Das Espécies de Pena (Arts. 32 a 76)

AutorFrancisco Dirceu Barros
Ocupação do AutorProcurador-Geral de Justiça
Páginas369-474
Tratado Doutrinário de Direito Penal
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Arts. 32 a 76
1. Conceito de pena
1.1. Conceito de pena
Ensina Mirabete:
Tem-se de nido a pena como uma sanção a itiva
imposta pelo Estado, por meio da ação penal, ao
autor de uma infração, como retribuição de seu ato
ilícito, consistente na diminuição de um bem jurídico.609
A pena criminal pode privar o indivíduo de sua
liberdade física (prisão), de seu patrimônio (multa)
ou de outros bens jurídicos (direito de exercer uma
atividade ou pro ssão ,etc.).
1.2. Princípios das penas
No Capítulo I estudamos os princípios da lega-
lidade, anterioridade, individualização da pena,
inder rogabilidade ou inevitabilidade, da humanidade,
necessidade concreta da pena, limitação das penas
(ou penas impossíveis). Agora estudaremos os quatro
princípios infracitados.
a) Proporcionalidade da pena
A pena tem que ser proporcional à gravidade
do delito. Inteira razão assiste a René Ariel Dotti,610
quando ensina que o princípio da proporcionalidade
da pena
É uma exigência de dupla face. De um lado deve
traduzir o interesse da sociedade em impor uma
medida penal “necessária e su ciente para reprovação
e prevenção do crime” (CP, art. 59); de outro deve
garantir ao condenado o direito em não sofrer uma
punição que exceda o limite do mal causado pelo
ilícito.
609 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Código Penal Interpretado, p. 250.
610 DOTTI, René Ariel. Curso de Direito Penal – Parte Geral.
Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 64.
A doutrina excessivamente garantista só conseg ue
enxergar uma face do princípio, qual seja, se a infração
for de pequena monta, a pena não pode ser muito
severa. O raciocínio está correto, mas também é cor-
reta a outra face do princípio, ou seja, se a infração for
grave,apenanãopodeserbranda,anal,apena
tem que ser proporcional à gravidade do delito.
EXEMPLO PRÁTICO I
Um exemplo no qual a resposta estatal é maior
do que a gravidade do delito.
Hipótese 1: Tício expõe à venda um produto
destinado a  ns terapêuticos ou medicinais falsi cado.
Pergunta-se: “Qual será a pena mínima do delito
praticado por Tício?”
Hipótese 2: Tício comete o crime de homicídio
doloso simples consumado. Pergunta-se: “Qual será
a pena mínima do delito praticado por Tício?”
Resposta: Na hipótese 1, a pena mínima será
de reclusão de 10 anos (art. 273, § 1º do CP), na
hipótese 2, a pena será de 6 anos (art. 121 do CP).
Há uma expressa violação ao princípio da proporcio-
nalidade da pena, pois um delito de dolo de perigo
(expor à venda) tem a pena mínima maior que um
crime de dolo de dano (matar alguém).
Por esse motivo o Superior Tribunal de Justiça
decidiu pela inconstitucionalidade do preceito secun-
dário (pena) do art. 273, § 1º-B, V, do Código Penal.
Aplica-se, então, a pena prevista no artigo 33 da Lei
nº 11.343/2006 (Lei de Drogas), incidindo também a
causa de diminuição de pena prevista no § 4º (trá co
privilegiado). STJ. Corte especial. AI no HC 239.363-
PR, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em
26/2/2015 (Info 559).
Capítulo 6
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Francisco Dirceu Barros
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EXEMPLO PRÁTICO II
Um exemplo no qual a resposta estatal é menor
do que a gravidade do delito.
Hipótese 1: Tício cometeu o crime de abuso de
autoridade. Pergunta-se: “Qual será a pena do delito
praticado por Tício?”
Hipótese 2: Tício cometeu o crime de desobe-
diência a ordem judicial. Pergunta-se: “Qual será a
pena do delito praticado por Tício?”
Resposta: Na primeira hipótese, segundo o art.
6º, § 3º, alínea b, da Lei nº 4.898/1965, a pena é de
detenção por 10 (dez) dias a 6 (seis) meses; na se-
gunda hipótese, a pena será de detenção, de 15 (qu in-
ze) dias a 6 (seis) meses, e multa (art. 330 do CP).
também, nas duas hipóteses, violação do pri ncípio da
proporcionalidade da pena, anal infrações que re-
presentam um alto gravame ao Estado Democrático
de Direito não poderiam ser punidas como infrações
de menor potencial ofensivo, há, in casu, total insu-
ciência da intervenção estatal, uma vez que os autores
dos delitos praticamente não terão a medida penal
“necessária e suciente para reprovação e preven-
ção do crime”.
b) Princípio da intranscendência
A pena não pode passar da pessoa do conde-
nado.
Este princípio também é denominado princípio da
pessoalidade da pena ou da personalidade da pena
ou da necessidade da pena.
Por esse princípio, impede-se a punição por fato
alheio. Vale dizer: só o autor da infração penal pode
ser apenado:
Nenhuma pena passará da pessoa do condenado,
podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação
do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas
aos sucessores e contra eles executadas, até o limite
do valor do patrimônio transferido. (art. 5º, XLV, da CF)
Para René Dotti, “não existe nenhum fundamento
humano, social e ético para que o sacrifício da pena
seja também imposto a outras pessoas, além do
responsável pelo fato punível”.
c) Princípio da inderrogabilidade ou inevitabi-
lidade da pena
Depois de transitada em julgado, a ação penal
condenatória, a pena deve ser executada. Há duas
exceções que estudaremos no capítulo da extinção
da punibilidade:
a) a prescrição executória;
b) o perdão judicial.
d) Princípio da vedação à conta corrente
Por esse princípio, torna-se inadmissível a forma-
ção de um crédito carcerário em prol do réu, o que,
inelutavelmente, viria em detrimento da própria Jus-
tiça. Portanto, inexiste, no Direito Brasileiro, crédito
prisional que possa projetar-se para crime posterior-
mente perpetrado.
EXEMPLO DIDÁTICO
Caio foi preso em agrante e, denunciado, não
tendo sua prisão relaxada, respondeu preso proviso-
riamente à ação penal, aguardando recolhido por 1
(um) ano, até que foi a sentença prolatada, ao nal,
absolvendo Caio das imputações. Aplicando o princípio
da vedação à conta-corrente/conta corrente, Caio
não cou com um crédito de 1 (um) ano contra o
Estado, seria um absurdo admitir que Caio poderia,
porque foi absolvido, cometer um crime de um ano
de reclusão.
CASO CRIMINAL SUPERINTERESSANTE
“O RISCO DUPLO”
Relatam Luiz Flávio Gomes e Antonio García-Pa -
blos de Molina que:611
No lme Risco Duplo (Cruce Beresford), 1999,
uma milionária é acusada (injustamente) de ter ma-
tado o marido. Houve uma farsa, que vem a ser des-
coberta. Ela é liberada. Como já tinha cado presa
vários anos, delibera efetivamente matar o marido (e
mata). O tempo que ela cou presa pode ser debitado
da prisão nal a que foi condenada pela morte efetiva
do marido? Não. Ela conta com indenização em
relação ao tempo de prisão indevida e deve cumprir
a nova pena imposta em relação à morte real do ma-
rido. Anula-se a primeira sentença (erro judiciário),
permitindo-se desse modo um novo processo. Mas,
611 GOMES, Luiz Flávio; MOLINA, Antonio García-Pablos de.
Direito Penal, Parte Geral. vol. 2, São Paulo: RT: 2008.
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de qualquer modo, não existe crédito de pena para
o futuro. O segundo processo não é um bis in idem,
porque o primeiro é nulo.
1.3. Classicação das penas
As penas se classicam em:
a) privativas de liberdade (ex.: reclusão e detenção);
b) restritivas de direito (ex.: prestação de serviços
à comunidade, interdição temporária de direitos,
limitação de m de semana, perda de bens e
valores, prestação pecuniária, ,etc);
c) multa.
A Constituição Federal dispõe, em seu art. 5º,
XLVI, que:
A lei regulará a individualização da pena e adotará, en-
tre outras, as seguintes:
a) privação ou restrição da liberdade;
b) perda de bens;
c) multa;
d) prestação social alternativa;
e) suspensão ou interdição de direitos.
1.4. Cominação das penas
Conforme explica Nucci,612 as penas podem ser
cominadas, abstratamente, da seguinte forma:
a) isoladamente: quando somente uma pena é
prevista ao agente (ex.: a privativa de liberdade,
no crime de homicídio – art. 121, CP);
b) cumulativamente: quando ao agente é possível
aplicar mais de uma modalidade de pena (ex.: a
privativa de liberdade cumulada com multa, no
crime de furto – art. 155, CP).
c) alternativamente: quando há possibilidade da
opção entre duas modalidades diferentes (ex.:
privativa de liberdade ou multa, no crime de
ameaça – art. 147, CP).
1.5. A pena versus a medida de segurança
Trataremos das medidas de segurança em capí-
tulo próprio, mas, em síntese, podemos armar que
medida de segurança não é pena, trata-se de uma
sanção penal aplicada pelo Estado, com caráter
612 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal –
Parte Geral e Especial. 2. ed. São Paulo: RT, p. 294.
preventivo e curativo, e tem também a nalidade de
preservar a segurança social, em razão da pericu-
losidade do agente. Dizia o grande Mirabete que:613
A medida de segurança não deixa de ser uma
sanção penal e, embora mantenha semelhança
com a pena, diminuindo um bem jurídico, visa pre-
cipuamente à prevenção, no sentido de preservar a
sociedade da ação de delinquentes terríveis ou de
pessoas portadoras de deciências psíquicas e de
submetê-los a tratamento curativo.
Ainda diferem as medidas de segurança das pe-
nas nos seguintes casos:
a) as medidas de segurança são indeterminadas no
tempo, ndando somente com o m da periculo-
sidade. A pena é determinada;
b) as medidas de segurança são aplicáveis, aos
inimputáveis (periculosidade presumida) e ex-
cepcionalmente:
ao semi-imputável em conformidade com o art.
• ao imputável ao tempo do crime, mas que de-
pois sobreveio doença mental ou perturbação da
saúde mental (art. 183 da Lei nº 7.210/1984).
c) a pena é aplicada ao imputável e ao semi-imputá-
vel e, em nenhuma hipótese, pode ser presumida.
RESUMO PRÁTICO
A sanção penal se divide em:
a) pena;
b) medida de segurança.
1.6. As penas proibidas
A Constituição Federal, em seu art. 5º, XLVII,
especica quais são as penas vedadas:
Não haverá penas:
a) de morte, salvo em caso de guerra declarada,
nos termos do art. 84, XIX;
b) de caráter perpétuo;
c) de trabalhos forçados;
d) de banimento;
e) cruéis.
613 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Código Penal Interpretado, p. 505.
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