Da segurança e da medicina do trabalho
Autor | Eduardo Gabriel Saad |
Ocupação do Autor | Advogado, Professor, Membro do Instituto dos Advogados de São Paulo |
Páginas | 264-369 |
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A observância, em todos os locais de trabalho, no disposto neste Capítulo, não desobriga as empresas do cumprimento de outras disposições que, com relação à matéria, sejam incluídas em códigos de obras ou regulamentos sanitários dos Estados ou Municípios em que se situem os respectivos estabelecimentos, bem como daquelas oriundas de convenções coletivas de trabalho.
1) Evolução histórica das normas de segurança, higiene e medicina do trabalho: Não julgamos oportuno, na abertura do Capítulo sobre segurança, higiene e medicina do trabalho, analisar o Direito do Trabalho à luz das ideologias que tentam explicar isto ou aquilo, como a importância da liberdade, a função social da propriedade privada, a submissão do Estado aos fins últimos da vida humana e assim por diante.
Conhecemos o magistério de Camerlynck e Lyon-Caen a propósito da característica do Direito do Trabalho francês que é a de manter-se afastado da técnica jurídica para situar-se bem perto das lutas ideológicas (“Derecho del Trabajo”, Ediciones Aguilar, 1974, Madrid, p. 39-40). Sabemos, outrossim, ser o Direito do Trabalho francês o antípoda do Direito anglo-saxão, marcado pelo empirismo resultante do permanente contato com as reivindicações cotidianas das classes trabalhadoras.
Que dizer do nosso Direito do Trabalho? Na terceira década do século passado, quando veio tomar lugar em nosso ordenamento jurídico, não se percebiam em suas raízes quaisquer traços de liberalismo, de socialismo ou comunismo em intensidade capaz de influenciar sua estrutura e seus institutos. O que se viu, então, foi a vontade autoritária do homem — Getúlio Vargas — editando leis, atropeladamente, ao arrepio de reais necessidades do meio social, mas que, sem dúvida alguma, o tornaram bastante popular. Embora se diga que, no plano político, antes de 1930, quando ascendeu ao poder, era ele classificado como um liberal, o certo é que foi buscar no modelo jurídico da Itália de Mussolini a inspiração para muitas das normas que ainda se agasalham em nossa Consolidação das Leis do Trabalho, sobretudo as que compõem nosso direito sindical. No Brasil, o intervencionismo estatal nas relações do trabalho acentuou-se consideravelmente de 1930 para cá. Aliás, em todos os países do mundo, essa ingerência oficial nas relações de trabalho é, atualmente, uma constante.
Através das numerosas e longas etapas da história humana, vemos o homem trabalhando exposto aos mais variados riscos. Todavia, o Poder Público, no mais das vezes, sempre voltou sua atenção para a segurança do trabalho muito depois de haver cuidado de outros aspectos da vida laboral: remuneração, duração da jornada etc.
Quando a Revolução Industrial e o progresso galopante da ciência e da tecnologia vieram diversificar as atividades industriais, novas ameaças à saúde do trabalhador se manifestaram.
A corrida desenfreada ao lucro e a satisfação de necessidades individuais ou coletivas, criadas artificialmente, não permitiam que se fizesse uma pausa para eliminar o sofrimento imposto ao trabalhador pelas máquinas e pelos processos de produção que o engenho humano engendrou. Ademais, qualquer pretensão mais ousada, no sentido de restringir o uso dos bens e equipamentos do empresário, a fim de proporcionar maior segurança ao trabalhador, esbarrava na concepção da propriedade privada como um dos pilares da sociedade saída das entranhas da Revolução
Industrial, alimentada pelos princípios do liberalismo político e econômico.
Hoje, a segurança, higiene e a medicina do trabalho, como meios de proteção do homem no trabalho, na garupa do intervencionismo estatal, penetram cada vez mais nas cidadelas do direito da propriedade e da liberdade de trabalho, para exigir maior respeito, maior cuidado com a saúde daqueles que movimentam as máquinas e dão vida às nossas empresas. A própria Constituição, de 1988, assegura aos trabalhadores urbanos e rurais, entre outros direitos, a “redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança”, como se lê do inciso XXII, do seu art. 7º.
Se o Direito do Trabalho é um dos meios mais eficazes usados pelo Estado moderno para aliviar tensões sociais e para valorizar o trabalho do homem, seu capítulo reservado à segurança e medicina do trabalho é uma das mais significativas expressões desse intervencionismo oficial nas relações do Capital e do Trabalho.
Como acontece em outros campos da vida social, é a figura do homem que, passo a passo, está se projetando sobre tudo e todos, em dimensão de grandeza cada vez maior.
Ao influxo de princípios e ideias muitas vezes antagônicos, o Estado moderno anulou muitos dos fatores que levaram Engels e Marx, no século XIX, a fazer previsões que tinham como premissa a inalterabilidade das regras do jogo político, social e econômico. Não previam a rápida transformação do Estado-gendarme em Estado do bem-estar social (Welfare State), em que o capitalismo aceita que lhe cortem largas fatias de suas prerrogativas em holocausto ao equilíbrio que deve haver entre os grupos sociais.
Há quem afirme que o capitalismo, por intermédio do Estado do bem-estar social, procura sobreviver. É, em resumo, um meio de defesa dos privilégios do próprio capital. Nossa opinião é diferente. O Welfare State é um processo já muito avançado de transformação do capitalismo.
Pouco a pouco, o Estado moderno reforça as defesas do essencial à dignidade da pessoa humana, não porque os princípios desta ou daquela ideologia lhe inspirem a ação, mas porque no mundo moderno surgiram forças assaz poderosas que precisam ser contidas para que o homem não seja o meio para isto ou para aquilo. Aqui, recordamos as palavras de Inácio de Loyola: “Todas as coisas da terra foram criadas para o homem, a fim de o ajudar a atingir a finalidade para que foi criado” (Exercices Spirituels).
Estamos na crença de que, em futuro próximo, todas as nações do globo ordenarão sua economia de conformidade com o que se inscreve no art. 41 da Constituição Italiana: “Não se admite o desenvolvimento da economia privada à custa da saúde do trabalhador”.
Alimentamos a esperança de que, em breve, qualquer pessoa considerará fato normal a proibição de determinadas atividades fabris, porque se sabe serem elas nocivas à saúde dos trabalhadores.
1.1) Política Nacional de segurança e saúde do Trabalhador: Pela Portaria n. 3.144, de 2.5.89, a Secretaria da Segurança e Saúde do Trabalhador, do Ministério do Trabalho, recuperou a faculdade de regular disposições específicas da CLT. Essa Secretaria foi extinta, passando a ser um departamento da Secretaria da Fiscalização desse mesmo Ministério.
O Decreto n. 7.602, de 7.11.11, dispõe sobre a “Política Nacional de Segurança e Saúde no Trabalho” — PNSST, e foi editado para atender o art. 4º, da Convenção n. 155, da OIT, que foi promulgada pelo Decreto n. 1.254/94. Haverá nesse trabalho a participação tripartite de governo, trabalhadores e empregadores.
1.2) Evolução das normas prevencionistas no Brasil: Não incorremos em exagero ao declarar que o legislador, em nosso
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País, só se ocupou de medidas preventivas das moléstias profissionais e dos riscos ocupacionais com a Consolidação das Leis do Trabalho, isto é, em 1º.5.43. Em época precedente, apenas alguns aspectos da questão eram focalizados no Decreto-lei n. 3.700, de 9.10.41 e no Decreto n. 10.569, de 5.10.42. Era, então, o Brasil, ainda, País eminentemente agrário, com uma indústria incipiente, que utilizava equipamento e tecnologia obsoletos. Na agricultura, o problema não se apresentava de molde a despertar a atenção do Poder Público e dos estudiosos, já que o uso de...
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