Dano extrapatrimonial

AutorRafael Marinangelo
Páginas27-54
CAPÍTULO II
DANO EXTRAPATRIMONIAL
Delimitadas as balizas da dignidade da pessoa humana, dos direitos da persona-
lidade e do propósito de nosso trabalho de enveredar somente no campo da análise
das situações subjetivas da pessoa natural, é tempo de dedicarmos nossa atenção
aos danos extrapatrimoniais.
Consoante será demonstrado no decorrer deste capítulo, o escopo das linhas
subsequentes é estruturar o conceito de dano para ancorar entendimento sólido
sobre o dano extrapatrimonial. Não nos interessa, a não ser para f‌ins e efeitos do
propósito almejado, trabalhar o dano patrimonial, tendo em vista que, no atual
estágio de maturidade legislativa e doutrinária, entendemos não haver espaço para
a indenização punitiva em casos dessa natureza.
Trataremos, outrossim, da f‌inalidade da reparação do dano extrapatrimonial,
ou seja, enveredaremos para o tortuoso âmbito de saber, af‌inal, se a compensação
pelos danos imateriais reveste-se de caráter compensatório ou a ela é também dada
a f‌inalidade de punir a conduta ilícita.
2.1 DEFINIÇÃO DE DANO
O dano é o pressuposto essencial da obrigação de indenizar. Sem ele, não há
sequer motivos para se indagar sobre a relação causal, o nexo de imputação e a anti-
juridicidade da conduta.1 Trata-se de fenômeno, qualif‌icado pelo direito como causa
de um efeito jurídico reativo, consistente na obrigação de ressarcir.2
1. REZZÓNICO, Juan Carlos. Daño, Técnica y Exclusión de la Responsabilidad. Derecho de Daños. Buenos
Aires: Ediciones La Rocca: 2000, v. 1, Segunda Parte, p. 223-246.
2. DE CUPIS, Adriano. Il Danno. Teoria Generale della Responsabilità Civile. Ristampa Inalterata. Milano:
Giuffrè, 1951, p. 6. “Assurgendo a fatto giuridico, il danno non dismette la propria essenza f‌isica; soltanto
a questa si aggiunge la giuridicità. Due elementi concorrono allora a costituire la sua struttura: l’elemento
materiale o sostanziale consistente nel fatto f‌isico e rappresentante il nucleo interiore, e l’elemento formale,
che ad esso proviene della norma giuridica.
L’effeto giuridico causato dal danno consiste in una reazione che il diritto appresta al f‌ine della repressione
del danno: agisce, quindi, in senso contrario a quello nel quale opera il danno, in opposizione, cio è, ad esso
e da ciò il danno medesimo, considerato nel sistema dei fatti giuridici, resta profondamente caratterizzato.
Il processo di qualif‌icazione giuridica dei fatti che il diritto assume nella propria sfera, comprende la
determiazione del loro specif‌ico comportamento: e il comportamento specif‌ico del danno, onde esso
differenzia dagli altri fatti giuridici, assumendo una posizione particolare, consiste precisamente nella
produzione della suddetta reazione.”
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INDENIZAÇÃO PUNITIVA E O DANO EXTRAPATRIMONIAL NA DISCIPLINA DOS CONTRATOS • RAFAEL MARINANGELO
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O direito, todavia, não qualif‌ica todo e qualquer dano. A escolha recai, via de
regra, sobre danos originados de atos humanos antijurídicos, assim considerados
aqueles que se opõem aos interesses tutelados por meio de direitos subjetivos e
objetivos.3 Atualmente, também os atos tidos como lícitos podem ensejar o dever
de indenizar, bastando, para isso, haver expressa previsão legal, como ocorre nos
casos de responsabilidade pelo risco.
A amplitude das hipóteses de reparação do dano lastreia-se na ideia consagrada
de que seus efeitos devem ser suportados por quem tiver melhores condições de
fazê-lo e na crença de, assim, evitar situações iníquas, embora advindas de fatos não
reprováveis pelo direito. É o chamado dano injusto.
Seu conceito está relacionado ao prejuízo, econômico ou não econômico, não
querido, não previsto, totalmente fora dos planos de quem o sofre, resultante de ato
ou fato antijurídico violador de bem ou de interesse juridicamente tutelado.4-5 Não
obstante, diversas teorias tentam explicar e conceituar o dano jurídico, ou seja, o
dano qualif‌icado pelo direito e cujo efeito é ensejar a obrigação de reparar o prejuízo
por meio da reparação in natura ou do sucedâneo pecuniário.
As duas doutrinas mais relevantes são, sem sombra de dúvidas, a que consi-
dera o dano como a lesão a um direito subjetivo, cujo expoente é Roberto Brebbia6,
e a que o reputa como sendo a lesão a bens e interesses, do qual podemos destacar
Adriano de Cupis7.
Segundo BREBBIA, a def‌inição de dano com base na lesão a bens ou interesses
juridicamente protegidos não lhe parece satisfatória, pois haveria imprecisão termi-
nológica quanto ao real sentido de interesse. Tal motivo exorta-o a considerar o dano
como a violação, a lesão ou o menoscabo de um direito subjetivo, cuja existência é
constatada sempre que o sujeito “tem a possibilidade de determinar, juridicamente,
Tradução livre: “Tornando-se um fato jurídico, o dano não rompe com sua própria essência física; a esta
somente se agrega a juridicidade. Dois elementos concorrem então a constituir a sua estrutura: o elemento
material ou substancial consistente no fato físico representativo do núcleo interior, e o elemento formal que
provém da norma jurídica. O efeito jurídico causado pelo dano consiste na reação que o direito aporta ao
f‌im da repressão do dano: age, pois, em sentido contrário àquele no qual opera o dano, em oposição a isso
e do qual o dano mesmo, considerado no sistema dos fatos jurídicos, resta profundamente caracterizado. O
processo de qualif‌icação jurídica dos fatos que o direito assume na sua esfera, compreende a determinação
do seu específ‌ico comportamento: e o comportamento específ‌ico do dano, o qual o diferencia dos outros
fatos jurídicos, assumindo uma posição particular, consiste precisamente na produção da sobredita reação”.
3. DE CUPIS, op. cit. p. 8.
4. REZZÓNICO, Juan Carlos. Daño, Técnica y Exclusión de la Responsabilidad. Derecho de Daños. Buenos
Aires: Ediciones La Rocca, 2000, v. 1, Segunda Parte, p. 223-246. NORONHA, Fernando. Direito das
obrigações. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 497.
5. Não se nega haver hipóteses legais de indenização sem prejuízo, como ocorre nos casos de juros moratórios,
cláusula penal, multa penitencial e arras penitenciais. Tais hipóteses, entretanto, como bem alerta Agostinho
Alvim (op. cit. p. 196) constituem exceções que não descaracterizam a regra segundo a qual sem prejuízo
não há dano.
6. BREBBIA, Roberto H. El Daño Moral. Doctrina-Legislacion-Jurisprudencia. Precedida de uma Teoria
Jurídica Del Daño. 2. ed. corrigida e aumentada. Córdoba: Ediciones Juridicas Orbir: 1967.
7. DE CUPIS, op. cit.
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