Das normas fundamentais e da aplicação das normas processuais (Arts. 1 ao 15)

AutorJosé Antônio Ribeiro de Oliveira Silva - Carlos Eduardo Oliveira Dias - Guilherme Guimarães Feliciano - Manoel Carlos Toledo Filho
Ocupação do AutorJuiz Titular da 6ª Vara do Trabalho de Ribeirão Preto - Conselheiro do Conselho Nacional de Justiça - Juiz Titular da 1ª Vara do Trabalho de Taubaté - Desembargador do Trabalho do TRT-15
Páginas13-52
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LEI N. 13.105, DE 16 DE MARÇO DE 2015
A PRESIDENTA DA REPÚBLICA
Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
PARTE GERAL
LIVRO I
DAS NORMAS PROCESSUAIS CIVIS
TÍTULO ÚNICO
DAS NORMAS FUNDAMENTAIS E DA APLICAÇÃO DAS NORMAS PROCESSUAIS
CAPÍTULO I
DAS NORMAS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO CIVIL
O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as
normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil,
observando-se as disposições deste Código.
Comentário de José Antônio Ribeiro de Oliveira Silva
NOTA INTRODUTÓRIA
O objetivo central desta obra é analisar, passo a
passo, a compatibilidade das normas do novo Código de
Processo Civil com as normas do processo do trabalho.
Para que se possa atingir esse escopo, o método
aplicado pelos autores será o de, primeiramente, co-
mentar de modo objetivo o sentido e o alcance das
regras do novo Código de Processo Civil, para, em
seguida, vericar a possibilidade de aplicação subsi-
diária ou supletiva ao processo do trabalho.
Nesse caminhar, torna-se imprescindível pro-
curar identicar a existência de norma própria no
processo laboral ou de eventual lacuna. Num segun-
do passo, analisar se mesmo na existência de norma
própria não seria desejável a aplicação supletiva do
novo Código, como, aliás, prevê expressamente seu
novel art. 15. De qualquer modo, numa ou noutra
hipótese — lacuna normativa (primária) ou lacu-
na ontológica e axiológica (secundária) —, apontar
com clareza a (in) compatibilidade das novas regras
com as normas do processo do trabalho, exigência
Trabalho. Daí que a análise da referida compatibili-
dade será a bússola que guiará todos os comentários
formulados pelos autores, na sequência desta obra.
NORMA JURÍDICA PROCESSUAL
A regra primeira deste novo Código de Processo
Civil é inédita, em termos de ordenamento do pro-
cesso que propicia a prestação jurisdicional civil em
nosso país. Ao dispor que doravante o processo civil
deve se pautar, em sua ordenação (procedimento
a ser seguido), disciplina e inclusive em sua inter-
pretação, pelos valores e pelas normas fundamentais
insculpidos em nossa Constituição republicana,
o CPC de 2015 evidencia a supremacia das normas
constitucionais sobre as do próprio Código — como
não poderia ser de outra forma —, sobretudo dos
valores e dos princípios constitucionais. Com efeito,
a tríade normativa — regras, princípios e valores —
passa a guiar o aplicador e o intérprete das novas
regras codicadas.
Nesse passo, convém recordar brevemente o sig-
nicado dos institutos jurídicos referidos.
De todos sabido que a norma jurídica (estatal) é
o principal objeto do Direito, e que por meio dela
o Estado institui determinados padrões de condu-
ta social, impondo sanções jurídicas ao destinatário
que não observar os padrões denidos na norma.
No caso em exame, o conjunto normativo do novo
Código de Processo Civil visa a estabelecer os com-
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Comentários ao Novo CPC
portamentos que cada ator jurídico deve seguir no
curso do processo judicial de natureza civil, preven-
do o papel de cada uma das partes que atuam ou
podem atuar no processo, xando os procedimentos
(ritos) a serem seguidos e inclusive impondo san-
ções para condutas impróprias — por exemplo, as
previsões de multas e indenizações por dano proces-
sual ou litigância de má-fé —, além de prever regras
de outra natureza.
Ocorre que a norma não provém apenas das
regras positivadas pelo Estado, como há tempo se
proclama, pois os princípios gerais de direito dei-
xaram de ser apenas fonte subsidiária do Direito
(art. 4º da LINDB) e passaram a ser utilizados pelos
atores jurídicos como fonte normativa que, portanto,
disciplinam/regem uma situação concreta. E mais
recentemente a doutrina tem proclamado que tam-
bém os grandes valores consagrados pela sociedade,
sobretudo em sua carta constitucional, possuem
uma carga normativa, além de sua importante fun-
ção interpretativa das normas postas.
FORÇA NORMATIVA DOS VALORES E
PRINCÍPIOS
pressamente que os princípios constitucionais
têm força normativa, situando-se acima da própria
novo Código. Com efeito, os princípios — e os va-
lores — constitucionais estão no ápice da pirâmide
normativa, exatamente como sempre preconizou a
jurisprudência dos valores.
Neste sentido, Paulo Bonavides arma que essa
construção doutrinária — da força normativa dos
princípios — fez com que a teoria dos princípios se
convertesse no coração das Constituições. Assim, dei-
xando de ser mera “fonte subsidiária de terceiro grau
nos Códigos, os princípios gerais, desde as derradei-
ras Constituições da segunda metade do século XX,
se tornaram fonte primária de normatividade”. De
modo que a jurisprudência dos princípios, enquanto
“jurisprudência dos valores”, interpenetra-se com
a “jurisprudência dos problemas”, formando a “es-
pinha dorsal” da nova hermenêutica, na época do
pós-positivismo. Com efeito, a jurisprudência dos
princípios fornece “os critérios e meios interpretati-
vos de que se necessita para um mais amplo acesso
à tríade normativa — regra, princípio e valor”. De se
enfatizar que essa tríade normativa possui uma sin-
gular importância “para penetrar e sondar o sentido
e a direção que o Direito Constitucional toma (no)
tocante à aplicabilidade imediata de seus preceitos”
(BONAVIDES, 2006, p. 276-285).
Resta, portanto, identicar quais são os valores
e princípios constitucionais invocados pelo novo
Código de Processo Civil, os quais irão, doravante,
guiar o aplicador e o intérprete, na condução do pro-
cesso comum.
Pois bem, alguns institutos jurídicos têm uma di-
mensão tão abrangente que podem ser classicados
como princípios, fundamentos, direitos e inclusive
valores de um sistema normativo.
O mais signicativo desses institutos é o princípio
ontológico da dignidade da pessoa humana, tão impor-
tante que há uma regra expressa no novo Código
determinando a sua observância, a do art. 8º, segun-
do a qual o juiz, ao aplicar o ordenamento jurídico,
deve resguardar e promover a dignidade da pessoa
humana, além de outras diretrizes ali xadas, como
comentaremos mais adiante.
Amplamente sabido que a dignidade humana
é um dos princípios cardeais de nossa Constituição
(art. 1º, III), sendo um dos fundamentos da própria
República Federativa do Brasil (caput). E há regras
que mandam observar, resguardar, promover e até
interpretar outras regras com base nessa máxima da
dignidade humana, como o art. 8º supramencionado
e tantos outros. Daí que se pode armar, sem receio
algum, que a dignidade é um direito fundamental
de toda pessoa humana, a ser exigida em situações
concretas tanto em face do Estado quanto dos par-
ticulares, na chamada ecácia horizontal dos direitos
fundamentais. Isso signica que, num caso concre-
to, o juiz pode exigir que o comportamento da parte
seja adequado ao respeito que merece a outra parte,
no curso do processo, sob pena de violar o princí-
pio da dignidade humana e sofrer as consequências
daí decorrentes. Sendo assim, a dignidade da pessoa
humana se torna mais do que um princípio como
quaisquer outros, erigindo-se num dos valores funda-
mentais da sociedade brasileira.
Outros valores podem ser lembrados, nessa ótica
de princípios fundantes, como os valores da liberdade,
da igualdade, da solidariedade — a famosa tríade
que se busca concretizar desde a Revolução Fran-
cesa de 1789 —, da vida, da livre iniciativa, dentre
outros.
Na seara trabalhista, um valor tão importan-
te — e nem sempre lembrado — é o valor social do
trabalho humano, insculpido em fundamento, princí-
República Federativa do Brasil. Por isso, a doutrina
justrabalhista mais abalizada enfatiza que o trabalho
é, a um só tempo, direito fundamental, fundamento
de nosso Estado Democrático (e social) de Direito e
um valor que se encontra no ápice de nossa pirâmi-
de normativa.
No tocante aos princípios constitucionais, de se
analisar aqueles que têm mais larga aplicação no
âmbito processual, diante dos limites estreitos desta
obra.
procura equalizar uma difícil colisão dos princípios
constitucionais processuais, assegurando de um lado as
desejáveis celeridade e efetividade, imprescindíveis
à presteza da solução judicial, e de outro as garan-
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Comentários ao Novo CPC
tias do contraditório e da ampla defesa. Em meio
a tudo isso, o novo Código revela um verdadeiro
fascínio pelo postulado da segurança jurídica. Com
efeito, é extremamente complexo atingir o utópico
“meio-termo” nessa colisão de princípios fundamentais,
porque ou se estipulam regras que beneciam a ce-
leridade, rumo à tão sonhada efetividade — porque
há muito se arma que justiça tardia é uma forma de
injustiça —, ou se concretizam regras que asseguram
a plena participação em contraditório, possibilitan-
do-se às partes que a todo momento possam (tentar)
inuenciar na decisão judicial, até em nome do
regime democrático de direito, o que, no nal das
contas, deságua em morosidade, para que haja a
mais ampla segurança jurídica quando das decisões
no curso do processo.
PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO
PROCESSO
Antes mesmo da Constituição da República Fe-
derativa do Brasil de 1988, Ada Pelegrini Grinover
apontava a inegável conexão entre o direito proces-
sual e o regime constitucional. Com efeito, o Estado
de Direito somente alcançará sua concretização atra-
vés desses instrumentos processual-constitucionais
de tutela dos direitos fundamentais do ser humano.
Citando Couture, esta conceituada autora asseve-
ra: trata-se “de fazer com que o direito não que à
mercê do processo, nem que venha a sucumbir por
ausência ou insuciência deste” (GRINOVER, 1975,
p. 3-6).
Por óbvio, nesse contexto — identicação dos
princípios processuais fundamentais — não podem
caber princípios que são especícos de determinada
fase procedimental, como, por exemplo, o princí-
pio da impugnação especicada — que se aplica à
defesa —, o princípio da preclusão — que se aplica
aos prazos —, os princípios relacionados à prova —
inclusive o da proibição da prova ilícita — e tantos
outros. Por isso, sustenta-se que os chamados prin-
cípios gerais, como os princípios da demanda, da
congruência, do livre convencimento, da oralidade,
da lealdade, da instrumentalidade das formas e o
princípio dispositivo não passam de regras técni-
cas, faltando-lhes o caráter de generalidade de que são
dotados os princípios de origem político-constitucional,
por referirem-se, aqueles, apenas a algum setor do
direito processual e não ao processo como um todo
(DINAMARCO, 2004, V. I, p. 196-197).
Entendemos que os princípios fundamentais do
sistema processual encontram-se previstos na pró-
pria Lei Fundamental do País e, portanto, podem ser
denominados também de princípios constitucionais do
processo.
Para Dinamarco, tais princípios fundamentais são
os seguintes: a) do devido processo legal; b) da inafas-
tabilidade do controle jurisdicional; c) da igualdade;
d) da liberdade; e) do contraditório e da ampla defe-
sa; f) do juiz natural; e g) da publicidade. Segundo
este renomado autor, o princípio do duplo grau de
jurisdição não tem os contornos de autêntica garantia
constitucional, e a exigência de motivação das deci-
sões judiciais trata-se, em verdade, de uma projeção
do princípio do devido processo legal. Para ele, em
suma, a garantia de todo o sistema processual é o
princípio do acesso à justiça, que é, portanto, o princípio-
-síntese e o objetivo nal do sistema (Idem, p. 197-198).
De nossa parte, entendemos que boa parte dos
princípios constitucionais processuais acaba reu-
nida no princípio do devido processo legal. Como
reconhece Dinamarco, “muitos desses princípios, ga-
rantias e exigências convergem a um núcleo central e
comum, que é o devido processo legal”. Ora, “observar
os padrões previamente estabelecidos na Constitui-
ção e na lei é oferecer o contraditório, a publicidade,
possibilidade de defesa ampla etc.”. De modo que
são “inegáveis as superposições entre os princípios
constitucionais do processo, sendo impossível deli-
mitar áreas de aplicação exclusiva de cada um deles”
(destaques no original) (Idem, p. 198).
Destarte, podemos sustentar que, em verdade, há
na Constituição Federal três princípios processuais on-
tológicos, que consubstanciam valores fundamentais
e podem ser considerados como a matriz de todo o
sistema processual, a saber: a) o princípio do acesso
à justiça; b) o princípio do devido processo legal; e
c) o princípio da efetividade.
PRINCÍPIO DO ACESSO À JUSTIÇA
O princípio do acesso à justiça se consubstancia
na facilitação do acesso ao Poder Judiciário. No entan-
to, não se assegura com essa garantia simplesmente
a porta de entrada ao cidadão, mas também e prin-
cipalmente “a porta de saída”, vale dizer, a efetiva
entrega da tutela jurisdicional postulada.
No dizer da mais abalizada doutrina, deve-se
assegurar às pessoas que buscam o Judiciário o re-
sultado útil do processo, sendo que toda a atividade
jurisdicional deve ser pautada pela busca incessante
dessa utilidade do provimento, como uma maneira
de se promover a justiça do caso concreto. Em ou-
tras palavras, o acesso à justiça não signica apenas
a garantia da propositura da demanda (ajuizamento
da ação), devendo materializar-se em todos os atos
do procedimento (rito a ser seguido), até a entrega
da prestação jurisdicional, seja mediante um provi-
mento cautelar, cognitivo ou satisfativo ao autor da
demanda, que efetivamente satisfaça a sua preten-
são — caso ele tenha ganho de causa.
Cappellei e Garth asseveram, com maestria, que
o acesso à justiça, nessa ordem de ideias, pode — e
deve — “ser encarado como o requisito fundamen-
tal — o mais básico dos direitos humanos — de um
sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda
garantir, e não apenas proclamar os direitos de to-
dos” (CAPPELLETTI; GARTH, 1988, p. 12).

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