Danos ao trabalhador

AutorGeorgenor de Sousa Franco Filho
Ocupação do AutorDesembargador do Trabalho de carreira do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região
Páginas264-275

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1. Tipos de dano e necessidade de reparação

Trataremos agora de temas que têm ganhado muito espaço em matéria trabalhista nas últimas décadas: as diversas hipóteses de dano que podem vitimar um trabalhador durante o tempo de existência de um contrato de emprego.

Basicamente, temos dois tipos de dano: o patrimonial, que atinge o patrimônio material da vítima, como a perda de um negócio; o extrapatrimonial, representado por ofensa aos direitos da personalidade, causando à vítima situações desagradáveis ou constrangedoras, e costuma ser identificado como dano moral em seu sentido mais extenso.

Nessa esteira, Rodolfo Pamplona Filho e Luiz Carlos Andrade Junior escreveram que

a grande maioria desses ‘novos danos’ podem (e devem) ser caracterizados como dano moral. Se este tipo de dano é aquele que busca proteger a dignidade da pessoa em qualquer de seus âmbitos, a ofensa dirigida a cláusula geral de proteção à dignidade humana já caracterizará um dano merecedor de reparação, não havendo necessidade de criar novas adjetivações a fim de elevar garantir a proteção jurídica 1 .

Examinaremos o dano moral em seu sentido estrito e algumas de suas variáveis: dano estético, dano psicológico, dano biológico, muitas das quais importam no primeiro, e o dano material/patrimonial, sem cuidar da possibilidade de dano ao empregador ou à pessoa jurídica, ou da possibilidade de denunciação à lide (art. 125, III, do NCPC), em uma demanda trabalhista onde se cogite de indenização ao obreiro.

Alojados no dano moral lato sensu, podemos identificar também as figuras do assédio sexual2, do assédio processual e a da revista íntima, do dano biológico, do assédio moral, do dano psicológico e do dano existencial. Veremos o dano material/patrimonial, o dano estético, e o dano coletivo, bem como as questões relevantes em torno do acidente do trabalho.

Fundamental é identificar quem prática o dano, a quem se atribuir a responsabilidade pela ação ou omissão que prejudica o trabalhador. Trata-se da culpa, e, estabelece o art. 186 do Código Civil:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Com efeito, caracterizado o dano, resultado em repará-lo, e duas são as formas: in natura e in pecúnia, como observa Agra Belmonte, explicando que a reparação in pecúnia tem por fim a reconstituição natural ou de alcance de situação mate-

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rial correspondente, exemplificando com a retratação pública de um delito indevidamente atribuído ao trabalhador; e a reparação em dinheiro tem por fim confortar a vítima, amenizar os efeitos da dor, mediante determinado valor pecuniário3.

Para a fixação do valor da indenização devem ser levados em conta diversos fatores, dentre os quais, (1) o bom senso, (2) a razoabilidade, (3) a gravidade do dano, (4) sua extensão, (5) a reincidência do ofensor, (6) a posição profissional e social do ofendido, (7) a condição financeira do ofensor e do ofendido, e (8) a finalidade pedagógica da punição para evitar a reincidência da prática delituosa. Superou-se, doutrinária e jurisprudencialmente, a corrente que defendeu, logo nos primeiros momentos de incidência de pedidos judiciais de indenização por dano moral, a cálculo do valor considerando o salário do trabalhador e o tempo do emprego4.

2. Dano moral

O art. 483, e, da CLT contempla a falta grave patronal da prática de atos contra a boa fama e a honra do trabalhador oude seus familiares, como apontamos acima (v. nesta Parte, Capítulo IX, n. 2.2.2.2.2). Trata-se do dano moral que significa as ofensas aos direitos da personalidade do empregado ou de sua família, atingindo sua honra, intimidade, imagem, vida privada (art. 5º, V e X, da Constituição), lesionando seus interesses não patrimoniais. Nesse mesmo dispositivo está o assédio moral, que trataremos em seguida (n. 2.5 adiante). E, ambos, assédio moral e dano moral trabalhista, com efeito, não são novidades no direito brasileiro. Ao contrário, existem na legislação obreira desde os primórdios da CLT.

Orlando Teixeira da Costa ensinou que, enquanto se discutia no direito comum a possibilidade de reparação econômica do dano exclusivamente moral, a CLT, desde a sua promulgação, já contemplava o dano moral e sua reparação pelo empregado ou pelo empregador, em decorrência da ruptura do contrato de trabalho pela prática de ato lesivo da honra ou da boa fama (arts. 482, letras j e k, e 483, letra e), mediante o pagamento ou desoneração de pagamento das indenizações correspondentes ao distrato do pacto laboral motivado por essa justa causa5.

Em outros termos, os arts. 482, j e k, e 483, e, do texto consolidado, contém o assédio moral e dano moral trabalhista de matéria muito clara.

Ainda é Orlando Teixeira da Costa quem lembrou que,

se formos pesquisar, no entanto, os verbetes dos índices alfabéticos-remissivos dos livros de Direito do Trabalho, dificilmente encontraremos relacionada a expressão ‘dano moral’. Por que dificilmente encontraremos? Porque essa matéria só passou a adquirir relevância a partir da Constituição de 5 de outubro de 1988, em face do registro feito nos incisos V e X do seu art. 5º, que enúmerou, entre os direitos e garantias fundamentais, ‘o direito de reposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem’ e declarou serem invioláveis ‘a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação6.

Beatriz Della Guistina escreve que, a Consolidação das Leis do Trabalho, assim nascida, desde há muito, não é omissa acerca da reparação do dano moral. Basta ver que, quando ocorrer ao empregado prejuízo em razão de uma violação a direitos à sua honra e boa fama, este pode requerer uma indenização. É o que se depreende do disposto no art. 483, letra e: ‘O empregado poderá considerar rescindido o contrato e pleitear a devida indenização quando: e) praticar o empregador, ou seus prepostos, contra ele ou pessoa de sua família, ato lesivo de honra e boa fama7.

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Os arts. 482, j e k, e 483, e, da CLT, contemplam, desde há muito, o direito de o trabalhador haver do empregador indenização por dano moral trabalhista. A leitura que era feita do dispositivo direcionava apenas para a possibilidade de dispensa motivada do empregado, ou de sua dispensa indireta. Raros viam, ali, o dano moral implícito. É porque não havia a relevância para o Direito do Trabalho, como mencionado pelo insígne Orlando Teixeira da Costa. As preocupações eram outras. Os direitos humanos fundamentais ainda não haviam evoluído o bastante.

Ademais, importante lembrar, como destaca Ari Possidônio Beltran, que as ofensas ou violações que, embora não atingindo bens patrimoniais propriamente ditos de uma pessoa, mas que alcançam seus bens de ordem moral, ou, simplesmente, um bem psíquico, reclamam a devida reparação, porquanto, como é óbvio, tais bens são juridicamente tutelados8.

A reparação decorrente da ofensa que gera o dano moral depende, como lembra Enoque Ribeiro dos Santos, no plano fático, da concordância dos seguintes elementos: a) o impulso do agente (ação ou omissão); b) o resultado lesivo, i.e., o dano; c) nexo etiológico ou de causalidade entre o dano e ação alheia9.

O fato indisfarçável, que ganhou relevo a partir da promulgação da Constituição de 1988, é que o assédio moral e dano moral trabalhista existem desde pelo menos o advento da CLT, a 1º de maio de 1943. Em outros termos, eles preexistiam à Lei Fundamental em vigor.

Um dos mais importantes aspectos desse quadro, certamente, é o que consta dos arts. 482, j e k, e 483, e, do texto consolidado. É que esses dispositivos contêm o dano moral trabalhista de maneira muito clara, como apontamos, seja causado ao empregado (os dois casos do art. 482), seja o deste ao empregador (hipótese do art. 483).

Valdir Florindo define dano moral como

aquele decorrente de lesão à honra, à dor-sentimento ou física, aquele que afeta a paz interior do ser humano, enfim, ofensa que cause um mal, com fortes abalos na personalidade do indivíduo. E, após ressaltar que seu caráter é extrapatrimonial, mas com reflexo no patrimônio, arremata: a verdade é que podemos ser lesados no que somos e não tão somente no que temos10.

Situações inúmeras podem ser identificadas como dano moral em sentido lato. Aliás, raro o processo trabalhista, atualmente, que não contém pedido dessa natureza. Porém, não se deve confundir dano moral ou de qualquer outra espécie, com violações a preceitos trabalhistas que contemplem penalidade específica. Vejamos alguns exemplos, embora igualmente possam ser encontradas dezenas de decisões jurisprudenciais deferindo indenização por dano moral em circunstâncias que tais. A inutilização da CTPS do trabalhador possui penalidade específica (art. 52 da CLT). Negar à empregada mulher, que está na fase de amamentação de seu filho, direito ao intervalo do art. 396 da CLT, tem penalidade específica (art. 401 consolidado). Não se deve, nem se pode, pretender dano moral em casos dessa natureza, pena de desvirtuar e desmoralizar instituto de muito significação, o que, no entanto, não é o que tem predominado muitas vezes.

Diferente a situação quando nos defrontamos com questões envolvendo violações à dignidade do trabalhador em seu trabalho, quando lhe é negado um trabalho decente, quando se prática aviamento, trabalho forçado, truck system. Igualmente, quando se assedia o empregado, ou este tem sua honra atingida, ou, possuindo...

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