Das convenções coletivas de trabalho

AutorEduardo Gabriel Saad
Ocupação do AutorAdvogado, Professor, Membro do Instituto dos Advogados de São Paulo
Páginas826-856

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Art 611

Convenção Coletiva de Trabalho é o acordo de caráter normativo pelo qual dois ou mais sindicatos representativos de categorias econômicas e profissionais estipulam condições de trabalho aplicáveis, no âmbito das respectivas representações, às relações individuais de trabalho.

§ 1º É facultado aos sindicatos representativos de categorias profissionais celebrar Acordos Coletivos com uma ou mais empresas da correspondente categoria econômica, que estipulem condições de trabalho, aplicáveis no âmbito da empresa ou das empresas acordantes às respectivas relações de trabalho.

§ 2º As Federações e, na falta destas, as Confederações representativas de categorias econômicas ou profissionais poderão celebrar convenções coletivas de trabalho para reger as relações das categorias a elas vinculadas, inorganizadas em sindicatos, no âmbito de suas representações.

Notas

1) Reconhecimento constitucional das convenções e acordos coletivos de trabalho: Diz o art. 7º, inciso XXVI, da Constituição Federal, que as convenções e os acordos coletivos de trabalho são reconhecidos. A Constituição de 1946, no inciso XIV, do art. 165, dispunha sobre o “reconhecimento das convenções coletivas de trabalho”, deixando de lado os acordos coletivos de trabalho. A atual Constituição de 1988 fala em ambos.

1.1) Conceito e Escorço Histórico do Direito Coletivo do Trabalho: Tornou-se um lugar comum, entre os estudiosos do Direito Coletivo do Trabalho, dizer que, nos primeiros tempos após a Revolução Industrial, os trabalhadores sentiram necessidade de reunir-se porque, isolados, eram muito fracos diante do maior poder econômico dos patrões.

Submetidos a condições subumanas de trabalho, logo se deram conta de que a liberdade de contratar — ou endeusamento da autonomia da vontade — mal escondia a liberdade de morrer de fome ou de exaustão consequente de jornada de 10, 11 ou mais horas de trabalho.

Pouco antes de o Poder Público abandonar o laisser faire, laisser aller, já os agrupamentos de trabalhadores estavam dotados de força suficiente para arrancar dos empresários acordos coletivos objetivando a suavização das condições de trabalho.

Fato inconteste é que tais acordos abriram o caminho para a legislação do trabalho voltada, não apenas para o disciplinamento das relações individuais do trabalho, mas também para a regulação das organizações profissionais e das formas de solução dos conflitos coletivos do trabalho.

Estruturou-se, assim, o Direito Coletivo do Trabalho, um dos ramos do Direito do Trabalho.

Na raiz desse ramo do Direito do Trabalho, está o interesse coletivo que é indivisível por satisfazer a necessidade comum de uma classe de trabalhadores. Não se trata — é bem de ver — da soma de interesses individuais, mas sim sua combinação para que seja satisfeita, com uniformidade, a necessidade do grupo.

No tangente ao Direito Coletivo do Trabalho temos de utilizar elementos fáticos e outros extraídos da legislação vigente, como ocorre com o Direito Individual do Trabalho.

Mas, neste momento, cumpre-nos ressaltar a circunstância de que as ideias liberais sopram, com força, sobre todo o País, levando de roldão velhas estruturas sociais e econômicas e compelindo nosso legislador a introduzir profundas alterações em nosso ordenamento jurídico.

Implanta-se o regime da economia de mercado, alimentado pelos mesmos princípios liberais e caracterizado: a) pelo recuo do Estado no setor econômico e b) pela maior abertura da nossa economia às permutas internacionais.

Em suma, na década de 90 do século XX, a palavra de ordem em nosso País era o Estado-mínimo.

Toda essa fenomenologia vai acabar criando condições irrespiráveis ao casuísmo da nossa legislação trabalhista e ao modelo do sindicato único.

Quando a legislação trabalhista legada por um regime autoritário irá adequar-se aos novos tempos de liberdade econômica e liberdade política?

Não nos é permitido fazer prognósticos, pois, são muito numerosas as variáveis, máxime aquelas relativas à resistência dos que, hoje, desfrutam privilégios que, como frisamos, não são compatíveis com a nova ordem socioeconômica que se desenha.

O que nos parece inarredável é o desmoronamento de todo esse arcabouço legal trabalhista — herdado do Estado Novo (1930 — 1945) — por não conciliar-se com o regime democrático.

Dominada a inflação e estabilizado, por via de consequência, o custo de vida, a economia de mercado exige profundas mudanças no comportamento dos administradores das entidades sindicais.

Extinta a necessidade permanente de ajustar salários, que ao longo de décadas, dentro do processo inflacionário, foi a mola propulsora de grandes e ruidosos movimentos coletivos, as lideranças sindicais terão de reformular seus planos de ação e programas de trabalho.

Seu prestígio dependerá do êxito de sua atividade voltada para a nova problemática de interesse do trabalhador: condições de trabalho, higiene, segurança e medicina do trabalho, participação nos lucros e resultados da empresa, produtividade do equipamento ou da mão de obra, garantia do emprego, etc.

Na esteira dessas mudanças, é compreensível que ocorram a queda do monismo sindical, a extinção do poder normativo da Justiça do Trabalho e a pulverização dos pactos coletivos de trabalho. No que tange ao poder normativo da Justiça do Trabalho, merece ser dito que o legislador, ao elaborar a Emenda Constitucional n. 45, em 8.12.04, além de ampliar a competência dessa Justiça, deu nova redação ao § 2º do art. 114, da Constituição. Foi aí fixado o entendimento de que, recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente. Quer dizer, o legislador estabeleceu que a Justiça do Trabalho, no julgamento desse conflito coletivo de interesses entre empregados e empregadores, somente pode garantir-lhes as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho já existentes, bem como as disposições que tenham sido ajustadas, anteriormente, por eles em Convenções ou Acordos Coletivos de Trabalho.

Portanto, não fazemos futurologia ao prever a queda do monismo sindical e a pulveriação dos pactos coletivos de trabalho.

Nossas previsões se fundam na experiência de outros países que, como o nosso, saíram de governos autocráticos para outros de índole democrática, como a Itália, a Espanha, Portugal, Alemanha e outros.

Nesses países também se manifestou a fenomenologia que atualmente nos enche de perplexidade; neles, o Estado faz-tudo cedeu o lugar ao Estado-mínimo que defere aos particulares maiores espaços para, sozinhos, resolverem seus problemas e suas divergências.

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Estas considerações têm o intuito de alertar as pessoas interessadas para as possíveis transformações do nosso Direito do Trabalho — o individual e o coletivo — ao influxo das ideias liberais que, a cada dia, ganham maior força, ao mesmo passo em que a nossa economia se robustece e gera novas relações de trabalho.

1.2) Convenção e Acordo Coletivos de Trabalho. Natureza jurídica: No Direito Comparado, prevalece a denominação de Contrato Coletivo de Trabalho ao ajuste em que patrões e empregados estabelecem novas condições de trabalho, que sempre respeitam ao mínimo estabelecido nas normas legais imperativas. Além disso, é possível verificar-se como esses institutos estão sujeitos a incontáveis variáveis.

Assim, na Inglaterra, no após-guerra, acentuou-se a tendência de elaborar-se o contrato coletivo tendo como sujeitos os trabalhadores e um único empregador. A lei vigente “Trade Uniou and Labour Relations Act”, de 1974, não dificulta esse procedimento.

Anteriormente, foram desenvolvidos esforços para que o pacto coletivo abrangesse toda uma categoria profissional. Os próprios interessados reagiram contra essa diretriz.

O Código de Trabalho da França, arts. L-131 e seguintes, regula as convenções coletivas de trabalho e permite que seu campo de aplicação tenha alcance nacional ou o de apenas uma empresa.

É lícito aos trabalhadores, através de seus sindicatos, de acordo com o seu empregador, adaptar as disposições de uma convenção nacional ou regional às peculiaridades da empresa. Como se vê, a obrigatoriedade da primeira sobre a segunda é bem temperada.

Acreditamos que a convenção nacional traça, a rigor, as linhas gerias dentro das quais terão de desenvolver-se as convenções de alcance menor, abrangendo uma ou várias empresas.

Na República Federal da Alemanha, Lei de 1952, reconhece a validade jurídica da convenção coletiva. As duas grandes centrais sindicais alemãs são a Confederação Alemã de Sindicatos (DGB) e o Sindicato dos Empregados da República Federal da Alemanha (DAG). O DGB agrupa 16 sindicatos de industriários e dá-lhes apenas assistência técnica quando da elaboração das convenções coletivas.

O direito do trabalho alemão, embora seja um tanto intervencionista nas relações de trabalho, deixa bastante espaço para a atuação dos sindicatos desejosos de celebrar um pacto coletivo.

Na Itália, após a II Guerra Mundial, os sindicatos recuperaram a liberdade perdida durante o período do fascismo. Sem embargo dessa liberdade, essas entidades profissionais, depois de 1950, se aproximaram espontaneamente — agrupando comunistas, socialistas, cristãos — e passaram a defender soluções idênticas para problemas operários, o que se assemelhou a uma...

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