 4º do art. 389. Dada a
sua peculiaridade faço transcrevê-las integralmente: § 1º O juiz determinará, de ofício ou
a requerimento da parte, a citação de interessados na produção da prova ou no fato a ser
provado, salvo se inexistente caráter contencioso; (...) § 4º Neste procedimento, não se
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admitirá defesa ou recurso, salvo contra a decisão que indeferir, total ou parcialmente, a
produção da prova pleiteada pelo requerente originário”.
Os parágrafos acima colacionados destoam sobremaneira de tudo o que se busca com o
projeto do novo CPC. Primeiramente, o legislador projetista estipula que as partes
interessadas serão citadas a requerimento da parte ou de ofício pelo magistrado. Até este
ponto andou bem. Contudo, na sequência prevê exceção para aqueles casos em que
inexistir o caráter contencioso. Como assim? De que forma o magistrado poderá saber se a
produção de determinada prova pode ou não gerar interferência na esfera individual de
outra pessoa, que ficando alheia ao processo não teria como exercer o contraditório? A
norma é de patente inconstitucionalidade, ferindo de morte o princípio do contraditório e
da ampla defesa ao criar a possibilidade de intervenção na intimidade de outrem sem o
respeito ao devido processo legal e ao contraditório.
Não bastasse a existência de tal previsão, o legislador vai além, veda a defesa ou o recurso
no procedimento de produção antecipada de prova. Repito, o legislador criou uma hipótese
de processo judicial em que o réu não poderá apresentar defesa ou recurso. Sendo assim, o
que faz o réu no referido procedimento? Mero expectador?
Ao que parece o legislador deixou de considerar, o que já foi ponderado acima, que a
produção antecipada de provas, embora não tenha caráter constritivo, pode gerar
interferência na esfera privada e normalmente essa interferência está presente de
terceiros, que deverão ser citados para participarem do referido procedimento e poder
interferirem na decisão judicial que irá lhes imputar limitações ao direito de privacidade
por meio do exercício do contraditório.
Curioso notar que o próprio legislador admite a participação do réu quando houver o
aspecto contencioso, mas impede que este ofereça defesa ou recursos. A incongruência
entre normas inseridas no mesmo artigo é gritante.
Quanto à vedação ao recurso, está já nasce eivada de grave inconstitucionalidade, uma vez
que fecha totalmente as portas do réu à via recursal, e conforme aduzido pelo Prof. Bruno
Silveira, com a clareza que é característica, é “inconstitucional uma lei que revogasse por
completo os recursos que propiciam o duplo grau de jurisdição: porque há outros meios
igualmente capazes de fomentar a celeridade processual que, todavia, não afrontam o
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conteúdo de direitos fundamentais, como o direito ao amplo acesso à justiça (art. 5º,
XXXV, CF/88)”.
30
Além de limitar totalmente os recursos para o réu, restam também limitadas as hipóteses de
recurso do autor para aqueles casos em que tenha havido o indeferimento total ou parcial,
aparentemente eliminando a possibilidade até mesmo de embargos de declaração.
Quanto às aberrantes limitações ora tratadas o único caminho para evitar que sejam
futuramente declaradas inconstitucionais é retirá-las do código, passando a reputar
obrigatória a participação daquele sobre quem pode recair eventuais ônus da produção da
prova, ao invés de deixar a cargo do arbítrio do magistrado verificar a existência ou não do
caráter contencioso.
Da mesma forma, quanto ao §4º seria admissível caso o legislador repute indispensável
limitações parciais à recorribilidade, mas nunca o total cerceamento ao recurso. Tal medida
além de limitar, como dito, o amplo acesso à justiça vai no caminho contrário do escopo do
procedimento ora estudado, que é o de evitar que uma futura demanda seja ajuizada, ou
que demandas temerárias sejam ajuizadas sem elementos robustos, o que só irá abarrotar
ainda mais as prateleiras dos cartórios judiciais.
Por fim, é importante ter em mente que não é a vedação do recurso ou do contraditório
nessa esfera que irá tornar mais célere a prestação jurisdicional, uma vez que eventuais
questionamentos reprimidos irão refletir em uma futura demanda judicial ainda mais
conturbada, na qual todos esses pontos que caso resolvidos poderiam, inclusive, evitar o
seu ajuizamento serão levantados.
5. Conclusão
À guisa de conclusão, é de se notar que o procedimento, na forma que lhe foi atribuída
pelo projeto, põe fim a algumas discussões que somente se prestavam a tumultuar a
prestação jurisdicional. Além disso, adota a premissa da existência do direito autônomo à
prova, o que a nosso ver parece acertado.
Importante destacar que o próprio projeto passou a prever hipóteses em que o
procedimento será meio de alcançar vias mais céleres da prestação jurisdicional, como se
pode vislumbrar na previsão do art. 715, §2º do projeto que admite como prova
30
OLIVEIRA, Bruno Silveira de. Duplo grau de jurisdição: princípio constitucional? Revista de Processo,
São Paulo; Vol. 162, Ago. 2008. p. 378.
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documental, para instruir a Ação Monitória, a prova oral colhida em procedimento de
produção antecipada de prova.
Ademais, a unificação das diversas “vias” de produção antecipada de prova seguiu a linha
adotada pelo projeto ao buscar a simplificação do procedimento. Contudo, agiu mal ao
prever hipóteses de limitação do contraditório e da ampla defesa, o que não se prestará a
garantir uma tutela mais célere, consistindo tão somente uma limitação inconstitucional
que deve ser extirpada do projeto.
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