Dano Processual Trabalhista - A Litigância de Má-Fé no Processo do Trabalho

AutorKleber de Souza Waki
Páginas219-236

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1. Introdução

A Lei n. 13.467, de 13 de julho de 2017, que trata da Reforma Trabalhista, provocou substancial alteração na Consolidação das Leis do Trabalho, tanto no aspecto do direito material como no do direito processual. Neste estudo, vamos examinar a novel Seção IV-A, denominada “Da Responsabilidade por Dano Processual”, localizada junto ao Capítulo II (Do Processo em Geral), Título X (Do Processo Judiciário do Trabalho), composta por apenas 04 (quatro) novos artigos.

O escopo da Lei não deixa dúvidas: dispor, de modo específico para o processo do trabalho, sobre as perdas e danos causados pelo litigante de má-fé. A qualidade – de malícia processual – tanto poderá ser atribuída ao autor, como ao réu ou ao interveniente (ou seja, a figura do terceiro, “aquele que não é parte” segundo a velha e inesquecível lição de Barbosa Moreira).

A rigor, os arts. 793-A a 793-D da CLT são cópias quase idênticas dos preceitos contidos nos arts. 79 a 81 do Código de Processo Civil de 2015, inclusive quanto aos incisos e parágrafos, havendo apenas duas distinções relevantes.

A primeira diferença encontrada se dá no cotejo do § 2º do art. 793-C da CLT com o seu similar no CPC (o art. 71, § 2º). Quando se tratar de causa inestimável ou de valor irrisório, a multa aplicada ao litigante de má-fé poderá chegar até ao valor equivalente a 10 (dez) salários mínimos no processo comum2. Já no processo do trabalho, em idêntica situação (ou seja, quando se tratar de causa de valor inestimável ou irrisório), a multa será limitada ao equivalente a duas vezes o valor máximo do benefício pago pelo Regime Geral da Previdência Social3.

A segunda distinção de relevo encontra-se albergada no art. 793-D e seu parágrafo único da CLT e não encontra paralelo no processo comum. O dispositivo em referência introduz hipótese legal para fixação de multa em desfavor de testemunha que, intencionalmente, comparece em juízo e omite, quando inquirida a respeito, fatos essenciais ao julgamento da causa ou busca, deliberadamente, alterar a verdade sobre estes fatos que lhe são perguntados. Não confundir esta sanção com a multa aplicável à testemunha que, regularmente notificada, se recusa, injustificadamente, a prestar declarações (v. art. 730, CLT4).

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Este novo cenário, introduzido com a reforma, evoca entre os operadores do direito alguns velhos e novos questionamentos que, em resumo, poderiam ser sintetizados numa só questão: quais são os impactos das novas regras estabelecidas em relação aos princípios que embasam o direito processual trabalhista e se estamos, ou não, diante da necessidade de repensar acerca das atuais estruturas processuais.

Analisar o modelo processual trabalhista e como ele vem sendo moldado ao longo do tempo pode nos auxiliar a encontrar algumas respostas.

2. A transformação do modelo processual trabalhista

O processo do trabalho sempre foi conhecido como um instrumento judicial gratuito, barato e acessível por todos que sentissem a necessidade de buscar, em juízo, a reparação para algum direito seu supostamente violado.

Uma de suas marcas fundamentais, até hoje presente, reside na possibilidade de a parte, diretamente, postular em juízo (jus postulandi), sem precisar recorrer à assistência de um advogado5. Para tanto, o interessado precisa apenas procurar o setor de atermação da Justiça do Trabalho, munido com a documentação pessoal e pertinente à sua causa, deduzindo um breve relato dos fatos do conflito. Ali, o reclamante também será orientado quanto aos demais atos básicos do procedimento, tais como o dever de comparecer na data designada para a audiência, a necessidade de apresentar espontaneamente as testemunhas para demonstrar os fatos alegados, o exercício do contraditório etc.

Como as reclamações trabalhistas costumam ser apresentadas por desempregados, é bastante comum que, no conjunto dos pleitos, seja formulado requerimento para o deferimento dos benefícios da Justiça gratuita, sem prejuízo da possibilidade de serem concedidos até mesmo de ofício6.

A concessão dos benefícios da Justiça gratuita nunca foi burocrática na Justiça do Trabalho, prevalecendo, ordinariamente e em favor do trabalhador, a presunção de necessidade extraída da declaração prestada pela parte ou por seu advogado.

De salientar que, em 01.10.1964, o Supremo Tribunal Federal aprovou a Súmula n. 450, com o seguinte teor:

São devidos honorários de advogado sempre que vencedor o beneficiário de justiça gratuita.

Este entendimento, cristalizado na jurisprudência da mais alta Corte do país, apontava como referências

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legislativas os arts. 637, 648 e 769 do CPC/1939 e o art. 11 da Lei n. 1060/195010, além de 03 (três) precedentes (RE 9943 EI, publicação: DJ de 24.09.1964; RE 51029, publicação: DJ de 16.11.196211 e RTJ 23/506; e RE 34061, publicação: DJ de 30.10.1958).

É interessante destacar que, desses 3 (três) precedentes, 02 (dois) eram processos trabalhistas (RE 51029 e RE 34061) e o único processo da Justiça comum foi julgado com base na jurisprudência firmada nos autos de uma reclamação trabalhista (RE 9943, cujo voto se apoiou na decisão tomada por aquele tribunal no RE 51029). Vale a pena reproduzir a ementa do RE 51029, ante a sua clareza sobre a matéria:

EMENTA: – Se, no processo trabalhista, o vencedor é beneficiário de justiça gratuita, deve ser condenado o vencido a pagar-lhe os honorários de advogado (RE 51029/SP, 2.ª
Turma, STF, 4.9.1962).

Portanto, até aqui, tínhamos um modelo processual no qual o trabalhador, ao propor a sua demanda trabalhista, poderia indicar o seu advogado e, ao fim do processo, desde que fosse o vencedor da causa, obteria do vencido os honorários de sucumbência, porque assim dispunha o CPC de 1939 e a Lei n. 1060/1950 (cujo art. 2.º fazia expressa referência de incidência no processo do trabalho).

A CLT, entretanto, não dispunha sobre a aplicação dos honorários por mera sucumbência ou, de modo mais específico, sobre os honorários devidos pelo trabalhador quando fosse vencido na causa.

Daí a interrogação: como deveria ser o tratamento dado ao trabalhador reclamante quando, apresentada sua ação trabalhista – com ou sem a concessão dos benefícios da Justiça gratuita -, viesse ele a perder a demanda?

Este problema acabou sendo, indiretamente, enfrentado pela Suprema Corte no julgamento das ações coletivas que perseguiam recomposições salariais decorrentes de sucessivos planos econômicos de combate à inflação. Os trabalhadores vinham obtendo êxito em suas demandas propostas por meio de seus sindicatos. As condenações eram acrescidas de honorários advocatícios. Ocorre que, quando estas ações aportaram no Supremo Tribunal Federal, o entendimento que prevaleceu foi no sentido de que não havia direito adquirido aos reajustes pedidos e, com isso, inverteu-se o ônus da sucumbência. Foi então que os sindicatos autores apresentaram, em seus embargos declaratórios, a seguinte questão: com a inversão da sucumbência, seriam os trabalhadores condenados a pagar honorários advocatícios?

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Após a análise de 8 (oito) precedentes, o STF consolidou seu entendimento na Súmula 633, aprovada na sessão plenária de 24.09.2003:

É incabível a condenação em verba honorária nos recursos extraordinários interpostos em processo trabalhista, exceto nas hipóteses previstas na Lei 5.584/70.

Do julgamento do EDRE 180165-8-SP, que constituiu o segundo precedente mais antigo a apoiar a redação da Súmula n. 633 do STF, extrai-se a seguinte ementa:

EMENTA: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO TRABALHISTA. CONDENAÇÃO EM HONORÁRIOS. POLÍTICA JUDICIÁRIA TRABALHISTA. EXCLUSÃO.
1. Recentes decisões da Corte firmaram-se no sentido de que, em razão da política judiciária trabalhista, descabe a condenação em honorários advocatícios.
2. Embargos de declaração recebidos para excluir a condenação em honorários advocatícios.

Em outros julgamentos semelhantes ficou ainda mais evidente a posição do Supremo Tribunal Federal no sentido de que, no processo do trabalho não haveria a aplicação dos honorários por mera sucumbência. Destaco:

EMENTA: – Recurso extraordinário. 2. Embargos de declaração. 3. Inversão do ônus de sucumbência. 4. Discussão acerca de condenação em honorários advocatícios. 5. Jurisprudência assente do STF no sentido de que não são devidos os honorários advocatícios em reclamação trabalhista, reservados que estão à condenação do empregador e não do empregado. 6. Embargos de declaração recebidos.” (ED RE 216787-8/BA, relator ministro Néri da Silveira, 2ª Turma, j. 06.04.99). “EMENTA: – PROCESSUAL CIVIL. TRABALHO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. Lei n. 5.584, de 26.06.70.

I – Inexistência de verba honorária em decorrência da sucumbência, nas reclamações trabalhistas, a não ser na hipótese da Lei n. 5.584, de 26.06.70. Jurisprudência dos Tribunais do Trabalho acolhida.
II. Embargos de declaração recebidos, em parte. (ED RE 190507-7/CE, relator ministro Carlos Velloso, j. 18.06.96,
2.ª Turma).

Para a Excelsa Corte a condenação em honorários por mera sucumbência só poderia ser atribuída ao empregador, quer em ações movidas pelo empregado mediante a concessão da assistência judiciária comum, quer por meio de ações coletivas movidas pelo sindicato de sua categoria, na qualidade de substituto processual. Em suma, em seus dissídios individuais o trabalhador não responderia por honorários advocatícios em caso de mera sucumbência, ou seja, quando fosse vencido na causa, quer ele estivesse assistido ou não por advogado dativo (Justiça gratuita).

Mas, e no caso de litigância de má-fé? Poderia o reclamante, quando litigante desleal...

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