Dano extrapatrimonial: ponto e contraponto

AutorMarcus Aurélio Lopes/Luciano Augusto de Toledo Coelho
CargoJuiz Do Trabalho/Juiz Do Trabalho
Páginas56-66

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Em formato de ponto e contraponto, o objetivo deste artigo é fazer uma primeira análise dos dispositivos acerca do dano extrapatrimonial, acrescidos à CLT (Consolidação das Leis do Trabalho – Lei 5.452/43) pela Lei 13.467/17, a partir do diálogo dos autores sobre o sentido e o alcance das novas regras.

DO DANO EXTRAPATRIMONIAL

Art. 223-A. Aplicam-se à reparação de danos de natureza extrapatrimonial decorrentes da relação de trabalho apenas os dispositivos deste Título.

LUCIANO COELHO. A palavra “apenas” parece querer fazer entender que o juiz não pode fazer o que é da natureza da atividade judicial: interpretar. Ora, não se proíbe ou se restringe a hermenêutica na atividade silógica de aplicar a norma ao caso concreto.

O artigo 5º, incisos V e X, da CF/88, que cuida dos direitos e garantias fundamentais do indivíduo, garante a indenização por danos morais e decorrentes da violação de direitos da personalidade. O artigo 8º, § 1º, da CLT, com redação dada pela Lei 13.467/17 prevê que o direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho. O capítulo II da Lei 10.406/02 (Código Civil) estabelece os direitos da personalidade e informa no artigo 12 que se pode exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, ao direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei.

Vai além a lei civil:

Art. 402. Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e os danos devidos ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar.

Art. 403. Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e os danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo do disposto na lei processual. Art. 404. As perdas e os danos, nas obrigações de pagamento em dinheiro, serão pagas com atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, abrangendo juros, custas e honorários de advogado, sem prejuízo da pena convencional. Parágrafo único. Provado que os juros da mora não cobrem o prejuízo, e não havendo pena convencio-

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nal, pode o juiz conceder ao credor indenização suplementar.

Art. 405. Contam-se os juros de mora desde a citação inicial.

E no regime de responsabilidade:

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei ou quando a atividade normalmente desenvol-vida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

É impensável que o magistrado do trabalho, órgão da justiça do trabalho nos termos do artigo 111 da Constituição Federal, fique restrito a aplicar “apenas” os dispositivos do novo título II-A da CLT. As situações seriam, como diz o professor Manoel Antônio Teixeira Filho, “teratológicas”.

Por exemplo, em um acidente com um motorista no qual fosse perdida valiosa carga, o dono da merca-doria poderia exigir da empresa transportadora uma indenização por danos morais sem qualquer limitação, utilizando-se o regime civil, enquanto o motorista, credor de parcela alimentar e crédito privilegiado, caso lesionado no acidente, estaria restrito ao regime do título II-A da nova lei. A responsabilidade objetiva deixaria, por exemplo, de existir na seara trabalhista, existindo, todavia, na seara civil. Ora, o regime de responsabilidade é um só.

O sistema jurídico é um só. A analogia, a utilização dos princípios, a interpretação sistemática são da natureza e da determinação constitucional aos órgãos da justiça, não podendo ser restringidas por lei inferior, inclusive contra o que estabelece a lei geral de introdução às normas do direito brasileiro (Decreto--Lei 4.657/42, com redação dada pela Lei 12.376/10), que informa:

Art. 2º. [...] § 2º. A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior...

Art. 4º. Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.

Art. 5º. Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.

Pois bem, parece-nos longe de dúvida que a inter-pretação coerente e sistemática dos dispositivos acima coloca longe de qualquer possibilidade o entendimento de que, na avaliação do dano extrapatrimonial nas relações de trabalho, o juiz fique adstrito “apenas” aos dispositivos do título II-A, agora incluso na CLT.

MARCUS LOPES. O capítulo do dano extrapatrimonial acrescido pela lei nova trata de um tema recorrente nas ações trabalhistas para cuja solução o juiz do trabalho era levado a importar regras do Código Civil ou de outros microssistemas, como o direito do consumidor, para suprir a lacuna ontológica do ordenamento trabalhista. Até mesmo a natureza do dano extrapatrimonial decorrente da relação de emprego contratual era um ônus teórico e argumentativo tangenciado pela doutrina e pela jurisprudência, sendo rara a discussão sobre a pertinência de danos extracontratuais na relação de trabalho, uma vez que se trata de um negócio jurídico hiper-regulado. Há déficit no estudo da responsabilidade trabalhista sobre os fundamentos necessários para se justificar a ocorrência de direito a reparação além daquelas previstas como multas administrativas ou mesmo indenizações tarifadas na própria CLT. Por exemplo, se a lei já prevê o pagamento de multa pelo inadimplemento de verbas rescisórias, por que haveria direito a compensação moral adicional pelo mesmo motivo (Súmula 33, II, do TRT-PR)? Portanto, a definição legal do dano extrapatrimonial trabalhista torna toda essa discussão ociosa e tem a virtude de reconhecer que, de fato, há danos indenizáveis mesmo na vigência de contrato de trabalho válido, cuja reparação se sobrepõe às multas e às indenizações preestabelecidas na CLT.

A lei nitidamente busca concentrar toda a disciplina jurídica do dano extrapatrimonial, e por isso a palavra “apenas” tem o sentido de excluir outras regras jurídicas incidentes sobre fatos que se pretendam fundamento de prejuízos extrapatrimoniais. Não vejo limitação à interpretação dos fatos, mas sim à incidência da lei. A hermenêutica da lei só pode acontecer dentro do espectro de incidência da própria lei. Assim, estabelecer que os fatos que ensejam indenização extrapatrimonial se aplicam apenas às disposições da CLT significa que o ordenamento trabalhista supre de forma suficiente, sob o ângulo legal, a disciplina da

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causa e dos efeitos da responsabilidade por danos extrapatrimoniais decorrentes do contrato de trabalho.

Penso que há legitimidade da lei para regulamentar o fenômeno do dano extrapatrimonial resultante da relação de trabalho, inclusive em caráter exclusivo, até porque se trata de legislação especial. A meu juízo, não há espaço para a evocação analógica do Código Civil, porque não há lacuna normativa. A lei expressamente exclui outras regras da incidência sobre danos extrapatrimoniais, o que se caracteriza como um comando direto e positivo sobre o fato. Como se sabe, a lacuna jurídica surge quando não há disciplina jurídica sobre determinado fato, adotando-se regra jurídica incidente sobre fato semelhante. No caso do dano extrapatrimonial trabalhista, há disciplina jurídica expressa afirmando que apenas a CLT é fonte de direitos.

Há, portanto, limitação na aplicação da lei, já que está excluída a incidência do Código Civil e outras leis esparsas sobre responsabilidade extrapatrimonial.

Não há, todavia, limitação na interpretação dos fatos, de modo que não se vislumbra ofensa constitucional com relação ao devido processo legal, à submissão de lesão ou à ameaça de direito ao crivo do Poder Judiciário, ou quanto à fundamentação das decisões judiciais.

Art. 223-B. Causa dano de natureza extrapatrimonial a ação ou omissão que ofenda a esfera moral ou existencial da pessoa física ou jurídica, as quais são as titulares exclusivas do direito à reparação.

LUCIANO COELHO. Aqui a lei repisa os conceitos de dano moral já consagrados e de acordo com os direitos civis da personalidade, acrescendo ainda o dano existencial, conceito maior e mais complexo decorrente de violações que limitem a vida social e privada do trabalhador. Nisso, uma circunstância curiosa da lei: ao referir-se à limitação no parágrafo único do artigo 611-B da CLT, que estabelece objetos ilícitos para convenção ou acordo coletivo, a lei fala: regras sobre duração do trabalho e intervalos não são consideradas como normas de saúde, higiene e segurança do trabalho para os fins dispostos neste artigo.

Ora, é dizer: a lei diz que o céu agora passa a ser de cor amarela, ou verde, talvez... e fique tal estabelecido! Se normas referentes à duração do trabalho não são normas de higiene, saúde e segurança, o que são? Podemos aceitar, a partir daí, um acordo entre patrão e empregado que estabeleça 24 horas seguidas de trabalho em ambiente insalubre, quem sabe...

Mas, se a...

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