Das causas gerais determinantes do erro de fato

AutorEdmilson Villaron Franceschinelli
Ocupação do AutorAdvogado. Ex-Promotor de Justiça e Ex-Juiz de Direito. Mestre em Direito
Páginas185-195

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1 Introdução

Foi verificado que a causa do erro de fato são os fatos em que se fundam a ação e a defesa, representadas por atos ou documentos dos autos do processo. Ocorre que muitas destas causas já figuram de forma redundante no próprio art. 485, do CPC, compondo as hipóteses de cabimento da ação rescisória, como será demonstrado a seguir.

Como bem percebeu José Carlos Barbosa Moreira1:

"...o Código de 1973 amplia sensivelmente o elenco das hipóteses em que cabe a ação rescisória. A leitura dos incisos do art. 485 desde logo mostra que, dos nove possíveis fundamentos do pedido, quatro representam inovações: os previstos nos incisos III, VII, VIII e IX. Dos outros cinco, os dos ns. IV, V e VI correspondem, com exatidão, aos contemplados no estatuto anterior, art. 798, nº I, letras ‘b’ e ‘c’, e nº II, respectivamente, ao passo que as hipóteses outrora versadas no art. 798, nº I, letra ‘a’, estão agora distribuídas pelos incisos I e II do dispositivo sob exame, com certa diversidade de redação. Importa identificar as fontes em que o legislador buscou inspiração para redigir as novas regras. De origem italiana são as dos incisos III e IX: este, com os §§ 1º e 2º (que só a ele se referem), é tradução quase literal do nº 5 do art. 395 do ‘Codice di Procedura Civile’; aquele, na primeira parte (relativa ao dolo do vencedor), provém do mesmo artigo, nº 1, e na

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segunda (concernente à colusão das partes) do art. 397, nº 2, do texto peninsular. A redação do inciso VII aproxima-o da norma do art. 771, letra ‘c’, do Código Português, muito embora a hipótese seja igualmente contemplada no alemão (§ 580, nº 7, letra ‘b’), no francês (art. 480, nº 10) e no italiano (art. 395, nº 3) - nestes dois últimos, todavia, em termos mais restritos. O inciso VIII, enfim, é oriundo também de Portugal, mas do texto de 1939, art. 771, 4º."

Portanto, nota-se que o atual art. 485 do Código do Processo Civil brasileiro resultou da união de preceitos normativos de várias legislações alienígenas, constituindo-se em verdadeira colcha de retalhos, sem qualquer preocupação com a estrutura jurídica de cada hipótese de cabimento.

Como informa Luís Eulálio de Bueno Vidigal2: "... o erro de fato, no Código de Processo Civil anterior não era considerado motivo de nulidade da sentença a não ser quando resultasse de provas falsas." O autor está a admitir que a prova falsa é causa do erro de fato. Ora, se a sentença podia ser rescindida quando fundamentada em prova falsa, por que, agora, este mesmo fundamento se transforma em erro de fato? E por qual razão manteve o legislador a possibilidade, também, da rescisória com base em prova falsa?

Ainda segundo este mesmo autor, na França e Alemanha: "Não há disposição legal específica sobre erro de fato. São, em França, genericamente considerados erros de fato os provenientes de dolo de uma das partes, prova falsa, retenção de peças decisivas; na Alemanha, os provenientes de juramento ilegal da parte, de perito ou de testemunha, de documento falso, de coação e prevaricação." Não se pode negar, portanto, que algumas hipóteses de cabimento da rescisória, previstas autonomamente na lei, são, na verdade, causas do erro de fato.

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Resta analisar agora as hipóteses de cabimento da rescisória, previstas no art. 485 do CPC e que, por serem causas do erro de fato, apresentam-se como redundantes.

2 O dolo da parte vencedora em detrimento da parte vencida

O dolo é instituto conhecido tanto no Direito Civil como no Direito Processual Civil, embora em nenhum deles a lei tenha apontado o seu conceito, ficando a tarefa a cargo da doutrina. Pode-se dizer que o dolo civil e processual é o mesmo e consiste em provocar o erro, seja ele de fato ou de direito.

Para Washington de Barros Monteiro3: "O erro, disciplinado pelos art. 86 a 914 do Código Civil, é o puramente fortuito, derivado de algum equívoco da própria vítima, sem que a outra parte haja concorrido, de qualquer forma, para esse estado d’alma. Tratar-se-á agora do dolo, que é erro intencionalmente provocado na vítima pelo autor do dolo, ou por terceiro." Pouco depois o mesmo autor conclui: "Como deixamos acentuado, íntima é a ligação entre o erro e o dolo, a ponto de afirmar DEMOGUE que tende este a se deixar absorver pela teoria daquele. No primeiro, a ideia falsa é do próprio agente; no segundo, a ideia falsa é resultante da malícia alheia. Num e outro caso a vítima é iludida, com a diferença de que, no erro, ela se engana sozinha, enquanto no dolo ela se equivoca também, mas ilaqueada pela outra parte."

Nota-se que não há dolo sem que haja erro. Aquele é causa deste. O dolo pode ser considerado como o erro determinado por terceiro. Como informa o inciso III do art. 485 do CPC, o dolo nada mais é do que o erro provocado pela parte vencedora em detrimento da vencida. O erro decorrente do dolo poderá ser de direito ou de fato, sendo o primeiro mais difícil de ocorrer em razão dos conhecimentos do juiz (jura novit curia).

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De que valeria o dolo, se ele não produzisse o erro de fato do juiz? Se o juiz julgou a causa em favor do autor do dolo foi pelo erro de fato (ou erro de direito) por ele produzido, que, viciando a vontade do julgador, fez com que admitisse um fato falso; uma vez que a verdade das coisas ou a realidade levaria o julgamento a ser favorável à parte vencida. O dolo deve envolver a parte vencida, ou seja, ela também deve incorrer no erro. Porém, o erro desta, sem o do juiz, de nada valeria. Há preclusão quando a parte, ao saber do erro do juiz, não o alega por ocasião do recurso de apelo.

O legislador foi redundante ao apontar o dolo como uma das hipóteses do erro de fato. Não haveria necessidade de o legislador apontar as causas do erro de fato, que estarão sempre implícitas no instituto, sendo todas aquelas que possuam idoneidade para determinar o vício da vontade.

3 A colusão entre as partes a fim de fraudar a lei

Colusão é o conluio, a maquinação, a trama, a combinação entre duas ou mais pessoas para prejudicar outrem. A hipótese vem regulada no inciso III do art. 485 do CPC. Aqui, é a combinação entre as partes com o fim de fraudar a lei. Trata-se, na verdade, de mais um caso de erro determinado por terceiro.

O erro produzido pela colusão das partes...

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