Da propriedade

AutorMelina Lemos Vilela
Páginas25-95

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“E asy segujmos nosso caminho por este mar de lomgo, ataa terça feira doitavas de pascoa, que foram 21 dias dabril, que topamos alguus synaes de terra... os quaes hera muyta camtidade dervas compridas,a que os mareantes chama botelho e asy outras a que tam bem chama rabo dasno. E a quarta feira segujnte pola manhã topamos aves que chama furabuchos e neste dia... ouvemos vista de terra, primeiramente dhum grande monte muy alto e redondo e doutras serras mais baixas... e de terra chãa com grandes arvoredos, ao qual monte o capitam pos o nome o Monte Pascoal. E a terra – a Terra da Vera Cruz”. (Pero Vaz de Caminha) 1

1.1. Aspectos histórico-políticos da ocupação de terras no Brasil

Em princípios de 1493, quando Dom João II, também conhecido como Príncipe Perfeito, ouviu de Cristóvão Colombo que encontrara novas terras ao poente, o monarca comentou que todas as terras

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pertenciam à sua Coroa, com base no Tratado de Alcaçovas- Toledo.2 3Vários Papas, dentre eles Martinho V, Eugênio IV, Nicolau V e Calixto V concederam aos reis as terras que eram descobertas, com base no direito de conquista.

Fernando de Aragão e Isabel de Castela, rei e rainha de Castela, Leão, Aragão, Sicília e Granada, enquanto tentavam negociar sobre as terras descobertas, agiam junto ao Papa espanhol Alexandre VI, que expediu as bulas Eximiae Devotionis e Inter Coetera revogando todas as outras bulas emitidas

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pelos papas antecessores que diziam respeito em relação ao descobrimento de novas terras4, concedendo o “direito sobre todas as ilhas e as terras firmes descobertas ou a serem descobertas em direção ao ocidente, a contar da linha de cem léguas de Açores e Cabo Verde”.5Diante dos conflitos existentes entre os reinos de Espanha e Portugal, o monarca lusitano estava

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disposto a utilizarse das armas para ter direito às terras descobertas, o que acarretou na realização dos Tratados de Alcaçovas6 e Tordesilhas7, assinados em 1479 e 1494, respectivamente.8

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Em 1504 houve a confirmação do Tratado de Tordesilhas pelo Papa Júlio II, por meio da Bula Pro Boni Pacis.9Com base nas bulas10 expedidas pelos Papas, as terras descobertas passaram, portanto a ser legitimamente da coroa portuguesa.

Mas, mesmo após a concessão das terras à coroa portuguesa, o monarca não tentou de forma alguma proteger suas terras, o que acarretou na presença de piratas rodeando as orlas, muitas vezes incentivados pelo rei Francisco I, da França, que não se con-

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formara em ter sido excluído da divisão do mundo entre lusitanos e espanhóis.

Diogo de Gouveia, conselheiro do monarca, sugeriu que, por meio das capitanias hereditárias, modelo já utilizado na colonização de Açores, nos quais os donatários tinham o direito de distribuir terras de sesmarias,11 essas terras fossem entregues a vassalos para que fossem povoadas e defendidas às suas próprias custas12. No período compreendido entre 1534 a 1536 foram criadas 14 (catorze) capitanias hereditárias, com tamanhos que variavam de trinta (30) e cem (100) léguas.

As Coroas portuguesa e espanhola tinham um único monarca no período de 1578 a 1640, o que acarretou em repercussões no território brasileiro, qual seja, por meio dos bandeirantes houve o alargamento pacífico do território português muito para a esquerda do estabelecido no Tratado de Tor-

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desilhas, e que foi posteriormente homologado pelo Tratado de Madri em 1750.13 14

1.1.1. Sistema sesmarial

Com os tratados firmados entre Portugal e Espanha após o descobrimento do Brasil, criou-se a

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possibilidade de poderem ser colonizadas as terras recém descobertas.

Por meio do conselheiro do monarca é que surgiu a possibilidade de se usar o sistema sesmarial no Brasil, medida que era conhecida pelos monarcas portugueses e que já havia sido praticada em outras colônias.

Dom Fernando I, o Formoso, último rei da dinastia de Borgonha, promulgou, em 26 de junho de 137515, na cidade de Santarém (Portugal) a Lei de Sesmarias, também conhecida como Lei do Pão16,

de forma a evitar o êxodo rural em Portugal e solucionar com isso o problema que estava colocando em risco o abastecimento de alimentos nas cidades.17 A Lei de Sesmarias criou uma forma de limi-

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tação da propriedade, pois ela dispunha que o proprietário das terras não poderia deixá-las ociosas, devendo, portanto, torná-las propriedades produtivas em troca do pagamento da sexta parte do que iria ser produzido. O não cumprimento dessa deter-minação acarretaria no confisco da propriedade e o consequente retorno dela à coroa portuguesa.

Segundo ESTEVES DE CARVALHO, a sesmaria tinha por objetivo designar “concessões de terrenos incultos, e desaproveitadas a pessoas, que sobre eles não tem direito algum antecedente, para efeito de os aproveitarem, e melhorarem pela agricultura”.18 O

Instituto das Sesmarias foi incorporado e passou a integrar nas Ordenações Afonsinas (de 1446, Liv.

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IV, Tit. LXXXI19), nas Ordenações Manuelinas (de 1514, no Liv. 4, Tít. 6720) e nas Ordenações Filipinas (de 1603, no Liv. 4, Tít. 4321).

A aplicação da lei de sesmarias no Brasil somente ocorreu durante a vigência das Ordenações Manuelinas, visto que o início da aplicação do regime sesmarial se deu com a chegada de Martim Afonso de Souza em 30 de janeiro de 1531.22Segundo o disposto nas Ordenações Filipinas, “Sesmarias são propriamente as dadas de terras, casais ou pardieiros que foram ou são de alguns senhorios e que já em outro tempo foram lavras e aproveitadas e agora o não são.”23Segundo Telga de Araújo, a significação da palavra sesmaria é de difícil determinação e, segundo alguns autores, seria um enigma linguístico:

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“Para uns o vocábulo deriva do latim ‘caesinae’, ou seja, os cortes ou rasgões feitos na superfície da terra pelos arados ou pela enxada. Outros, afirmam ser a expressão originada de ‘sesma’, antiga medida agrária. Indica-se, também, sua vinculação ao verbo “sesmar”, exprimindo a idéia de avaliar, calcular ou estimar, ou, ainda, ‘sesmar’ na acepção de separar e dividir ‘sesmo’ seria, para alguns outros, a origem da palavra com o sentido de ‘sítio onde se acham localizadas as terras’. Derivaria, na opinião de diversos pesquisadores, do latim ‘siximum’ – a sexta parte de alguma cousa. Desse modo, entendia Pereira e Souza, no seu dicionário Jurídico publicado em Lisboa, em 1827, citado por Cirne Lima.”24A Primeira Carta de Sesmaria de que se tem notícia é a que foi dada ao mercador Fernando de Noronha, nos termos das Ordenações Afonsinas, título 81 do Livro IV, que era muito parecida com o estilo feudal, pois era concedida por duas vidas, ou seja, durante a vida do concessionário, Fernando de Noronha, e a de seu legítimo filho homem e o mais velho, que ficaria até o tempo de seu falecimento.25

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Em 1516, D. Manoel expediu um alvará no qual determinava que se desse material de trabalho aos que desejassem ir ao Brasil, mas somente em 1530, em função da pirataria que estava ocorrendo no litoral brasileiro por expedições francesas, é que resolveu enviar a expedição de Martim Afonso de Souza.

Em 20 de novembro de 1530 foi expedida o Alvará de Castro Verde, mas somente em 03 de dezembro Martim Afonso partiu para o Brasil, com a missão de administrar a colônia, dividir o território em Capitanias, nomear funcionários, exercer a justiça, conceder sesmarias para quem pudesse morar e explorar as terras, que teria características de perpetuidade da concessão e também para implantar o primeiro engenho de cana-de-açúcar.26 27A doação de uma sesmaria era feita por meio de Carta de Doação, Carta Foral ou Carta de Sesmarias. Foi com a Carta Foral, em 06 de Outubro

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de 153128, que se introduziu o regime Sesmarial no Brasil, com aqual por meio de doação, terras eram gratuitamente concedidas aos homens de muitas posses, que deveriam cumprir com obrigações estabelecidas pela Coroa Portuguesa, pois, caso não

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conseguissem cumprir essas “cláusulas”, a terra doada era devolvida à Coroa. Daí a origem da expressão “terras devolutas” como “terras devolvidas”.

Em 28 de setembro de 1532, por meio de Carta Régia concedida por Dom João III a Martim Afonso de Souza, introduziu no Brasil o Sistema de Capita-nias Hereditárias, sistema sugerido pelo diplomata português Diogo de Gouveia, que já havia sido utilizado nas Ilhas de Madeira e dos Açores29.

Segundo Albenir Gonçalves, as terras brasileiras seriam divididas em porções de cinquenta léguas de largura a contar da costa e distribuídas entre pessoas nobres e ricas, que possuíssem recursos financeiros para povoar as terras doadas, arcando com as despesas de transportes e estabelecimento dos colonos. Aos donatários eram delegados vários poderes governamentais, como o poder de exercer jurisdição cível e criminal e liberdade de doação de terras aos interessados em cultivar em regime de sesmarias.30

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Porém, o que se percebe é que a finalidade da sesmaria que foi criada por D. Fernando e a sesmaria criada no Brasil são diferentes, pois naquela buscava-se que as terras fossem produtivas, porém minifúndios, o que era o oposto do que se encontrava no Brasil no século XVI.

Manoel Gonçalves Ferreira Filho afirma que os pactos forais ou cartas de franquia, muito utilizados na Idade Média, eram textos escritos resguardando direitos individuais.31As concessões de terras somavam uma média de quatorze mil e quatrocentos hectares, e nelas eram impostas aos sesmeiros condições de...

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