O dano processual ? a litigância de má-fé no processo do trabalho

AutorKleber de Souza Waki
Páginas166-183
O Dano Processual – A Litigância de
Má-fé no Processo do Trabalho
KlebeR de souza WaKi
Especialista em Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho (UFG). Juiz do Trabalho (TRT 18).
(1) O Decreto n. 8.948, de 29 de dezembro de 2016 fixou o valor do salário mínimo mensal em R$ 937,00 (novecentos e trinta e sete reais),
a partir de 1º de janeiro de 2016. Logo, o valor máximo da multa prevista no art. 71, § 2º do CPC será de R$ 9.370,00 (nove mil trezentos
e setenta reais), até que venha novo reajuste do mínimo legal.
(2) A Portaria do Ministério da Fazenda n. 8, de 13 de janeiro de 2017, em seu art. 2º, fixou os valores máximos dos salários de benefício
e de contribuição, a partir de 01.01.2017, que não poderão exceder a cifra de R$ 5.531,31 (cinco mil quinhentos e trinta e um reais e
trinta e um centavos). Na prática, a sanção aplicada no processo trabalhista, em igual situação encontrada no processo comum, poderá
chegar ao patamar de R$ 11.062,62 (onze mil e sessenta e dois reais e sessenta e dois centavos). Na prática, 18,06 % maior do que a
mesma multa praticada no processo comum.
(3) Trata-se de medida de Contempt of Court, presente também no Código de Processo Penal Militar (Decreto-lei n. 1.002, de 21.10.1969,
art. 347, § 2º) e que, acerca da falsidade, dispõe de comunicação para instauração de inquérito (art. 364) e, em caso de confirmação de
que a testemunha se oculta para não depor, pode ter sua prisão decretada (art. 420); art. 34, § 2º, Lei n. 9.099/95 (dispõe apenas sobre a
condução coercitiva); O Código de Processo Penal também dispõe apenas em comunicação para abertura de inquérito pela autoridade
policial, quando constatado pelo juiz, em sentença final, de que a testemunha fez afirmação falsa (art. 211). No art. 218, o CPP autoriza
a condução forçada, além da imposição de multa, sem prejuízo de poder vir a responder pelo crime de desobediência (art. 219).
1. INTRODUÇÃO
da Reforma Trabalhista, provocou substancial alteração
do direito material como no direito processual. Neste
estudo, vamos examinar a novel Seção IV-A, denomi-
nada “Da Responsabilidade por Dano Processual”, lo-
calizada junto ao Capítulo II (Do Processo em Geral),
Título X (Do Processo Judiciário do Trabalho), com-
posta por apenas 04 (quatro) novos artigos.
O escopo da lei não deixa dúvidas: dispor, de modo
específico para o processo do trabalho, sobre as perdas e
danos causados pelo litigante de má-fé. A qualidade – de
malícia processual – tanto poderá ser atribuída ao autor,
como ao réu ou ao interveniente (ou seja, a figura do
terceiro, “aquele que não é parte” segundo a velha e ines-
quecível lição de Barbosa Moreira).
A rigor, os arts. 793-A a 793-D da CLT são cópias
quase idênticas dos preceitos contidos nos arts. 79 a 81
do Código de Processo Civil de 2015, inclusive quanto
aos incisos e parágrafos, havendo apenas duas distin-
ções relevantes.
A primeira diferença encontrada se dá no cotejo
do § 2º do art. 793-C da CLT com o seu similar no CPC
(o art. 71, § 2º). Quando se tratar de causa inestimável
ou de valor irrisório, a multa aplicada ao litigante de
má-fé, poderá chegar até ao valor equivalente a 10 (dez)
salários mínimos no processo comum(1). Já no processo do
trabalho, em idêntica situação (ou seja, quando se tratar
de causa de valor inestimável ou irrisório), a multa será
limitada ao equivalente a duas vezes o valor máximo
do benefício pago pelo Regime Geral da Previdência
Social(2).
A segunda distinção de relevo encontra-se alber-
gada no art. 793-D e seu parágrafo único da CLT e não
encontra paralelo no processo comum. O dispositivo
em referência introduz hipótese legal para fixação de
multa em desfavor de testemunha que, intencional-
mente, comparece em juízo e omite, quando inquiri-
da a respeito, sobre fatos essenciais ao julgamento da
causa ou busca, deliberadamente, alterar a verdade so-
bre estes fatos que lhe são perguntados. Não confundir
esta sanção com a multa aplicável à testemunha que,
regularmente notificada, se recusa, injustificadamente,
a prestar declarações (v. art. 730, CLT(3)).
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O Dano Processual – A Litigância de Má-fé no Processo do Trabalho
Este novo cenário, introduzido com a reforma,
evoca entre os operadores do direito alguns velhos e
novos questionamentos que, em resumo, poderiam ser
sintetizados numa só questão: quais são os impactos
das novas regras estabelecidas em relação aos princí-
pios que embasam o direito processual trabalhista e
se estamos, ou não, diante da necessidade de repensar
acerca das atuais estruturas processuais.
Analisar o modelo processual trabalhista e como
ele vem sendo moldado ao longo do tempo poderá nos
ajudar na busca de algumas respostas.
2. A TRANSFORMAÇÃO DO MODELO
PROCESSUAL TRABALHISTA
O processo do trabalho sempre foi conhecido co-
mo um instrumento judicial gratuito, barato e acessível
por todos que sentissem a necessidade de buscar, em
juízo, a reparação para algum direito seu supostamente
violado.
Uma de suas marcas fundamentais, até hoje pre-
sente, reside na possibilidade da parte, diretamente,
postular em juízo (jus postulandi), sem precisar recor-
rer à assistência de um advogado(4). Para tanto, o inte-
ressado precisa apenas procurar o setor de atermação
da Justiça do Trabalho, munido com a documentação
pessoal e pertinente à sua causa, deduzindo um breve
(4) No julgamento da ADI n. 1.127 MC/DF, o Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal entendeu que era inconstitucional o art. 1º do
EOAB quando reservou como ato privativo da advocacia a postulação em qualquer órgão do Poder Judiciário e nos Juizados Especiais.
V. ementa parcial: EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ESTATUTO DA ADVOCACIA E DA ORDEM DOS AD-
VOGADOS DO BRASIL – Lei n. 8.906/94. Suspensão da eficácia de dispositivos que especifica. LIMINAR. AÇÃO DIRETA. Distribuição
por prevenção de competência e ilegitimidade ativa da autora. QUESTÕES DE ORDEM. Rejeição. MEDIDA LIMINAR. Interpretação
conforme e suspensão da eficácia até final decisão dos dispositivos impugnados, nos termos seguintes: Art. 1º, inciso I – postulações
judiciais privativa de advogado perante os juizados especiais. Inaplicabilidade aos Juizados de Pequenas Causas, à Justiça do Trabalho
e à Justiça de Paz. (…)” – (ADI 1127 MC, Relator(a): Min. PAULO BROSSARD, Tribunal Pleno, julgado em 06.10.1994, DJ 29.06.2001
PP-00032 EMENT VOL-02037-02 PP-00265).
(5) Desde o Decreto-lei n. 8.737, de 19.1.1946, que introduziu o § 7º ao art. 789 da CLT, a concessão, de ofício, dos benefícios da Justiça
Gratuita, na Justiça do Trabalho, passou a ser cabível mediante simples presunção da condição de necessitado, que era extraída do fato
de o reclamante usufruir até 02 (dois) salários mínimos. Posteriormente, esta autorização de ofício passou a constar no § 9º do art. 789
da CLT e, mais tarde, no art. 790, § 3º da CLT: “§ 3º. É facultado aos juízes, órgãos julgadores e presidentes dos tribunais do trabalho de
qualquer instância conceder, a requerimento ou de ofício, o benefício da justiça gratuita, inclusive quanto a traslados e instrumentos,
àqueles que perceberem salário igual ou inferior ao dobro do mínimo legal, ou declararem, sob as penas da lei, que não estão em condições
de pagar as custas do processo sem prejuízo do sustento próprio ou de sua família” (Redação dada pela Lei n. 10.537, de 27.8.2002).
Com a Lei da Reforma Trabalhista, o § 3º do art. 790 da CLT sofreu nova alteração e a presunção para concessão, de ofício, do benefício
se dará, doravante, quando o necessitado perceber renda igual ou inferior a 40% do valor do maior benefício pago pela Previdência Social
do Estado:
“Art. 790. (...)
§ 3º – É facultado aos juízes, órgãos julgadores e presidentes dos tribunais do trabalho de qualquer instância conceder, a requerimento
ou de ofício, o benefício da justiça gratuita, inclusive quanto a traslados e instrumentos, àqueles que perceberem salário igual ou inferior
a 40% (quarenta por cento) do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social.” (Redação dada pela Lei n. 13.467,
de 2017).
relato dos fatos do conflito. Ali, o reclamante também
será orientado quanto aos demais atos básicos do pro-
cedimento, tais como o dever de comparecer na data
designada para a audiência, a necessidade de apresentar
espontaneamente as testemunhas para demonstrar os
fatos alegados, o exercício do contraditório etc.
Como as reclamações trabalhistas costumam ser
apresentadas por desempregados, é bastante comum
que, no conjunto dos pleitos, seja formulado reque-
rimento para o deferimento dos benefícios da Justiça
gratuita, sem prejuízo da possibilidade de serem conce-
didos até mesmo de ofício(5).
A concessão dos benefícios da Justiça gratuita
nunca foi burocrática na Justiça do Trabalho, prevale-
cendo, ordinariamente e em favor do trabalhador, a pre-
sunção de necessidade extraída da declaração prestada
pela parte ou por seu advogado.
De salientar que, em 01.10.1964, o Supremo Tri-
bunal Federal aprovou a Súmula n. 450, com o seguinte
teor:
“São devidos honorários de advogado sempre que
vencedor o beneficiário de justiça gratuita”.
Este entendimento, cristalizado na jurisprudência
da mais alta Corte do país, apontava como referências

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