Da unidade à pluralidade das normas de competência tributária

AutorTácio Lacerda Gama
Páginas175-211
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Capítulo 5
DA UNIDADE À PLURALIDADE DAS NORMAS DE
COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA
Neste capítulo, daremos continuidade à análise estrutu-
ral das normas de competência, desta vez, porém, investigan-
do como tais normas se relacionam com as demais na compo-
sição do sistema jurídico.
O primeiro passo será, então, superar algumas ambiguida-
des no uso da expressão “sistema jurídico”. Com um sentido téc-
nico em mão, passaremos a analisar os respectivos atributos de
unidade, coerência e completude.
247
Tratando de cada um desses
pontos, teremos a oportunidade de demonstrar a importância
247. É sobre o sentido e a consequência desses atributos que os autores de teoria
geral do direito se demoram. Neste sentido, ver: AFTALIÓN, Enrique R.; VILANO-
VA, José; RAFFO, Julio. Introducción al derecho (conocimiento y conocimiento cien-
tífico, historia de las ideas jurídicas, teoría general del derecho, teoría general aplica-
da) cit.; ALCHOURRON, Carlos E; BULYGIN, Eugenio. Introducción a la
metodología de las ciencias juridicas y sociales cit.; ALVES, Alaôr Caffé. Lógica, pen-
samento formal e argumentação. 2. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2002; BOBBIO,
Norberto. Teoria do ordenamento jurídico cit.; CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensa-
mento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito. 2. ed. Lisboa: Fundação
Calouste Gulbenkian, 1996; CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário, lin-
guagem e método (no prelo); DINIZ, Maria Helena. Conflito de normas. 5. ed. São
Paulo: Saraiva, 2003; FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do
direito: técnica, decisão, dominação cit.; KELSEN, Hans. Teoria pura do direito cit.;
VILANOVA, Lourival. Estruturas lógicas e o sistema de direito positivo cit.
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TÁCIO LACERDA GAMA
da estrutura completa da norma de competência para a com-
preensão dos seguintes temas: i. fontes do direito tributário; ii.
hierarquia de normas; iii. conflito entre normas e as formas de
solução para esses conflitos; iii. revogação de normas jurídicas;
e iv. anulação de normas. Faremos isso, porém, dialogicamente,
comentando ora sob a perspectiva de quem participa do sistema
– participantes – ora como quem se põe frente ao sistema para
descrever e sistematizar o seu objeto – observadores.
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5.1 Ordenamento, sistema e alguns problemas semânticos
Com o uso da expressão “sistema”, pretendemos signifi-
car a existência de um conjunto formado por elementos que
se relacionam segundo certos padrões de racionalidade. Nes-
se sentido, Lourival Vilanova afirmava que “onde há sistema
há relações e elementos, que se articulam segundo leis”.249 Por
isso, falar em “sistema” é falar na totalidade de elementos, re-
unidos por uma característica comum e organizados de acor-
do com certos padrões.
Na Ciência do Direito, o termo “sistema de direito positi-
vo” nomeia o conjunto de normas jurídicas que se vinculam em
nexos de coordenação e fundamentação. Esse termo, porém, é
248. A distinção entre “observadores” e “participantes” que adotamos aqui se inspi-
ra na distinção proposta por Hans Kelsen, na Teoria pura do direito (p. 387), entre
intérprete autêntico – aquele que conhece o direito para aplicá-lo, construindo uma
norma inferior a partir de norma superior – e intérprete não autêntico, que é o su-
jeito que se põe frente ao direito para conhecê-lo. Divergimos das críticas aponta-
das por Eugenio Bulygin a essa classificação (Sobre observadores y participantes.
Doxa (Publicaciones periódicas), Alicante: Biblioteca Virtual Miguel de Cervantes,
n. 21, p. 41-48, 1998). Fazemos isso por estarmos convencidos da tese contrária de J.
C. Bayón (Participantes, observadores e identificação do direito. In: CAMANDUC-
CI, P.; GUASTINI, Riccardo. Struttura e dinamica dei sistema giuridici, a cura di.
Torino: G. Giappichelli Editore, 1996), que defende existir a mesma base empírica
para observadores e participantes, processos subjetivos de construção do sentido
que não são controláveis metodologicamente, mas que o uso dado pelos participan-
tes ou pelos observadores às suas proposições é completamente distinto: uma pres-
creve conduta e outra descreve as prescrições. Por isso, estão sujeitas a racionalida-
des completamente diferentes.
249. VILANOVA, Lourival. Estruturas lógicas e o sistema do direito positivo cit., p. 87.
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COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA
ambíguo e, por sugerir a ideia de “racionalidade” e “consistên-
cia”, acaba sendo utilizado para os mais diversos fins, servindo
à legitimação das mais diferentes ideias. Todos falam em nome
do sistema com a mesma facilidade com que falam em nome da
lógica. Chega a ser insólita a ideia de um sujeito que declare: mi-
nha interpretação é sistemática, mas você tem razão. Isso por-
que todos os que falam em nome do sistema falam, em última
análise, em nome da verdade, da validade de suas assertivas.
Esse uso exclusivamente retórico, sem compromisso com
qualquer acepção técnica, acabou por ensejar certo desgaste
semântico da expressão, tornando-a lugar comum, em meio
a outras igualmente esvaziadas de sentido. Desgaste esse de-
nunciado por Norberto Bobbio,250 quando afirmou que o ter-
mo “sistema” é utilizado indiscriminadamente, conforme as
conveniências de cada intérprete.
O fluxo contínuo da linguagem, porém, não se submete
ao controle de quem quer que seja. Seu desenvolvimento se
dá como uma instituição formada sob o influxo de fatores cul-
turais diversos. Esse alerta que acabamos de formular serve,
apenas e tão somente, para destacar nossa opção pelo uso téc-
nico do termo. Falaremos de sistema da Ciência do Direito e
sistema do direito positivo. Nos dois casos, porém, estaremos
nos referindo a um conjunto de proposições, descritivas num
caso e prescritivas noutro, que mantêm entre si certas rela-
ções. Para o uso pleno desse sentido, porém, façamos outros
esclarecimentos, com os quais pretendemos deixar clara nos-
sa posição, distinguindo-a de outras com ela inconfundíveis.
5.1.1 Ordenamento como sinônimo de sistema jurídico
Neste trabalho, tomaremos as expressões “ordenamento”
e “sistema” como sinônimos perfeitos. Uma e outra servem
para designar um conjunto de normas válidas em certas con-
dições de espaço e tempo. Sendo essa nossa premissa, não po-
demos aceitar distinções como aquela proposta por Gregorio
250. BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico cit., p. 76.

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