Da revolução industrial à globalização: capitalismo e reconfiguração histórica do espaço urbano

AutorRicardo Oliveira Rotondano
CargoDoutor em Direito pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Mestre em Direito pela Universidade de Brasília (UnB). Docente do Curso de Direito da Universidade Estadual de Goiás (UEG). Docente do Curso de Direito e do Mestrado em Direitos Humanos do Centro Universitário Ritter dos Reis (UniRitter). Universidade Estadual de Goiás (UEG), Brasil. O...
Páginas1145-1176
Revista de Direito da Cidade vol. 13, nº 2. ISSN 2317-7721
DOI: 10.12957/rdc.2020.49987
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Revista de Direito da Cidade, vol. 13, nº 2. ISSN 2317-7721. pp.1145-1176 1145
DA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL À GLOBALIZAÇÃO: CAPITALISMO E RECONFIGURAÇÃO HISTÓRICA DO
ESPAÇO URBANO
INDUSTRIAL REVOLUTION TO GLOBALIZATION: CAPITALISM AND HISTORICAL CONFIGURATION OF
URBAN SPACE
Ricardo Oliveira Rotondano
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RESUMO
O presente trabalho realiza uma incursão histórica sobre o capitalismo e a expansão das cidades na
Europa, realizando uma confrontação entre o período da Revolução Industrial e a contemporaneidade.
Nesse estudo, objetiva-se problematizar a relação entre o modelo econômico capitalista e a
estruturação do espaço urbano, perpassando as consequências desse cenário para distintos grupos da
população citadina. A pesquisa foi realizada através de uma revisão teórico-crítica, utilizando os
métodos indutivo e dialético, juntamente com as técnicas de pesquisa bibliográfica, comparativa e
monográfica. Como resultados da pesquisa proposta, identificou-se a significativa influência exercida
pelo modelo político-econômico capitalista na configuração territorial das cidades, através da qual o
espaço urbano é organizado segundo critério de conveniência das classes economicamente abastadas
e dos grupos empresariais com atuação no mercado imobiliário. As classes subalternizadas, nesse
panorama, são destinatárias de um deslocamento compulsório para moradias periféricas e isoladas
dos centros urbanos, em territórios com menor infraestrutura e serviços.
Palavras-chave: Capitalismo. Globalização. Cidade. Segregação Urbana.
ABSTRACT
The present work makes a historical incursion on the capitalism and the expansion of the cities in
Europe, making a confrontation between the period of the Industrial Revolution and the
contemporary. In this study, the objective is to analyze the relationship between the capitalist
economic model and the structuring of urban space, permeating the consequences of this scenario for
different groups o f the city population. The research was carried out through a theoretical-critical
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Doutor em Direito pela Univ ersidade Federal do Pará (UFPA). Mestre em Direito pela Universidade de Brasília
(UnB). Docente do Curso de Direito da Universidade Estadual de Goiás (UEG). Docente do Curso de Direito e do
Mestrado em Direitos Humanos do Centro Universitário Ritter dos Reis (UniRitter). Universidade Estadual de
Goiás (UEG) Brasil. ORCID Id: https://orcid.org/0000-0002-8488-1620 Lattes:
http://lattes.cnpq.br/5350349155728849 E-mail: rotondanor@gmail.com
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review, using the inductive and dialectical methods, together with bibliographic, statistical,
comparative and monographic research techniques. As a result of the proposed research, the
significant influence exerted by the capitalist political-economic model on the territorial configuration
of cities was identified, through which the urban space is organized according to the convenience
criteria of the economically wealthy classes and the business groups operating in the real estate
market. The oppressed classes, in this panorama, are the recipients of a compulsory displacement to
peripheral homes and isolated from urban centers, in territories with less infrastructure and services.
Keywords: Capitalism. Globalization. City. Urban Segregation.
INTRODUÇÃO
A cidade deveria ser um espaço de convivência múltipla e plural entre os seus habitantes,
dentro da qual as potencialidades humanas seriam eficazmente desenvolvidas por meio da
convivência social, cultural e política com os seus pares. Mediante a aproximação constante com
ideologias e práticas diversas dentro do espaço urbano, os cidadãos estariam exercitando
constantemente sua reflexão acerca dos caracteres imbuídos em seus modos de vida, culminando em
um consequente crescimento intelectivo-cultural e no desenvolvimento da capacidade de respeito
pelas formas de vivência distintas.
Além da integração entre os seus cidadãos e do desenvolvimento de aptidões humanas, o
espaço urbano deveria ser ainda um local utilizável e utilizado pelos indivíduos tendo em vista que,
ao menos em tese, este se configura como bem público. A edificação das cidades e dos seus múltiplos
e variados espaços de encontro, lazer, aprendizado, relaxamento, atividades físicas, etc. são
destinados aos citadinos. O usufruto da cidade em sua plenitude se insere justamente dentro do
objetivo pelo qual tais espaços urbanos foram criados: como localidades a serem utilizadas pelos
cidadãos.
Ocorre que, na contemporaneidade, a configuração das cidades acabou respondendo ao
atendimento dos interesses de grupos sociais e econômicos específicos, negando-se a grande parte da
população a plenitude do seu uso irrestrito. Uma série de distintos fatores produziu uma cidade
fragmentada e segmentada, com espaços nos quais por vezes os habitantes optam pela autoexclusão
da convivência com os demais grupos que habitam o mesmo território urbano; enquanto que por
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outras vezes, ocorrem processos de segregação forçada de coletividades humanas que anseiam pelo
usufruto da cidade, mas que são impedidas de efetivá-lo.
Tais distorções no processo de apropriação e uso do espaço urbano que permeiam a era pós-
moderna detêm estreita relação com o avanço do capitalismo no mundo globalizado, ao moldar a visão
de mundo dos sujeitos para a competitividade e o individualismo. Perde-se a noção de alteridade
frente ao outro: há a objetificação dos demais, que servem como meros instrumentos para o particular
alçar conquistas maiores no processo de acumulação do capital. Nesse processo, apropriar-se das
habitações urbanas melhor localizadas e com infraestrutura mais elevada se torna mais relevante do
que refletir sobre o deslocamento das classes menos abastadas para as periferias, que muitas vezes é
consequência deste ciclo.
Desse modo, a ideologia individualista vigente acaba por transformar a ci dade e o espaço
urbano em meros objetos de consumo. Os agrupamentos que detêm maiores níveis de renda
financiam a reestruturação da cidade pelos agrupamentos empresariais, que modelam a organização
do espaço urbano de acordo com os seus interesses privados. O Estado, cooptado pelo poderio
econômico das empresas, acaba anuindo com os projetos de transformação da cidade edificados por
tais setores, omitindo-se na maioria dos casos quanto ao seu dever de defesa dos direitos da população
subalternizada.
O intuito primordial da investigação ora em evidência é, justamente, realizar uma análise
crítica acerca da estreita ligação entre estes pressupostos: o recente processo de segregação,
fragmentação e apropriação privada que permeia o espaço urbano e a influência que a expansão dos
ideais capitalistas e do poderio hegemônico empresarial possuem nessa conjuntura. Para tanto,
realizaremos um processo de investigação acadêmica eminentemente bibliográfica, utilizando estudos
empíricos e teóricos realizados precipuamente na área das ciências sociais.
1. UMA DIGRESSÃO HISTÓRICA: CAPITALISMO E ESPAÇO URBANO NO SÉCULO XIX
O capitalismo não é, somente, um modelo econômico: mais do que isso, ele é um projeto de
organização da vida humana global. O sistema capitalista interfere em todas as estruturas sociais,
culturais, espaciais e políticas, disseminando uma ideologia própria que modela a visão de mundo
humana e transforma drasticamente as relações sociais entre estes indivíduos. Entender todo este
processo dentro da qual a conjuntura contemporânea global está imersa requer o retorno a alguns

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