Dano extrapatrimonial na disciplina contratual

AutorRafael Marinangelo
Páginas183-202
CAPÍTULO V
DANO EXTRAPATRIMONIAL NA
DISCIPLINA CONTRATUAL
Já tivemos oportunidade de verif‌icar, em capítulo precedente, que a responsa-
bilidade civil constitui obrigação de reparar o dano oriundo da violação de norma
jurídica preexistente. Quanto à sua origem, pode ser contratual ou extracontratual,
a depender da existência, ou não, de relação jurídica anterior, cujo efeito é ligar as
partes ao que foi por elas estabelecido, na expectativa de efetivo cumprimento: a
esta relação designa-se contrato.
A responsabilidade contratual pressupõe, pois, a existência de contrato válido,
seu descumprimento, o dano e o nexo causal.1 A responsabilidade extracontratu-
al, por sua vez, deriva da violação do dever genérico de não lesar. Não há sentido,
entretanto, em buscar diferenças ontológicas nas duas responsabilidades, a não ser
pontos diferenciais no tocante à matéria de prova e à extensão dos efeitos.2
Na questão probatória é assente na doutrina e jurisprudência o ônus do credor
estar limitado apenas à comprovação do inadimplemento contratual, f‌icando, a
cargo do devedor, demonstrar, em sua defesa, a ocorrência de alguma excludente
da responsabilidade. Na responsabilidade extracontratual, quando não submetida
ao regime da responsabilidade objetiva, cabe à vítima demonstrar a culpa do lesante
para fazer jus à indenização.
No que pertine à extensão dos efeitos, a doutrina debate-se sobre a possibili-
dade de caracterizar-se dano extrapatrimonial decorrente da violação do contrato.
Na responsabilidade extracontratual, o tema não comporta digressões, dado que os
artigos 186 e 927, do Código Civil, dirimem qualquer dúvida acerca da responsa-
bilidade por danos patrimoniais e extrapatrimoniais oriundas da violação do dever
legal. Não se af‌igura tão evidente, se a responsabilidade contratual também pode
ensejar a reparação do dano extrapatrimonial, mormente em virtude do disposto
no artigo 389 e seguintes, do Código Civil.
1. BRAZ, Alex Trevisan. Dano moral por inadimplemento contratual e suas consequências. Dissertação e Mestrado
apresentada ao Departamento de Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo como
exigência parcial para obtenção do título de Mestre, sob orientação da Professora Associada Patrícia Faga
Iglecias Lemos, São Paulo, 2014, p. 54.
2. SILVA PEREIRA, Caio Mario. Responsabilidade civil. rev. e atual. de acordo com a Constituição de 1988.
9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 247. No mesmo sentido: Luiz Antonio Scavone Junior (Do
descumprimento das obrigações. Consequências à luz do princípio da restituição integral: interpretação
sistemática e teleológica. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2007, p. 11).
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INDENIZAÇÃO PUNITIVA E O DANO EXTRAPATRIMONIAL NA DISCIPLINA DOS CONTRATOS • RAFAEL MARINANGELO
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Sobre este tema, iremos nos debruçar nos tópicos seguintes, para defender a
viabilidade da reparação por danos extrapatrimoniais com origem em relação con-
tratual, a despeito das vacilações doutrinárias e jurisprudenciais a respeito.
5.1 DANOS EXTRAPATRIMONIAIS CONTRATUAIS
A despeito das divergências f‌lagrantes entre doutrina e jurisprudência sobre
a existência de dano extrapatrimonial contratual, a maioria dos estudiosos nacio-
nais arrimam-se na crença de não haver motivos justif‌icadores da distinção entre
responsabilidade contratual e extracontratual e, de igual sorte, “não se verif‌icar em
nossas fontes positivas exclusão do dano moral contratual”.3
O debate em torno do tema não é novo. Agostinho Alvim4 já reconhecia a repa-
ração do dano extrapatrimonial, independentemente de sua procedência: contratual
ou extracontratual.
Sergio Cavalieri Filho5, não obstante entenda que o “mero inadimplemento
contratual, mora ou prejuízo econômico não conf‌iguram, por si sós, dano moral,
porque não agridem a dignidade da pessoa humana”, acolhe a reparação deste
dano quando o descumprimento da avença, por sua natureza ou gravidade, ex-
trapolem o mero aborrecimento e repercutem na esfera da dignidade da pessoa
humana.
Carlos Roberto Gonçalves6 é partidário da reparação do dano extrapatrimonial
contratual apenas em situações excepcionais, quando o descumprimento constitua
ofensa à personalidade. Sidney Hartung Buarque7, em obra integralmente dedicada ao
tema, reconhece a ocorrência de danos extrapatrimoniais quando o inadimplemento
constituir ofensa à dignidade da pessoa humana e consistir signif‌icativa angústia e
frustração pelo defraudar da conf‌iança depositada.
Wilson Melo da Silva não se furtou a aceitar o dano extrapatrimonial contratual.
Segundo o aludido autor, seja qual for a circunstância, provenha ou não de culpa
3. NALIN, Paulo. Apontamentos críticos sobre o dano moral contratual: enfoque a partir da jurisprudência
dominante do Superior Tribunal de Justiça. Direito em Movimento. Curitiba: Juruá, 2007, v. II, p. 273.
Embora o autor faça menção à “dano moral contratual” e não “dano extrapatrimonial contratual”, a lição
não perde sua validade, ensejando, a nosso ver, mais uma questão de nomenclatura do que de conteúdo
do direito.
4. ALVIM, Agostinho. Da inexecução das obrigações e suas consequências. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1955, p.
258. Segundo o autor: “Ressalvada a nossa opinião, de não ser indenizável o dano moral puro, em face
de nosso direito, parece-nos sem razão a distinção pretendida entre dano oriundo de culpa aquiliana e de
culpa contratual. A indenizar-se o dano moral, tanto faz que a sua procedência seja violação de contrato
ou culpa extracontratual”.
5. CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 8. ed. rev. e ampl. São Paulo: Atlas, 2008,
p. 84.
6. GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 11. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 659-661.
7. BUARQUE, Sidney Hartung. Da demanda por dano moral na inexecução das obrigações. Rio de Janeiro:
Forense, 2005, p. 95 e ss.
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