Da teoria à prática: a fiscalização e aplicação da neutralidade da rede no Brasil

AutorPedro Henrique Soares Ramos - Andressa Bizutti Andrade
Páginas415-431
415
DA TEORIA À PRÁTICA: A FISCALIZAÇÃO E APLICAÇÃO
DA NEUTRALIDADE DA REDE NO BRASIL
PEDRO HENRIQUE SOARES RAMOS
ANDRESSA BIZUTTI ANDRADE
INTRODUÇÃO
Este ensaio procura mapear quais as ferramentas institucionais e regu-
latórias existentes no Brasil, previstas no Decreto nº 8.771/16 ou não, que
podem promover a fiscalização da observância da regra da neutralidade da
rede por provedores de acesso, com o objetivo de avaliar se essas ferramen-
tas são ou não suficientes para garantir a aplicação da regra de neutralidade
da rede prevista na lei 12.965/14 – “Marco Civil da Internet”. Por meio deste
trabalho, busca-se fornecer subsídios para que pesquisadores, aplicadores
e fiscalizadores de infrações relacionadas ao cumprimento da regra da
neutralidade da rede possam compreender com clareza as competências
de cada uma das instituições envolvidas no enforcement de tal princípio.
A primeira parte traz uma breve descrição do que é a neutralidade da
rede, como esse princípio de arquitetura da rede foi regulado por meio do
Marco Civil da Internet, bem como uma introdução sobre o Decreto nº
8.771/16, decreto regulamentador do Marco Civil da Internet. A segunda
parte apresenta um mapeamento do papel dos principais atores direta ou
indiretamente envolvidos na fiscalização e aplicação da regra de neutra-
lidade da rede, relacionando suas funções institucionais com a base legal
correspondente. A terceira parte traz um mapa das principais ferramentas
decorrentes do ordenamento brasileiro à disposição de usuários para fisca-
lizarem e exigirem a aplicação da regra de neutralidade da rede por parte
de provedores de acesso. A quarta parte traz a conclusão desse trabalho,
avaliando se as ferramentas anteriormente mapeadas são ou não suficientes
para garantir a efetividade da regra da neutralidade da rede no Brasil e, ao
final, a quinta parte contém a bibliografia utilizada ao longo deste estudo.
416 HORIZONTE PRESENTE
NEUTRALIDADE DA REDE
A neutralidade da rede é um princípio de arquitetura de rede que en-
dereça aos provedores de acesso o dever de tratar os pacotes de dados
que trafegam em suas redes de forma isonômica, não os discriminando
em razão de seu conteúdo, origem ou destino. As primeiras formulações
a respeito do tema surgiram no início dos anos 2000 (LESSIG, 2001,
WU 2002), período em que a expansão da banda larga e a emergência de
novas gerações de internet móvel aumentaram o número de dispositivos
conectados em um ritmo muito maior do que a expansão física das redes
de telecomunicação disponíveis, surgindo evidências de que provedores
de acesso estariam discriminando tráfego de aplicações que pudessem ser
danosas a seus interesses comerciais – como, por exemplo, aplicações VoIP
que competem com serviços de telefonia tradicional.
Ainda que acadêmicos não se afluam em uma única definição sobre a
neutralidade, podemos identificar uma série de elementos constitutivos do
princípio da neutralidade e que estão presentes nos principais trabalhos
a respeito do tema:
I. o princípio da neutralidade da rede impõe a provedores de acesso
a obrigação de não bloquear o acesso de usuários a determinados
sites e aplicações, sendo também vedado aos provedores de acesso
arbitrariamente reduzir a velocidade ou dificultar o acesso entre
aplicações idênticas ou similares;
II. a neutralidade da rede impede a cobrança diferenciada para acesso a
conteúdos e aplicações específicas, sendo livre a cobrança de tarifas
diferenciadas conforme a velocidade de acesso ou volume de banda
utilizada; e
III. os provedores de acesso devem manter práticas transparentes e razoá-
veis a respeito de seus padrões técnicos de gerenciamento de tráfego.
Em 23 de abril de 2014, o Marco Civil da Internet foi sancionado pela en-
tão Presidenta Dilma Rousseff, passando a ser a Lei Federal n. 12.965/2014,
entrando em vigor dois meses após sua publicação. Por meio do artigo 9
o
,
o Marco Civil da Internet buscou estabelecer um regime de neutralidade
da rede ex ante, estabelecendo uma regra geral de não discriminação – tal
escolha do Marco Civil da Internet mostra-se, inclusive, alinhada com
alguns dos mais completos regimes de neutralidade de rede em vigor no
mundo. Ao mesmo tempo, a regulação brasileira da neutralidade da rede
prevê também a possibilidade de discriminações por requisitos técnicos
indispensáveis e em caso de serviços de emergência, estabelecendo regras

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