Das excludentes

AutorCalil Simão
Ocupação do AutorDoutorando em Direito pela Universidade de Coimbra (PT). Mestre em Direito
Páginas325-333

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19 Excludentes de ilicitude Considerações iniciais

Vimos, ao estudar os requisitos do ato ímprobo, que a tipicidade representa a definição da conduta pela norma. Neste momento vamos distinguir a tipicidade da antijuridicidade. Todo fato típico se presume antijurídico, tendo em vista que a razão de ser da tipicidade é empregar-lhe efeitos jurídicos. No tocante ao Direito Punitivo, a tipicidade tem a finalidade de autorizar a aplicação de uma penalidade ao infrator.

No entanto, podemos ter tipicidade sem que haja antijuridicidade. Explicando melhor, é possível que uma pessoa pratique o núcleo do tipo, sem que esteja praticando uma conduta antijurídica. Isso acontece quando a conduta é justificável.

As justificativas, também conhecidas como causas de justificação ou excludentes de ilicitude, são geralmente previstas pelo legislador. Quando não previstas em lei, são chamadas de supralegais.

Com relação ao direito punitivo previsto pelo § 4º do art. 37 da CF, competia a lei especial, no caso, a LIA, estabelecer as causas justificadoras. Embora o legislador não tenha previsto qualquer causa legal, o magistrado, quando da aplicação da LIA, deve atentar para os fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum (LINDD, art. 5º), podendo, se necessário for, invocar a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito (LINDD, art. 4º).

Estudaremos, a seguir, algumas causas de justificação que retiram a antijuridicidade da conduta.

19. 1 Estado de necessidade

O estado de necessidade é conhecido como a situação de fato que força uma pessoa a agir conforme descrito no tipo legal, como forma de defender ou tutelar outro bem jurídico. Em outras palavras, o agente preserva um bem jurídico em detrimento de outro.

Costuma-se distinguir dois tipos de estado de necessidade: a) estado de necessi-dade justificante, e b) estado de necessidade exculpante. No primeiro, o bem jurídico sacrificado é de menor valor, tal como a prática um ato ilícito no exercício de cargo público para evitar a morte de inúmeras pessoas. No segundo caso, o bem jurídico sacrificado tem o mesmo valor do bem jurídico protegido.

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Importante salientar que, em alguns casos, a inexigibilidade de conduta adversa configura suporte básico da legítima defesa. Nessas situações, a absolvição do agente se dá por ausência de culpabilidade (infra, nº 20.3).

Necessário salientar, ainda, que o estado de necessidade deve estar permeado de dois elementos: inevitabilidade e proporcionalidade. Ou seja, a conduta contra o bem jurídico lesado deve ser o único meio de proteção. A proporção é a escolha entre a lesão de um bem jurídico em face do outro. Sendo os bens jurídicos de mesmo valor, deve ser mantida a situação preexistente. Para essa análise devem ser considerados o tempo, o lugar, o tipo de ação e a cultura regional.

19. 2 Exercício regular do direito

No exercício regular de direito, o sujeito age dentro dos limites legais. Ou seja, o agente tem prerrogativa legal para realizar a conduta típica e, por consequência, encontra-se imune ao ilícito diante da posição jurídica em que se encontra. O exemplo mais claro é o do boxeador, que, para exercer sua atividade esportiva, lesa o seu combatente e às vezes causa até a sua morte. Outra pessoa, não enquadrada nesta situação, cometeria crime de lesão corporal ou homicídio.

De igual forma acontece com o agente público que efetua certas despesas, como, por exemplo, pagamentos que a lei autoriza. Uma ulterior declaração da inconstitucionalidade dessa lei não implica em considerar ilegal a conduta do agente público, sendo impossível imputar-lhe a infração de ordenar despesa ilegal (LIA, art. 9º, IX). Isso porque ele estava no exercício regular de seu direito, tendo em vista que toda lei tem presunção de constitucionalidade, sendo obrigatória até a sua revogação ou declaração de sua inconstitucionalidade.

Segundo a doutrina, o ordenamento jurídico tem que ser harmônico; diante disso, não podem existir entre os ramos do Direito, no tocante às condutas permitidas e vedadas, contradições. Desse modo, sempre que um ramo do Direito permitir uma conduta ela não pode ser punida pelo outro.

19. 3 Estrito cumprimento de um dever legal

Quando o agente atua no cumprimento de um dever legal não comete qualquer infração. Esse dever pode estar previsto em leis ou em atos normativos.

Se a lei impõe ao agente público o dever de cobrar taxa e o autoriza a reter, como remuneração, um percentual do tributo, a declaração de sua inconstitucionalidade não transforma esse ato em ilegal, tampouco em enriquecimento ilícito (LIA, art. 9º). Isso porque a lei determina a cobrança do tributo, criando, para o agente público, o dever jurídico de cobrar.

Por outro lado, se um Delegado de Polícia aproveita a sua função para vingar-se de seu desafeto, age desonestamente e deslealmente no exercício de sua função, cometendo ato de improbidade administrativa por violação de princípio, mesmo que

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se descubra posteriormente que havia mandado de prisão expedido contra o tal desafeto. Não pode o Delegado alegar o estrito cumprimento do dever legal, pois agiu sem a consciência e sem a intenção de cumprir o seu dever. O estrito cumprimento do dever legal exige, portanto, a convergência do elemento subjetivo do agente.

20 Excludentes de culpabilidade Considerações iniciais

Ao contrário das excludentes de ilicitude, cuja configuração torna o fato atípico, as excludentes de culpabilidade voltam-se à censura da infração (reprovação), ou seja, a possibilidade de atribuir ao infrator a responsabilidade pelo ato cometido, e não à tipicidade de sua conduta.

Essas excludentes são previstas pelo próprio texto constitucional; outras, decorrem da legislação infraconstitucional e dos princípios...

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