Das Boas Maneiras (ou da Discrição) nos Tribunais

AutorPiero Calamandrei
Ocupação do AutorJornalista, Jurista, Político e Docente universitário italiano
Páginas33-44

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Enquanto se concebia o processo como um duelo entre as duas partes, no qual o magistrado, tal como um árbitro em campo fechado, se limitava a marcar os pontos e a vigiar o respeito pelas regras do jogo, parecia natural que o papel do advogado se reduzisse à disputa acrobática e que o valor dos defen-sores fosse medido com critérios, por assim dizer, desportivos. Uma centelha de espírito, que nada avançando para a verdade punha, porém, a nu qualquer defeito do adversário, fazia desequilibrar o prato da balança tal como, no estádio, o golpe mestre de um campeão. E quando o advogado se levantava

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para discursar, voltava-se para o público com o gesto do pugilista que, ao subir para o ringue, mostra a boa forma dos bíceps.

Hoje, todos sabem que um processo, mesmo cível, não é uma competição atlética, mas a mais ciosa e elevada função do Estado. As escaramuças já não são admissíveis nas audiências judiciárias. Os advogados não são palhaços de circo, nem conferencistas mundanos, e a justiça é uma coisa séria.

Confessou-me certo juiz perguntar de vez em quando aos seus botões se, no comportamento extraordinário que certos advogados têm nas audiências, não deve ver misteriosa origem mediúnica.

Quando não têm a toga vestida são, na verdade, pessoas amáveis e discretas, que conhecem perfeitamente (e sabem usar) as regras da civilidade. Parar na rua com eles para falar do tempo que faz é um prazer. Sabem que não se deve levantar a voz quando se conversa. Abstêm-se do emprego de palavras enfáticas para traduzir coisas simples.

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Têm o cuidado de não interromper seu interlocutor e de não lhe impingir intermináveis e indigestos períodos. E quando entram numa loja para comprar uma gravata, ou se sentam numa sala para conversar, ninguém os vê bater com o punho no balcão do lojista ou a apontar, fixando-a com os olhos, a pobre dona da casa, ocupada em servir o chá.

No entanto, quando estão em audiência, esses homens de tão agradável companhia esquecem as boas maneiras e o bom gosto. Cabelos em desalinho e face congestionada, arrancam das profundezas da garganta uma voz furiosa e gutural, ampliada, ao que parece, pelos mistérios profundos de um outro mundo. Mudam de gestos e de vocabulário e vão até o ponto, também já notado, de mudar a pronúncia habitual de certas consoantes. Deverá, pois, supor-se que caem em transe e que, através da sua personalidade receptiva, fala o espírito de algum charlatão fugido do inferno?

Deve ser assim pois, se não o fosse, não se compreenderia como podem benevola-

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mente crer que, para serem tomados a sério pelo tribunal, devam berrar nas audiências, gesticular e revirar os olhos de tal forma que, se fizessem o mesmo em casa, na companhia dos familiares, os filhos certamente...

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