Dano Moral

AutorWladimir Novaes Martinez
Ocupação do AutorAdvogado especialista em Direito Previdenciário
Páginas525-539

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A expressão “dano moral” diz respeito a um fato concreto causador propriamente dito de um prejuízo. Sua decantação como pressuposto da ação persecutória, bem como a propriedade e quantiicação da reparação, isoladamente não se refere a cada um desses elementos. Nasceu da realidade, da vida em comum e dos atos dos homens, para tentar encontrar a expressão jurídica (quando surgiram as diiculdades...).

221. Noção mínima

Sendo a personalidade atributo do ser humano, diante das diferentes disposições normativas que a protegem — direito ao nome particular e público, assim entendido o prestígio individual e social —, resta que a compensação implícita de uma ofensa, qualquer que seja ela, é um direito subjetivo da pessoa. Aliás, uma garantia constitucional.

A ordem jurídica desenvolveu-se em torno das modalidades de reparação dos atos injustos praticados pelo homem e a descoberta de ser natural ao ser humano não se conformar com a ilicitude de terceiros em relação a si mesmo, seus parentes ou contra o seu patrimônio.

Da propriedade do bem julgado próprio, sem grande esforço intelectual está-se a um passo de criar-se o direito em relação a essa propriedade que, uma vez constrangida, reclama a restauração de como era antes da afetação. De certa forma, pretender punir o agressor com a diminuição do seu patrimônio, para que aprenda a não proceder daquela forma, em benefício do réu e da sociedade.

O dano moral é prejuízo da personalidade como um todo, representada pelas riquezas intelectuais ou físicas da pessoa, considerado antes e depois da regra jurídica, incorporando-se ao Direito, quando apresenta expressão considerável. É instituto técnico que suscita regramento com fontes formais legais, construção doutrinária e circunscrição jurisprudencial, objeto de aná-lise dos especialistas, pois acontecimento decantador da justiça competente e delagrador de compensação de variada ordem no mundo jurídico. Permeia vários ramos jurídicos, pouco variando em cada um deles, pois a sua teoria sedia-se na lógica do respeito que é devido ao ser humano e a constatação de nada obstante o ordenamento formal, dia a dia, sobrevêm fatos agres-sivos que devem ser compostos por esse mesmo ordenamento jurídico. Reclamando sensibilidade dos operadores do direito para que busquem a reparação moral em vez da patrimonial.

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Rodrigo Macias de Oliveira (“O Dano Moral no novo Código Civil”, apud Jus Navigandi ) coleciona algumas opiniões interessantes, citando Sérgio Cavalieri Filho (Programa de Responsabilidade Civil), segundo o qual é “mero lenitivo para a dor, sendo mais uma satisfação do que uma reparação”.

Não se pode concordar com a airmação de Silvio Rodrigues, reproduzida pelo mesmo Rodrigo Macias de Oliveira, segundo a qual: “O dinheiro provocará na vítima uma sensação de prazer, de desafogo, que vise compensar a dor, provocada pelo ato ilícito” (Responsabilidade Civil).

O senso de propriedade não é estranho ao tema e é possível que ele tenha nascido no homem das cavernas da idade da pedra polida, quando se apercebeu que o seu cansaço, diante do fato de que sua mão encoberta pelo pó era igual à cor da pedra, misturava-se com o objeto fabricado e que ele fazia parte do seu corpo. Mais tarde, nasceu a propriedade dos seus bens materiais estranhos ao organismo e um dia os bens de sua espiritualidade. Mas passaram-se anos até que essa sua riqueza interior tivesse que ser reconhecida como capaz de ser ofendida e, naturalmente, merecer reparação provida do culpado da ofensa.

222. Conceito doutrinário

Embora não seja tão simples quanto sua constatação fática, isto é, a apuração em cada caso e principalmente sua valoração subjetiva, na teoria jurídica o conceito de dano moral não é difícil de ser apreendido. Mas, a quantidade de textos escritos e os diferentes níveis de qualidade é exasperante. A impressão que ica é que os autores estão descobrindo a pólvora — falando da responsabilidade objetiva de compensar o dano — e deliciam-se em apontar critérios bem urdidos, porém vagos, de uma generalidade irritante, sem nenhuma utilidade para quem se veja obrigado a apreciar esse evento tão íntimo, qual seja o da ofensa moral.

Diiculdade bem mais signiicativa reside em ixar-se a ideia do que seja o patrimônio moral do indivíduo, a subjetividade da ofensa, a quantiicação do dano e a modalidade da reparação. Evidentemente, o operador partirá da idealização doutrinária de dano, um dos elementos da existência humana que mais despertaram interesse dos aplicadores do Direito desde tempos imemoriais (sem o qual a teoria jurídica não teria a expressão que tem), aproximar-se-á das ideias do dano patrimonial, de melhor visualização prática, tudo isso dentro de certo momento histórico, sob alguma determinada cultura social para, por último, chegar ao vitimado pela ação deletéria. Isto é, respeitável tarefa.

A simples presença da palavra “moral” assusta quem tentar entender o fenômeno sociológico em tela. Para Marilene Abreu Couto, “é o conjunto de

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normas estabelecidas que norteiam a aceitação do comportamento humano pelo grupo ou sociedade concebida em valores e crenças que valoram o desenvolvimento do indivíduo” (Transpensar, p. 294).

Conceito tão complexo, deve ter preocupado Ilídio das Neves, que apenas se ixou no dano material da proteção social (Dicionário Técnico e Jurídica da Proteção Social, p. 245-246).

Para transportar-se da idealização da moral como instituição social para a avaliação individual um grande passo terá de ser dado, restando a quem de direito apreender aquilo que for possível, partindo do senso comum e das pessoas normais, sem se esquecer das especiicidades de cada cenário.

Em primeiro lugar, dano é o resultado de uma agressão (humana ou não); em segundo, uma diminuição do patrimônio de alguém — que deixa de ganhar ou vem a perder — e por último, uma erosão da moral individual da vítima. O universo moral do lesado inclui o patrimônio de seus bens materiais e do seu organismo. Logo, a agressão atinge toda a sua riqueza humana, mas existem hipóteses em que o corpo ica a salvo e apenas os bens materiais são abalados (também aí os morais) e, derradeiramente, apenas sua reputação pessoal é prejudicada, sem violência contra o corpo ou contra o seu patrimônio físico. Em todas essas circunstâncias, sobrevém o dano.

No dizer de Antonio Jeová Santos, dano é “diminuição do patrimônio ou detrimento a afeições legítimas” (Dano moral indenizável, p. 75). Para Marcus Cláudio Acquaviva, é o: “prejuízo sofrido pelo patrimônio econômico ou moral de alguém. O dano pode ser material, também chamado real, quando atinge um bem economicamente apurável; ou moral, quando macula bens de ordem moral, como a honra. A parte lesada pelo inadimplemento contratual ocasionado pela outra parte pode requerer a rescisão do contrato com perdas e danos” (Dicionário Enciclopédico de Direito, p. 130).

O dano em si é prejuízo, isto é, diminuição do patrimônio do ser humano. O dano moral atinge a pessoa humana e os seus bens, no âmbito da indivi-dualidade no que ela tem de mais relevante: a sua personalidade. Entendida no sentido de atributo jurídico da pessoa, sem referir-se, necessariamente, ao organismo, cuja lesão conhece outros institutos técnicos individuais, ob-jeto do Direito do Trabalho e do Direito Previdenciário. Paulo Eduardo V. Oliveira, prefere chamá-lo de dano pessoal, mas essa designação faz pensar no organismo do indivíduo, e não é disso que se cuida, e sim de estado de espírito que compõe a personalidade, algo mais que a proteção jurídica ao próprio corpo.

A expressão “dano moral”, quando epigrafada, frequentemente lembra a indenização nela compreendida, e não o seu pressuposto lógico. Mas, importam, signiicativamente, na coniguração desse instituto, a ocorrência

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do fato, a decantação da culpa e a quantiicação do montante compensador, um conjunto de entes que a deinem.

Por ora, entretanto, convém descrever o fato que delagra o conlito humano, as soluções conciliatórias, as ações procedimentais e processuais e, por último, as compensações.

Às vezes, a impropriedade decorre de ação legítima do autor e mesmo presente o dano, pode não ocorrer a reparação, o que mostra que ambas essas entidades têm de estar sob um nexo.

Dano moral é o ato ilícito praticado pelo ser humano, em seu nome ou representando pessoa jurídica, consciente ou não, omissiva ou comissivamente, que objetivamente atinja a personalidade do sujeito passivo dessa ação, causando-lhe um constrangimento pessoal ou social, ofensa natural-mente mensurável, diminuição do seu patrimônio como cidadão, que possa ser oportuna e juridicamente reparável.

Com muita frequência, talvez na totalidade dos casos, dada a proximidade dos...

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