O dano extrapatrimonial trabalhista após a Lei n. 13.467/2017

AutorSebastião Geraldo de Oliveira
Páginas100-114

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1. Considerações iniciais

A reforma trabalhista foi aprovada pela Lei n. 13.467, de 13 de julho de 2017, para vigorar 120 dias após a sua publicação, ocorrida no dia 14 de julho de 2017. Então, desde 11 de novembro de 2017 está em vigor no Brasil uma nova CLT, cuja alteração foi a mais profunda ocorrida desde a sua promulgação oficial em maio de 1943. Para completar, no dia 14 de novembro de 2017 foi publicada em edição extraordinária do Diário Oficial da União a Medida Provisória n. 808, a qual promoveu diversas alterações no texto legal já reformado. Desse modo, a normatização do dano extrapatrimonial trabalhista que entrou em vigor no dia 11 de novembro de 2017 já sofreu alterações em dois artigos (Arts. 223-C e 223-G), com vigência a partir do dia da publicação da referida Medida Provisória em 14 de novembro de 2017.

Assumimos o encargo de abordar, nesta obra, o tema dos danos extrapatrimoniais oriundos da relação de trabalho. Trata-se de uma das mudanças mais impactantes da reforma trabalhista de 2017 tanto pela novidade do regramento quanto pela pretensão do legislador de introduzir um microssistema exclusivo para os danos morais trabalhistas, com previsões destoantes da principiologia há muito sedimentada na teoria geral da responsabilidade civil.

O nosso desafio, portanto, é analisar a configuração peculiar dos danos extrapatrimoniais nas relações de trabalho e os possíveis rumos hermenêuticos desta nova regulamentação.

2. Um novo título na CLT: “Do dano extrapatrimonial”

A CLT foi aprovada há mais de 70 anos numa época em que nem se cogitava sobre a reparação dos danos extra-patrimoniais. Prevalecia a visão patrimonialista do direito, muito distante da valorização atual da dignidade da pessoa humana, proclamada com ênfase na Constituição da República de 1988.

Como nunca tivemos no Brasil um Código do Trabalho para disciplinar detalhadamente todos os direitos do trabalhador, a CLT estabeleceu expressamente no art. 8º o direito comum como fonte subsidiária, quando houvesse compatibilidade com os princípios protetores do direito do trabalho.

Com efeito, desde que a ciência jurídica acolheu a proteção dos direitos da personalidade, o trabalhador lesado busca na Constituição da República de 1988, no direito civil e em outros ramos do direito as bases para fundamentar os pedidos de indenização por danos morais em decorrência do contrato de trabalho.

A reforma trabalhista de 2017 introduziu o Título II-A na CLT para tratar exclusivamente do “Dano extrapatrimonial”, composto por sete artigos, quais sejam: 223-A até 223-G. Topograficamente, o novo título foi inserido entre o Título II, que trata das normas gerais de tutela do trabalho, e o Título III, que trata das normas especiais de tutela do trabalho.

Como se verifica, para dar maior realce às disposições normativas a respeito do dano extrapatrimonial, foi introduzido como categoria de agregação um título adicional na CLT, demonstrando a pretensão do legislador de criar um disciplinamento específico e bem peculiar para o tema dos danos extrapatrimoniais individuais na seara trabalhista.

3. A inovação terminológica do dano extrapatrimonial

Não há dúvidas quanto à denominação dos danos que lesam o patrimônio, com valor pecuniário: são os danos patrimoniais ou danos materiais.

Entretanto, a percepção de novos danos na esfera de interesses não patrimoniais gerou múltiplas denominações e variações terminológicas conforme o ordenamento jurídico de cada país. Para indicar o mesmo fenômeno encontramos, dentre outras, as denominações de dano imaterial, dano moral, dano não patrimonial, dano extrapatrimonial, dano à pessoa. E como espécies dessas denominações genéricas há também diversas denominações, tais como: dano à vida, à integridade física, à saúde, ao projeto de vida, existencial, biológico, estético, sexual, à intimidade, ao nome, à honra, à imagem, psíquico etc.

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Do ponto de vista estritamente terminológico, de fato, a expressão “dano extrapatrimonial” é mais precisa porque abrange todos os danos que não têm expressão econômica, mas são passíveis de reparação. Afirma o jurista Fernando Noronha que só a designação “extrapatrimonial” deixa claro que unicamente terá esta natureza o dano sem reflexos no patrimônio do lesado. Aduz ainda que nem sempre o dano extrapatrimonial tem natureza moral: a palavra moral tem carregado conteúdo ético e o dano extrapatrimonial não tem necessariamente esse conteúdo2.

No mesmo sentido, aponta a Professora Judith Martins--Costa que “sendo mais ampla a expressão danos extrapatrimoniais inclui, como subespécie, os danos à pessoa, ou à personalidade, constituídos pelos danos morais em sentido próprio (isto é, os que atingem a honra e a reputação) os danos à imagem, projeção social da personalidade, os danos à saúde, ou danos à integridade psicofísica, inclusos os danos ao projeto de vida, e ao livre desenvolvimento da personalidade, os danos à vida de relação, inclusive o prejuízo de afeição e danos estéticos. Inclui, ainda, outros danos que não atingem o patrimônio nem a personalidade, como certos tipos de danos ambientais.”3.

Apesar do acerto terminológico e de estar a denominação “dano extrapatrimonial” em sintonia com a doutrina da teoria dos danos, achamos inoportuna ou mesmo inconveniente a sua positivação na CLT. A denominação dano moral, ainda que não seja a mais precisa, já consolidou raízes profundas na cultura jurídica brasileira, tanto na lei como na doutrina e jurisprudência. Tentar renomear uma figura jurídica de estatura constitucional por simples lei ordinária trará mais confusão que esclarecimento ou, talvez, legitimará a pretensão de se criar um dano moral mitigado na esfera trabalhista. Seria preferível manter a tradição e a terminologia acolhida há quase três décadas pela Constituição, base fundamental para o florescimento dos direitos da personalidade no Brasil.

É verdade que a precisão de linguagem na ciência jurídica deve ser buscada para evitar expressões equívocas que geram embaraços de compreensão e dificuldades na aplicação da norma. A própria Lei Complementar n. 95/1998, que trata da elaboração e redação das leis, recomenda no art. 11 que sejam usadas as palavras e expressões em seu sentido comum ou técnico, de modo a ensejar perfeita compreensão do objetivo da lei e a permitir que seu texto evidencie com clareza o conteúdo e o alcance que o legislador pretendeu dar à norma.

Entretanto, a própria Constituição da República de 1988, que consagrou de vez a indenização dos danos não patrimoniais, a fonte normativa e principiológica de maior altitude, utiliza a denominação dano moral em três tópicos importantes sobre o tema desta indenização:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...)

V — é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;

X — são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; (Grifamos)

Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:

VI — as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho; (Grifamos)

O Código de Defesa do Consumidor de 1990 também utilizou a denominação danos morais:

Art. 6º São direitos básicos do consumidor: (...) VI — a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos; VII — o acesso aos órgãos judiciários e administrativos com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais... (Grifamos)

O Código Civil de 2002, principal estatuto jurídico de normatização e detalhamento da responsabilidade civil, segue a mesma trilha no art. 186:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. (Grifamos)

O recente Código de Processo Civil de 2015 quando trata do valor da causa na petição inicial estabelece:

Art. 292. O valor da causa constará da petição inicial ou da reconvenção e será: (...) V — na ação indenizatória, inclusive a fun-dada em dano moral, o valor pretendido; (Grifamos)

A importante Lei n. 9.029/1995, que trata do combate às práticas discriminatórias nas relações jurídicas de trabalho, com a modificação dada pela Lei n. 12.288/2010, preceitua:

Art. 4º O rompimento da relação de trabalho por ato discriminatório, nos moldes desta Lei, além do direito à reparação pelo dano moral, faculta ao empregado optar entre: (Grifamos)

Diante do que foi exposto, sem exaurir as citações da expressão nas normas legais, já se percebe que a denominação dano moral está de tal forma consolidada no ordenamento jurídico brasileiro que a mudança da designação para dano extrapatrimonial parece até sugerir — para os

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menos atentos — que o legislador criou uma nova figura jurídica ou uma nova categoria de danos...

Além disso, haverá dualidade terminológica para o mesmo fenômeno jurídico variando a denominação de acordo com o ramo do direito invocado ou...

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